Problemas na inclusão escolar
Priscila precisou entrar com ação no Ministério Público para conseguir as profissionais que acompanham Lorenzo na escola

Problemas na inclusão escolar

Pais de alunos com deficiência relatam que enfrentam dificuldades para fazer valer os direitos de seus filhos em escolas públicas de Ribeirão Preto

A inclusão escolar é um desafio diário para muitas crianças com deficiência. Para que elas possam estudar com mais igualdade, diversas leis respaldam seus direitos, como o acesso à uma professora mediadora em sala de aula. Essa profissional faz a ponte com a professora regente e auxilia o estudante pedagogicamente em sala de aula. No entanto, em Ribeirão Preto, alunos tem enfrentado dificuldades para ter acesso a esses profissionais, além de terem outros direitos violados.  

A instrutora de aprendizagem Camila Taniguti conta que seu filho Pedro, de sete anos, é autista e está no segundo ano do ensino fundamental de uma escola municipal. Até o momento, ele não tem uma professora mediadora e, por isso, é excluído de muitas atividades escolares.

“Embora o Pedro tenha muito potencial, ele não consegue acompanhar o ritmo de aprendizagem da turma. Acionei o Ministério Público em fevereiro, mas até agora não obtive respostas satisfatórias. É inadmissível uma criança ser amparada pela lei, mas na prática isso não se concretizar, e é angustiante para uma mãe ter que deixar seu filho na escola sabendo que ele está desamparado”, lamenta Camila.

A analista administrativo Márcia Lima dos Santos também enfrenta problemas na escola municipal onde seu filho Arthur, de três anos, está matriculado no maternal. Ele tem a síndrome genética Dup15p. Por conta disso, tem epilepsia, aspectos autísticos e atraso do desenvolvimento.

Por não ter uma professora mediadora, ele frequenta a aula de forma parcial, com apoio da supervisora de educação especial três dias da semana e, nos outros dois dias, fica sem a ajuda. De acordo com a mãe, o menino não consegue acompanhar a turma. “O que ouço é que não tem a profissional. Tinha uma previsão para abril, já estamos em maio e nada foi feito. Também faltam cadeiras especiais e organização. Mandei e-mail para o Ministério Público e aguardo retorno, não vejo outra alternativa para fazer valer os direitos do meu filho”, conta a mãe.

Para conseguir os direitos de seu filho Lorenzo, de seis anos, que tem paralisia cerebral e é cadeirante, a secretária Priscila Carvalho Speridiao precisou recorrer à Justiça. Ele está no primeiro ano do ensino fundamental de uma escola estadual. Foi pedido uma cuidadora, que é uma profissional que atende às necessidades do aluno fora da sala de aula, como ir ao banheiro. Mas a profissional não poderia auxiliar na alimentação do menino, que se alimenta por sonda. Foi preciso recorrer ao Ministério Público e ao Conselho Tutelar.

Uma enfermeira orientou a cuidadora, que não se adaptou e foi preciso contratar outra pessoa. A ação também pedia a professora de apoio, que começou em 25 de março. “Meu filho quase não fez atividades no período que estava sem a mediadora. Agora, estão montando o plano didático dele. Hoje estou satisfeita com o que está sendo feito, mas até que tudo se ajeitasse, chorei muito. Tem muita burocracia”, explica Priscila.

A assistente social e militante da causa das pessoas com deficiência Mayra Ribeiro de Oliveira, de 29 anos, conta que sofreu muito por conta da falta de inclusão nas escolas em que estudou na vida. Ela é deficiente visual.

“Ainda hoje, temos muito a avançar na educação inclusiva. Um problema é o capacitismo, que é o preconceito e a discriminação contra pessoas com deficiência. Também tem a falta de capacitação dos professores; falta de acessibilidade, como banheiros adaptados, rampas, elevadores, corrimão adequado, piso tátil e sinalização dos corredores; faltam mais impressoras braille; falta de intérprete de Libras (Língua Brasileira de Sinais); falta de professores que saibam Libras; além da falta de professor mediador e do cuidador”, cita Mayra.

Pedro com a mãe, Camila: ele está sem uma professora mediadora em sala de aula e está com dificuldade de acompanhar a turma na escola

Direitos

A professora de Inglês da rede municipal de ensino Priscila Corrado Machado Registro defende que o professor mediador é importante para que o aluno com deficiência consiga acompanhar, de forma adaptada por um especialista à sua necessidade específica, o conteúdo e as atividades que são trabalhadas com a sala, propiciando a inclusão do estudante às atividades pedagógicas e à vida escolar.

“A inclusão não é apenas acolhimento, amor e respeito. Ela precisa se pautar em ações baseadas em ciência para que deem resultados. As leis precisam ser cumpridas e a palavra dos especialistas levada em conta”, explica. Mãe de um menino autista, ela diz que é impossível olhar para os alunos com deficiência e não se lembrar do seu filho. “Isso guia minha ação pedagógica. Quero que esses estudantes sejam compreendidos e que se pratique o melhor que a ciência tem a oferecer, sem mitos nem achismos”, completa.

A professora universitária, mestre e advogada especialista em Direitos das Pessoas com Deficiência, Samira Andraos Marquezin, explica que o aluno de inclusão possui direitos que estão previstos na Constituição Federal, além de diversas convenções internacionais e leis em todo o território nacional.

“Os mais básicos são, o direito: à matrícula na rede regular de ensino; à anotação do conteúdo do laudo médico do nos registros públicos; à adaptação arquitetônica de todos os ambientes escolares; ao material adaptado para sua deficiência); ao professor mediador, cuja função deve ser estabelecida entre médicos, terapeutas e educadores; ao acompanhante terapêutico, de acordo com indicação médica; entre muitos outros. Sempre levando em consideração todas as características individuais de cada aluno, suas capacidades e necessidades”, detalha.

De acordo com Samira, o primeiro passo para a requisição de qualquer adaptação para o aluno com deficiência é apresentar para a escola um relatório médico pormenorizado, contendo todas as características do paciente e suas necessidades. Caso a escola não providencie o requerido pelo médico que acompanha o estudante, é preciso notificar o departamento que administra a educação da escola em específico, seja diretoria de ensino ou secretaria municipal de ensino. Se nada for providenciado, deve-se fazer uma denúncia ao Ministério Público, que vai apurar responsabilidades e orientar a comunidade. Na impossibilidade de se obter o que é de direito do aluno de inclusão, o próximo passo é exigi-los junto ao Poder Judiciário, que vai avaliar caso a caso e decidir acerca do descumprimento da lei para cada situação.

Outro lado

Em nota, a Secretaria Municipal da Educação informou que, com relação aos questionamentos referentes aos profissionais para a educação especial, a rede conta hoje com 362 profissionais de apoio e mais 129 professores especializados, além de 82 professores mediadores.

No dia 3 de maio, foi aberta mais uma atribuição para contratação de professores mediadores e também de professores de AEE (Atendimento Educacional Especializado). A secretaria também esclarece que já está em tramitação um processo seletivo para a contratação de professores de AEE. Procurada, a Secretaria de Estado da Educação questionou e havia algum caso específico que seria abordado no texto e garantiu que enviaria uma nota sobre a falta de professores mediadores nas escolas estaduais de Ribeirão Preto. Porém, não obtivemos retorno até o fechamento desta edição. 


Fotos: Luan Porto

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