Superação: Da escola pública à universidade

Superação: Da escola pública à universidade

O ingresso de alunos de ensino público em universidades públicas é raro, mas não impossível; Conheça histórias de quem venceu obstáculos

Considera-se mais difícil que alunos de escolas públicas passarem nos vestibulares de universidades públicas. Porém, na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), em um dos cursos mais concorridos da faculdade, um percentual de 88,2% dos aprovados em medicina foi de alunos de escolas públicas.

O acontecimento foi algo que surpreendeu a opinião pública. A universidade que não adota cotas, mas sim um sistema de bonificação, teve, pela primeira vez, alunos de escolas públicas superando os de escolas particulares em seu vestibular.

O ocorrido, infelizmente, é algo incomum na sociedade brasileira. O que se vê, na prática, é alunos de escolas públicas cursarem universidades privadas e os de colégios particulares cursarem públicas.

O sociólogo Wlaumir Sousa explica que há enormes diferenças entre a educação pública e a privada. “A educação pública e a particular, sobretudo no que diz respeito aos recursos materiais disponíveis, demonstram as diferenças de recursos materiais que facilitam e tornam mais agradável a aprendizagem na rede privada em comparação à rede pública. Além da lotação de salas na rede pública”, comenta.


Wlaumir afirma que a educação privada oferece condições ideais para a aprendizagem. “Com recursos, materiais adequados, número de alunos compatíveis ao ensino e climatização do ambiente estabelecem-se nas redes privadas condições ideais para a aprendizagem”, diz.

De acordo com o sociólogo, o desempenho do aluno da escola privada tende a ser melhor pelo capital cultural que o mesmo traz à escola e para a sua aula em relação aqueles das classes populares. “Em geral, alunos de escolas privadas tem mais oportunidades culturais. A diferença de capital cultural termina por determinar, até certo ponto, mas não de forma determinística, o quanto o aluno poderá avançar. Isto faz manifestar as diferenças na aprendizagem, todavia, professores dedicados na rede pública fazem a diferença com debates atualizados e contextualizadores que tendem a ser mais críticos às classes dominantes que estão na rede privada”, afirma.

Wlaumir conclui que não é impossível um aluno de ensino público passar no vestibular de universidades públicas. “Bons profissionais com alunos atentos e dedicados tornam cada vez mais possível a expansão de alunos da rede pública básica na universidade pública que antigamente era voltada para a elite econômica”, finaliza.

É possível

A soma de professores dedicados, alunos aplicados e um estudo que vai além da escola, cada vez mais possibilita o ingresso em universidades públicas. Como o Gabriel Aparecido, 17 anos, ex-aluno do “E.E Otoniel Motta”, que passou em quatro universidades públicas, Universidade de São Paulo (USP), Universidade Estadual de São Paulo (UNESP) e a Universidade Federal de São Carlos (UFScar) em Enfermagem, e na Universidade Federal do Triângulo Mineiro em Engenharia Química.

Gabriel afirma que foi uma grande realização passar nessas universidades. “Após um período me dedicando aos estudos, passar no vestibular de grandes universidades públicas, em que o número de alunos de escolas públicas aprovados não é tão evidente, é uma grande realização”, comenta.

O jovem afirma que a maior dificuldade que enfrentou foi ultrapassar a carência que existe no sistema público de ensino como a falta de professores e os materiais didáticos ruins e ultrapassados.

Além das dificuldades, Gabriel fala que em quase nenhum momento do ensino médio ele realmente foi preparado para o vestibular. “Em raros momentos da minha formação no ensino público, houve uma grande dedicação a preparar os alunos para o vestibular ou até mesmo para a vida acadêmica no ensino superior”, afirma.

O futuro universitário contou que teve a oportunidade de fazer o cursinho popular oferecido pela Faculdade de Direito de Ribeirão Preto (USP-RP). “Minha rotina de estudo baseava-se em frequentar a escola no período de manhã, à tarde me dedicar aos estudos pelo menos quatro horas (além do cursinho) e a noite ir às aulas do cursinho. No final de semana, dedicava pelo menos seis horas de estudo”, explica.

Para os que estão se preparando para o vestibular de universidades públicas, Gabriel explica que é essencial ter uma motivação. “Uma das grandes motivações que me levaram a não desistir de passar pelo vestibular foi o desejo de oferecer algo construtivo à sociedade, então, a única coisa que posso dizer a todo aluno de escola pública que deseja entrar em uma universidade pública é procurar a motivação certa e se prender a ela e nunca deixar de levar a educação a sério”, finaliza.

Para o Thiago Henrique, 20 anos, que estudou no “E.E Dr. Tomás Alberto Whatelly”, que passou em duas universidades públicas, Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e na Universidade Federal de Uberlândia (UFU), em Engenharia Elétrica, e também no Mackenzie, com bolsa integral pelo ProUni.

O caso dele é um pouco diferente do Gabriel, que não fez cursinho após sair do ensino médio. Thiago fez dois anos de cursinho antes de passar no vestibular, porém o mérito é o mesmo. O jovem conta que teve grandes dificuldades nesses dois anos, pois existiam matérias que ele nunca havia visto na escola pública. “Entrei no cursinho sem realmente saber o que era ter uma rotina de estudos. E aprendi na marra. Fiz dois anos de cursinho, sendo que no primeiro, vi muitas matérias inéditas, o que não deveria acontecer”, explica.

Thiago afirma que a preparação que é fornecida aos alunos da rede pública não é, definitivamente, focada no sistema de processo seletivo dos vestibulares em geral. “São poucos os que conseguem passar direto do ensino médio às universidades públicas”, afirma.

O jovem explica que quando entrou no cursinho não tinha uma rotina diária de estudos. “Aprendi na marra. Fiz dois anos de cursinho, sendo que no primeiro, vi muitas matérias inéditas, o que não deveria acontecer”, conta.

Thiago finaliza que é importante ter força de vontade e acreditar em si mesmo, mas infelizmente não é só isso que é preciso para ingressar em uma universidade pública. “Não saio do senso comum, do clichê, da exceção. É claro que isso também conta, porém, o importante é ter consciência de que essa não é a realidade. Deveria ser uma situação normal o ingresso em universidades públicas de alunos da rede pública. O que deve acontecer é a união desses para reivindicar reavaliações do sistema de ensino e do falho processo seletivo. Repito, não é impossível ingressar nas universidades públicas, mas estamos trabalhando com a exceção”, finaliza.

Fotos: Arquivo pessoal e Arquivo Revide

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