Todas as classes: Enem é a porta de entrada de milhares de jovens para o ensino superior

Todas as classes: Enem é a porta de entrada de milhares de jovens para o ensino superior

Estudantes e professores debatem os pontos positivos e possíveis melhorias para Enem

O Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) foi instituído em 1998, com o objetivo de avaliar o desempenho escolar dos estudantes ao término da educação básica. Em 2009, o exame aperfeiçoou sua metodologia e passou a ser utilizado como mecanismo de acesso à educação superior.

 

Desde então, a prova se tornou o principal vestibular do país e um dos mais inclusivos. As notas do Enem podem ser usadas para acesso ao Sistema de Seleção Unificada (Sisu) e ao Programa Universidade para Todos (ProUni) que possibilitam o ingresso em universidades públicas e particulares, respectivamente. Elas também são aceitas em mais de 50 instituições de educação superior portuguesas. Além disso, os participantes do Enem podem pleitear financiamento estudantil em programas do governo, como o Fundo de Financiamento Estudantil (Fies).

 

Hoje o Enem é o principal e um dos mais democráticos vestibulares do Brasil. A prova abrange estudantes de escolas públicas e particulares, das mais variadas classes sociais e localidades do país. Além de adultos, professores, treineiros e pessoas que buscam uma nova formação. A prova também tem a sua modalidade para Pessoas Privadas de Liberdade, o Enem PPL.

 

Segundo a Secretaria de Administração Penitenciária (SAP), foi registrado um aumento de 10,87% em relação ao número de presos interessados em participar do exame no ano passado. O percentual de candidatos PPL também cresceu nas unidades prisionais da região de Ribeirão Preto: 15,84% a mais se comparado a 2022. As inscrições foram encerradas em 27 de outubro e as provas deverão ser aplicadas nos dias 12 e 13 de dezembro nos estabelecimentos da SAP. O exame tem o mesmo grau de dificuldade do Enem regular e é composto por quatro provas, que juntas somam 180 questões, e uma redação em língua portuguesa.

 

Os detentos recebem a preparação por meio das escolas vinculadoras. Além disso, a SAP, por meio da Coordenadoria de Reintegração Social e Cidadania, em parceria com o Instituto SEB, promove mais uma forma de preparação para o Enem: o Cursinho Intensivo. O curso acontece de forma remota e possui 100 horas/aula, distribuído em 60 horas de videoaulas e 40 horas práticas com exercícios e redação.

 


Prova do Enem é feita por diferentes classes sociais, inclusive dentro de penitenciárias

 

“Estou me preparando muito para o Enem, para obter uma excelente nota e conseguir atingir minhas metas e objetivos. Pretendo cursar Engenharia. Para mim, a Educação tem o poder de abrir portas para uma vida e futuro melhor; ela [Educação] é fundamental para uma sociedade melhor. Minha matéria predileta é Matemática. Meu sonho é ser empresário e poder dar o melhor para minha família", diz o detento V.H.V.B de 30 anos.

 

Já W.L.A.S, de 34 anos, tem o sonho de montar seu próprio empreendimento e cursar Direito. "O Enem tem esse poder de abrir portas e oportunidades por meio da Educação. Estou me preparando psicologicamente e por meio de estudos para conseguir um bom resultado na prova", declara.

 

O professor Fernando Roma, da Escola SEB Lafaiete, ressalta que o Enem hoje é realizado por muitos alunos de escolas particulares e praticamente todos os alunos de escolas públicas, sendo o principal acesso às universidades brasileiras e até em outros países. “Além disso, considera critérios de acessibilidade, incluindo os estudantes que demandam a escrita em Braile, o guia-intérprete de Libras, o tempo estendido para os participantes neuroatípicos, a prova adaptada para quem tem baixa-visão, a sala especial para as participantes mães lactantes, entre outros”, avalia Roma.

 

Alertas ao acesso

 

Para complementar os conteúdos do ensino médio, ou com a intenção de se especializar em um vestibular específico e almejar as primeiras posições, estudantes procuram por cursinhos preparatórios. Os mais conhecidos e que com os melhores índices de aprovação são os particulares. Todavia, iniciativas solidárias têm levado esse conhecimento para alunos de escolas públicas e de baixa renda.

 

Os cursinhos populares, muitos deles mantidos por alunos e professores de universidades, têm se transformado em um importante dispositivo de inclusão social e acesso ao ensino. Um exemplo é o Cursinho Social Flavi, um curso pré-vestibular para estudantes de baixa renda mantido por alunos da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade (FEA) da USP de Ribeirão Preto. A iniciativa é voltada para os estudantes que não tem oportunidade de pagar um cursinho particular, geralmente alunos do ensino público ou que tem bolsa integral em colégios particulares.

 

Para Amanda Ribeiro, professora do cursinho Flavi e aluna do curso de Administração da USP, dos vestibulares disponíveis no Brasil, o Enem é o mais democrático no âmbito localidade, por atingir todos os estados, mas ainda enfrenta muitos desafios. “Muitas universidades que possuem seu vestibular próprio estão diminuindo a cada ano suas vagas de Enem. A própria USP esse ano diminuiu suas vagas de entrada pelo Enem na universidade e isso pode aumentar nos próximos anos”, ressalta Amanda.

 

A universitária destaca a criação do “Enem-USP” como um ponto importante na mudança da política da USP em relação ao exame. Antes, a universidade utilizava o sistema integrado do Sistema de Seleção Unificada (Sisu), após longo período sem aceitar estudantes oriundos do Enem e não da Fuvest, seu vestibular próprio. Nesse novo modelo, a avaliação será feita pela Fuvest a partir da nota do aluno no Enem. A mudança, que pode ser adotada por outras instituições públicas, tem gerado apreensão em Amanda. "Acredito que o ENEM vem perdendo um pouco de espaço quando se trata de entrar nas universidades. Apesar de existirem universidades que a única forma de entrar é o ENEM", pondera.

 


Amanda Ribeiro, universitária e professora de um cursinho popular, alerta que muitas universidades tem preferido meios próprios de avaliação ao invés do Enem

 

O temor de Amanda encontra eco nos números.  O recorde histórico de inscritos foi em 2014, com 8,7 milhões de estudantes. Em 2023, foram 3,9 milhões. A média histórica de abstenção no Enem gira em torno de um terço dos inscritos, segundo o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep). A exceção foi durante os dois primeiros anos da pandemia. Em 2021, a abstenção bateu o recorde de 55%. Antes, o recorde havia sido em 2009, quando 37% dos inscritos não compareceram à prova.  

 

Estudantes da rede pública ou pessoas com vulnerabilidade socioeconômica não pagam a taxa de inscrição, a prova é aplicada em quase 2 mil cidades e possibilita o acesso a centenas de milhares de vagas em universidades públicas (federais e estaduais) distribuídas pelo país. Isso o torna bastante democrático. "Porém, consciente dos desafios do sistema educacional brasileiro, creio que a grande quantidade de itens com considerável nível técnico faz com que boa parte dos estudantes não consiga acessá-los em sua plenitude a ponto de garantir um bom desempenho", acrescenta Franco Giagio, Coordenador Pedagógico do Colégio FAAP.

O coordenador pedagógico Franco Giagio ressalta pontos de atenção na prova, como a complexidade dos textos e a duração do exame

 

Conteudista?

Em sua criação o Enem era composto basicamente por itens mais interpretativos, conceitos básicos das Ciências e, na Matemática, a análise de gráficos e tabelas e o raciocínio lógico que davam o tom da prova. Na última década a prova passou a cobrar conteúdos mais próximos aos que as demais bancas exigem do candidato. Aumentou o nível de complexidade do exame.

 

Atualmente o Enem se distingue dos demais vestibulares mais pela forma que pelo conteúdo.  Os textos são longos e, nas provas de Ciências da Natureza e Matemática, os cálculos são muito presentes. Segundo Giagio, o pouco tempo disponibilizado, pelo tamanho e complexidade da prova, inviabiliza os estudantes que não se encontram, de fato, bem-preparados para o exame.

 

“O fato de a nota do candidato ser obtida pela Teoria de Resposta ao Item (TRI) faz com que seja essencial planejar bem a execução da prova e não perder muito tempo com as questões mais desafiadoras”, destaca o coordenador. “A prova de redação possui características bastante próprias, sempre aborda algum problema real da sociedade e a proposta de intervenção deve ser completa a fim de obter nota próxima a máxima”, acrescenta.

 


O professor Fernando Roma destaca o caráter inclusivo da prova do Enem

 

Para Roma, nos últimos anos o Enem tem sido muito semelhante, em termos teóricos, aos demais vestibulares. "Mas ainda percebemos que certos conteúdos raramente aparecem nas questões, principalmente os mais específicos e menos práticos ou aplicados. Entendo isso como algo bom, pois evita que a prova se torne detalhista e incentive as famosas 'decorebas'", pontua.

 

Para o professor do SEB, o Enem é uma prova conteudista, porém, exige competências e habilidades para entender as perguntas, geralmente muito bem contextualizadas, e para encontrar a resposta correta. "Então o aluno precisa ter uma base teórica e ter treinado muito durante o ano. Por isso, no SEB Lafaiete, valorizamos aulas teóricas de qualidade, aplicamos inúmeros simulados durante o ano e estimulamos os alunos a cumprirem as tarefas aplicadas pelos professores diariamente", pondera.

 

 

ROTINA DE ESTUDOS

 

Luiza

 

Luiza Tuzzi Borini, estudante do colégio FAAP, pretende cursar medicina e presta vestibulares como treineira desde o primeiro ano do ensino médio. "A minha maior dificuldade costuma ser na prova de linguagens, que é uma prova muito extensa e cansativa. Além disso, nas alternativas costumam ter muitos distratores, que apresentam informações corretas e relacionadas aos textos, mas que não respondem diretamente à pergunta e que, em momento de cansaço, podem confundir", comenta a aluna. 

 

Para conseguir assimilar os conteúdos vistos em aula, Luiza estabeleceu uma rotina rigorosa, com aulas, provas antigas e análise dos erros; além de manter a constância no ritmo de estudos de maneira ponderada, de forma que os extremos da exaustão ou da procrastinação não fossem atingidos. "Foi importante também estabelecer a prática de exercícios físicos e o acompanhamento psicológico como prioridades para ter condições de lidar com a ansiedade e com a tensão que envolvem o processo de preparação complexo para o dia do vestibular", aconselha a estudante.

 

Rebecca

 

Rebecca Teles Campos, do colégio FAAP, comenta que a maior dificuldade é vencer o cansaço do primeiro dia de prova porque depois da interpretação dos textos longos e a redação, fica difícil manter a concentração. A estudante que pretende passar em medicina presta a prova como treineira desde o primeiro ano do ensino médio. Para Rebecca, o tema da redação deste ano "Desafios para o Enfrentamento da Invisibilidade do Trabalho de Cuidado Realizado pela Mulher no Brasil" foi muito atual e relevante.

 

“Uma vez que os papéis de gênero no Brasil ainda são muito usados a favor da exploração feminina. Acredito que a reflexão sobre isso pelos jovens e agora pela mídia poderão trazer benefícios para a sociedade", argumenta a aluna. Como forma de se preparar, a aluna assiste aulas pela manhã, de tarde resolve exercícios e tira dúvidas com os professores, tanto para revisar conceitos quanto para treinar estilos de prova. "À noite tento apenas resolver alguma pendência por que para mim as 8 horas de sono são essenciais para acordar descansada no dia seguinte. Nos finais de semana faço simulados e treino a escrita de redações", completa Rebecca.

 

Maria

 

"Presto o Enem desde o primeiro ano do ensino médio. De forma geral, o que sinto mais dificuldade no Enem é a extensão da prova, são muitos texto longos além de ter alguns de complexo entendimento na área de linguagens e humanas. Por isso que é muito importante ter a pratica de leitura e boa interpretação pra realizar a prova do primeiro dia", avalia a estudante Maria Gabryela da Rosa Stein. A aluna do terceiro ano do ensino médio da Escola SEB Lafaiete confessa que ficou feliz com o tema da redação deste ano. "Sabemos que todos os temas que o Enem traz são problemáticas sociais que merecem atenção da população, mas o deste ano, sobre a mulher e os desafios para o enfrentamento da invisibilidade do trabalho de cuidado, está muito presente na vida da maioria dos brasileiros. Eu acredito que tenha sido um tema super pertinente no atual contexto".

 

A rotina de estudos da jovem começa cedo. "Tenho aula até as 16h quase todos os dias, e depois das aulas eu foco bastante na resolução de exercícios para fixar a matéria, a famosa 'aula dada, aula estudada', além de sempre revisar matérias antigas. Faço uma redação por semana e sempre corrijo com os professores os erros pra conseguir aprimorar a produção textual. E por fim, em uma rotina de estudos eficaz é fundamental uma boa alimentação e práticas de exercícios físicos, por isso, tento ir na academia três vezes na semana e manter sempre uma alimentação saudável. Dessa forma meu corpo físico fica em equilíbrio com a mente e meu rendimento no estudo melhora muito", conclui Maria.

 


Foto destaque: Paulo Pinto/Agência Brasil

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