De esportista a empresário
CEO da Terra Incentivos Fiscais, Danilo Terra fala sobre o trabalho de unir proponentes de projetos sociais a pessoas e empresas interessadas em destinar parte de seus impostos à execução deles
Aos 45 anos de idade, Danilo Terra é mais conhecido em Ribeirão Preto como CEO de uma das maiores agências de captação de recursos para projetos sociais via leis de incentivos fiscais – a Terra Incentivos Fiscais –, mas passou a maior parte de sua vida como esportista.
Nascido Danilo Nogueira Lopes Terra, em Campinas, a 4 de março de 1980, ele chegou com a família a Ribeirão Preto com 3 anos de idade. Aos 6, perdeu o pai, e desde então sua mãe, Rita de Cássia, passou a assumir ambos os papéis, para o que contou com a valiosa ajuda dos treinos de judô que o pequeno Danilo iniciou muito cedo – nem se lembra com quantos anos. Foi onde ele aprendeu, muito além de golpes de luta, a ter disciplina.
Por volta dos 14, ele ganhou da mãe o presente que influenciaria para sempre seu modo de ser e lhe daria propósitos: uma bicicleta. “A partir desse momento, minha vida mudou completamente. Passei a ter uma rotina mais saudável, a acordar cedo para treinar e, mesmo com poucas condições financeiras à época, minha mãe mediu não esforços para me apoiar nessa paixão”, conta. Nos momentos de maior dificuldade, em que dona Rita perguntava se era aquilo mesmo que ele queria, respondia: “mãe, tem algo muito forte que fala para eu não desistir”.
A perseverança foi recompensada com oportunidades que Danilo soube agarrar. A primeira, de buscar, via Lei de Incentivos Fiscais, recursos que permitissem à Equipe de Ciclismo de Ribeirão Preto – que integrava – a se profissionalizar. Deu tão certo, que mais dois projetos aprovados depois, ele enxergou outra grande oportunidade: de agenciar pessoas físicas e jurídicas interessadas em destinar parte de seus impostos pagos a projetos sociais aptos a captar recursos, além de pessoas e entidades proponentes.
Foi assim que, em 2012, o ex-esportista Danilo Terra tornou-se empresário do Terceiro Setor. Nos últimos dez anos, a Terra já captou um total de R$ 94 milhões em recursos para mais de 350 projetos sociais de Ribeirão Preto. Embora siga extremamente grato ao esporte, que afirma ter moldado a pessoa e o empresário que é hoje, Danilo sente-se realizado por viver de um trabalho que contribui para dar à sociedade mais acesso a educação, cultura, esporte ou lazer, com consequente redução das desigualdades sociais e da criminalidade. Ele fala mais sobre isso na entrevista a seguir:
Como e por que você teve a ideia para elaborar seu primeiro projeto com recursos das leis de incentivos fiscais?
Eu tive essa ideia em 2008. Eu comecei a ler e estudar sobre a Lei de Incentivo ao Esporte, e por necessidade mesmo de recursos. Eu já era responsável pela Equipe de Ciclismo em Ribeirão Preto. Iniciei esse trabalho no final de 1999. A Lei de Incentivo ao Esporte foi criada em 2006 e em 2008 eu falei: ‘bom, aí pode ser um caminho para a gente sair da 10ª colocação’. E, de fato, foi o que aconteceu. A gente aprovou em 2010 o primeiro projeto e começou a executar em 2012. Para você ter uma ideia, em 2011 nós fomos 9º no ranking nacional, e em 2012 vencemos o ranking nacional, com a mesma equipe.
O que o projeto proveu com esses recursos?
Ele nos proporcionou recursos para materiais de mais qualidade, porque a modalidade do ciclismo exige um investimento em material. E, principalmente, a oportunidade de competir mais, em provas de alto nível. Isso foi a grande diferença que fez a evolução dos atletas. E um outro ponto importantíssimo, que não posso deixar de destacar, é a equipe multidisciplinar que o projeto também proporcionou. Passamos a ter, além de técnico, massagista, psicóloga do esporte, toda essa equipe multidisciplinar, o que faz diferença nos resultados na hora da competição.
Antes era amadorismo total, cada um com seus recursos?
Amadorismo tota e muita dificuldade de levantar recursos. Os atletas, em alguns casos, tinham que se dividir com outras tarefas, outro trabalho, para se sustentar. A partir dali foi possível buscar a profissionalização desses atletas, para eles viverem só do esporte.
Como estão hoje esses projetos?
A equipe de ciclismo, na época, a gente tinha uma equipe profissional. Hoje não mais, desde a pandemia, mas mantemos a equipe com jovens da cidade. Hoje, de Ribeirão, tem uma equipe de base com 15 atletas até 18 anos. É uma equipe de formação. E depois da Equipe de Ciclismo surgiu o Pedalando para o Futuro, que é hoje nossa “menina dos olhos”. É um projeto social e educacional em que a gente vai às escolas públicas dar educação de trânsito para as crianças utilizando a bicicleta. Um outro projeto nosso implementado via Lei de Incentivos é o Pedala Ribeirão, um passeio ciclístico tradicional da cidade. Na grande maioria das vezes, ocorre em junho, no aniversário da cidade, como evento comemorativo. O Pedala Ribeirão ocorreu muito tempo sem recursos via Lei de Incentivo. Aí, três edições para trás, a gente, também com a intenção de captar mais recursos e tornar o evento maior, o submeteu a aprovação por uma Lei de Incentivo.
Entre todos os potenciais clientes que o procuram, você chega a selecionar para qual vai buscar incentivos ou projetos? Você segue algum critério para selecionar ou aceita todos?
Boa pergunta. Nós não distinguimos tamanho de empresa. A gente atende grandes empresas, com volumes vultuosos, e empresas que têm um potencial de destinar R$ 500, 200. Então, esse não é um critério para extinguir não. Muito pelo contrário. A gente quer, na verdade, estimular todo e qualquer tipo e tamanho de empresa, desde que, claro, elas possam, dentro do regime de apuração de impostos, destinar. Se a legislação permitir.
Quais requisitos uma Pessoa Física ou Jurídica deve atender para optar pela destinação de parte de seus impostos?
Vou começar pela pessoa física, que é mais simples. Para que ela possa destinar parte de seu Imposto de Renda, ela tem que fazer declaração no modo completo. Quem faz declaração no modo simplificado não pode destinar. Agora, as empresas, tanto com Lucro Real, como Lucro Presumido, podem destinar o ICMS (Imposto Sobre Circulação de Mercadorias e Serviços), onde a gente tem a lei do esporte, que é o PIE (Programa de Incentivo ao Esporte), e a lei do Proac (Programa de Ação Cultural). Então, são 3% do ICMS para cada uma, resultando em um total de 6%. Tanto empresa de Lucro Real quanto de Lucro Presumido. No caso de Imposto de Renda, somente empresa de Lucro Real. Ou seja, Lucro Presumido e Simples Nacional não podem destinar.
Quais os benefícios para quem destina? Tem diferença em relação ao que Pessoa Jurídica destina?
Sim. A gente chama, no caso da Pessoa Física, de doação, porque ela não vai ter nenhum tipo de contrapartida de marketing, de colocação de logomarca. Ela realmente doa. A contrapartida de melhoria da sociedade as duas têm. Elas vão ver os resultados na comunidade, no ganho social que o projeto para o qual destinaram proporciona, como acesso à cultura e ao esporte a várias pessoas, gratuitamente. E o principal para a empresa é ela colocar o logotipo dela nos materiais do projeto, que vão para as redes sociais, às vezes em um uniforme, um banner, um vídeo, enfim... cada projeto tem as suas características e formas para esse tipo de divulgação.
Você tem um exemplo prático local desses benefícios? Alguma empresa que tenha ganhado com essa exposição do bem?
Ah, muitas empresas. Você quer que eu cite o nome de alguma? Vou citar a Passalacqua, que acho que é um dos nossos clientes mais antigos, uma empresa que colocou em suas prioridades de processos e procedimentos internos as destinações de impostos. Estão pautadas em cima de ações e estratégias da marca a forma como a empresa quer se estabelecer no mercado. É um exemplo que trago de empresa que, apesar de tradicional e centenária em Ribeirão, nos últimos dez anos introduziu isso fortemente em suas decisões.
Ela percebeu ganhos?
Sim. Não só percebeu ganhos externos, como internos. A gente escuta muito da diretoria esse feedback que eles recebem dos colaboradores, porque a empresa pode também - outro benefício que não citei - divulgar internamente para o seu público de colaboradores as ações que faz através dos incentivos. E muitas vezes esses projetos sensibilizam os funcionários, que se sentem orgulhosos de saber que a empresa em que trabalha – e de certo modo ela também - está apoiando e ajudando esses projetos. E uma questão importante: os colaboradores das empresas patrocinadoras podem também participar. Eles, os seus filhos. O que a lei não permite é ser restritivo a determinado público. Por exemplo, uma empresa não pode apoiar um projeto e querer que atenda somente os seus colaboradores. Tem que ser a sociedade. Mas ela permite que, como qualquer pessoa da comunidade, o colaborador possa participar dos projetos. É algo que a gente também busca fomentar.
A sociedade como um todo de que forma ganha?
Ganha bastante porque, como eu falei anteriormente, tem atividades culturais, esportivas e às vezes de saúde proporcionadas gratuitamente à comunidade. Com isso, a gente vê redução da criminalidade, porque a criança fora da rua, fazendo esporte e cultura, sem dúvida vai reduzir a questão da criminalidade. Outro ponto é a inclusão social. Porque, no esporte, pessoas de baixa e de alta renda se conhecem e compartilham aquela modalidade. Eu mesmo tenho muitos amigos de diferentes classes, acima e abaixo (da minha), que conheci graças à bicicleta. Estas são questões intangíveis, difíceis de mensurar. A gente pega até o exemplo do Hemocentro. Imagina: salvar vidas! É algo que a gente, muitas vezes, quando fala em incentivos fiscais: um projeto trazer para o país uma tecnologia inovadora, com custo 80% mais acessível que nos Estados Unidos, para salvar vidas. Então, realmente, os benefícios são enormes.
O que você achou de Ribeirão Preto ter sido a segunda cidade do estado de São Paulo e a 11ª do Brasil a fazer essas destinações?
Olha, eu não costumo falar essa palavra, mas confesso que me senti orgulhoso. Senti porque, claro que não é resultado da Terra Incentivos, mas a gente faz parte de um pedacinho disso. Não tenho dúvidas. Então, fiquei muito feliz mesmo.
Você não chuta com que tamanho da fatia desse bolo a Terra contribuiu?
Ah, uma fatia boa! Mas eu acho que isso não importa muito. Acho que esse resultado tem que ser comemorado igualmente por todos. Desde por aquele que contribui um pouquinho até por aquele que contribuiu com muitão. Eu, particularmente, sou mais dos bastidores. Então, como falei, fico orgulhoso, como ribeirão-pretano e, claro, por saber que a gente contribuiu diretamente para esse resultado.
Tem concorrência nesse ramo?
Tem concorrência, mas a Terra Incentivos lida muito bem com isso. A gente tem até parceria com concorrentes. A Terra entende que tem espaço para todo mundo no mercado, porque é muito amplo. Mas temos nossos diferenciais. Como já comentei, a gente tem uma expertise e um foco muito grandes na orientação contábil, fiscal e jurídica das empresas, porque entendemos ser importante que tenham certeza de que todo o processo está de acordo com o que a legislação determina.
Quando uma empresa os procura, vocês indicam projetos de acordo com o perfil dela? E quando um proponente é que os procura vocês já sabem qual empresa vão oferecer?
Sim. A gente, quando recebe um projeto, automaticamente faz um link: ‘tal empresa vai gostar desse projeto’. Ou pelo próprio perfil ou estilo do projeto, ou pela sua localização geográfica. Por exemplo, a gente sabe que determinada empresa procura projetos numa cidade com poucas opções, aí a gente faz esse link imediatamente. E o contrário também ocorre. Escuta da empresa o perfil que ela quer e a Terra, se não tiver no catálogo, vai buscar projetos com esse perfil.
O que uma empresa do seu ramo nunca pode fazer?
Dentro da nossa filosofia de transparência, eu tenho uma máxima: falo que nós nunca podemos prometer aquilo que não pode entregar. Então jamais ofereço algo que não possa somente para ganhar o cliente. Prefiro perder falando a verdade, que tentar prometer algo e depois entregar parcialmente ou não entregar o prometido.
Qual sua opinião pessoal sobre como o governo aplica o dinheiro dos nossos impostos?
Eu acho que, independentemente de quem está no Governo, a aplicação é ineficiente. Eles mesmos reconhecem. Por isso temos essa gama de leis de incentivo. Eu quero dizer com isso que o Governo já percebeu que a sociedade civil organizada consegue eleger melhor onde aplicar. Com isso, o Governo foca no que realmente deve fazer, nas prioridades. E dessa forma ele cobra dos projetos a prestação de contas. Então, é como se fosse uma terceirização, para que a própria comunidade, sociedade civil e o ramo empresarial possam aplicar parte dos impostos gerados pelo país.
O que você achou da reforma tributária?
Eu achei muito importante porque ela simplifica [a cobrança de impostos]. Tradicionalmente, o Brasil tem uma alta carga tributária e recentemente vem aumentando. Mas eu acho que o principal ganho com a Reforma é a simplificação. O Brasil tem um custo muito alto de tempo e para com pessoas para acompanhar essa teia que é o nosso sistema tributário.
Você acredita que essa reforma vai resvalar de alguma forma nas leis de incentivo ou nenhum risco?
Bom, por enquanto, a gente não tem essa resposta, porque a Reforma, até o momento, não tratou do Imposto de Renda. Vai ser uma próxima etapa. E agora o ICMS também vai entrar. Então, eu acredito que eles não vão parar porque a pressão popular seria grande. Eu acho que é um percentual pequeno. Se pegar, por exemplo, o Estado de São Paulo, o que ele destina para programas culturais e esportivos – menos de 0,02% – é irrisório dentro da arrecadação do Governo do Estado. Acho que seria um custo político que não seria interessante para o Governo, tamanho o resultado dos programas.
E se todo mundo, pessoas físicas e jurídicas, fizessem essa opção? Criaria desequilíbrio ou seria o mundo ideal?
Um mundo ideal eu não sei se existe, mas sem dúvida nenhuma mudaria a realidade de muitas pessoas e instituições e, consequentemente, das comunidades mais periféricas, carentes e vulneráveis socialmente falando. Não tenho a menor dúvida de que seria um impacto enorme de melhorias.
Você acha que o contribuinte ribeirão-pretano está bem-informado, consciente, sobre a importância dessas leis de incentivos fiscais?
Olha, eu falo que cada ano aumenta [a conscientização]. O próprio mercado, em relação às empresas: um concorrente começa a usar e o outro acaba querendo. Os próprios projetos contaminam as pessoas. Quem tem pessoas, filhos, que participam dos projetos, vai se contaminando e pode passar a destinar. Mas ainda existem pessoas que têm, por falta de informação, uma objeção e não fazem ainda. Mas eu acho que é uma questão de tempo para a gente chegar a um patamar condizente com o potencial que Ribeirão tem. Porque, apesar de estarmos entre os municípios do Brasil que mais destinam, Ribeirão ainda tem um potencial bem maior do que efetivamente acontece. E a gente vai continuar trabalhando, incansavelmente, com a verdade, com a honestidade, dentro da legislação, com bons projetos, com muita transparência, para atingir esses patamares desejados.
Foto: Luan Porto