Política e futebol: conheça as torcidas politizadas do Botafogo e Comercial
Torcedores pregam a paz nas arquibancadas, lutam contra a homofobia e ainda sobra tempo para torcer pelo clube

Política e futebol: conheça as torcidas politizadas do Botafogo e Comercial

A torcida Antifascista do Botafogo e a Bafomunistas do Comercial trazem modelo europeu de “torcidas politizadas”

Para a torcida organizada Antifascista do Botafogo e a Bafomunistas do Comercial, futebol e política, além de serem motivos para discussão, podem – e devem – se misturar. As duas torcidas reforçam o coro de um movimento muito forte nas arquibancadas europeias, mas ainda pouco falado nos estádios brasileiros: o das organizadas politizadas.

Botafogo Antifascista

O Botafogo foi fundado em 1918, majoritariamente, por operários que moravam na Vila Tibério e trabalhavam na antiga Estrada de Ferro Mogiana e na Companhia Antártica Paulista. Quase 100 anos após a fundação, torcedores do clube resolveram resgatar as origens populares do Pantera e fundar a torcida Antifascista do Botafogo.

Assim como os operários que fundaram o clube no “Bar do Piranha” no início do século XX, os torcedores fundaram, em fevereiro de 2019, a organizada em um bar do centro da cidade. “Surgiu em conversas de torcedores que se reuniam no Bar do Márcio. Esses torcedores compartilhavam o amor pelo Botafogo. Compartilhavam também preocupações com o destino do futebol”, explica o professor de história Rafael Faria, membro da organizada.

Assim como Sócrates, um dos mais famosos jogadores do time da Vila Tibério, os torcedores também acreditam que o futebol extrapola as quatro linhas. É, também, um fenômeno cultural e político. Desse modo, a torcida debate a sociedade a partir do futebol, e vice-versa.

Em pleno período de Ditadura Militar no Brasil, Sócrates, ao lado de outros jogadores, criaram o movimento conhecido como "Democracia Corinthiana". Apesar de questioando por outros atletas que não faziam parte do grupo de Sócrates, falar em democracia durante a Ditadura, mostrava o perfil questionador do "doutor". 

Outro fato que reforçava a consciência social do jogador faixa que ele usou na cabeça durante a Copa de 1986 com os dizeres "Mexico sigue en pié" (México segue de pé). Era uma mensagem de força pelo terrível terremoto que atingiu o país um ano antes.

“Temos como princípios a luta contra o racismo, a luta pelo salário digno, condições dignas de trabalho, condições dignas de aposentadoria, respeito às mulheres, enfim, apoio a todas as liberdades populares e lutas democrática”, comenta Faria. Atualmente, a organizada conta com 83 membros, já possuem camisetas e bandeiras confeccionadas.

Por esses e outros exemplos, Faria defende uma presença popular forte no estádio, sem preconceitos e acolhendo todos os torcedores, porque isso fortaleceria o clube e o futebol nacional. “Isso significa estádio lotado, o que significa futebol local forte. O que faz com que menos jogadores partam para Europa tão novos, que, por sua vez, significa futebol forte novamente”, explica.

Bafomunistas

Além da “Antifa”, outro grupo também se reúne em bares e estádios para acompanhar as partidas e discutir política. Os Bafomunistas, torcida organizada – e politizada – do Comercial. Nesse caso, contudo, a organização dos torcedores não surgiu em uma mesa de bar, mas em um ambiente político.

Em um cenário político conturbado durante as eleições presidenciais do 2018, alguns torcedores com ideais políticos semelhantes decidiram se reunir. “Um grupo de amigos que frequentava o estádio teve a ideia de fazer uma bandeira do Che Guevara vestindo a camisa do Comercial, quando então começamos a conversar com outros amigos também de orientação política progressista para arrecadar fundos”, relembra o bancário Fábio Palma. Coincidentemente o torcedor compartilha o sobrenome com a “Joia”, o estádio Palma Travssos.

Formado em Direito e cursando História, Palma explica que os valores defendidos pela torcida são: “os antifascistas em geral, mas damos destaque a algo que deve ser combatido com urgência no futebol: homofobia, machismo e racismo”. O torcedor acrescenta que “ser antifascista é um dever moral”, não apenas uma pauta da Esquerda.

O bancário admite que muitos torcedores “tradicionais” do Botafogo “torceram o nariz” para uma torcida progressista, mas afasta a fama de que o Comercial tenha uma torcida “de elite”.

“Hoje não faz mais sentido, o Comercial foi fundado pelos comerciantes de Ribeirão Preto em 1911. Acredito que o Botafogo reverteu essa imagem. Grandes empresários de Ribeirão, simpáticos ao time da Ribeirania, estão sempre dispostos a ajudar quando o clube precisa. O Comercial é da sua torcida e de poucos abnegados”, argumenta Palma sem perder a oportunidade de alfinetar os rivais.

Politizados

No Velho Continente, misturar política e futebol, além de não ser uma atividade recente, é muito mais comum do que no Brasil. Clubes como Sankt Pauli, da Alemanha, e o Livorno, da Itália, são alguns dos exemplos de times que tem em seu DNA a pauta progressista.

Já times tradicionais como Roma, Rangers, e até o Real Madrid, tem histórias ligadas à ideologias de direita. Inclusive, o time merengue possui uma rivalidade histórica com o Barcelona, não só dentro de campo, mas também em disputas políticas.

Outro time muito comentado quando o assunto é política e futebol é a Lazio, da Itália. A equipe tem um histórico ligado à figuras autoritárias da Europa, inclusive alguns torcedores entoam cantos "saudando" o ditador Benito Mussolini durante as partidas.

Segundo o professor de Jornalismo e jornalista esportivo do UOL, Rafael Reis o fato do futebol mudar a vida das pessoas, já o coloca em um patamar longe do "mero entretenimento". "O menino pobre que venceu fome e teve uma ascensão financeira, ou o torcedor que gasta 40% do salário com o time. O fato do futebol provocar essas mudanças sociais já comprova isso".

Sobre a ainda baixa adesão de torcidas brasileiras a movimentos políticos em relação aos europeus, Reis explica que essa comparação reflete um fator histórico. "Historicamente o europeu é mais politizado que o brasileiro, o que acontece no futebol é só um reflexo do que rola fora de campo", explica.

“Além disso, vários episódios em Copas do Mundo estão relacionados a questões geopolíticas seríssimas. Em 1934, Mussolini fez questão de realizar a Copa em território italiano. Na Copa de 2018, os jogadores naturalizados suíços, Xhaka e Shaqiri comemoram gols contra seleção da Sérvia fazendo o sinal da águia de duas cabeças, símbolo da Albânia”, relembra o jornalista.

Os jogadores citados por Reis nasceram no Kosovo, que fazia parte do território da antiga Iugoslávia. Como até 2016 o território não era reconhecido pela Fifa, muitos atletas do Kosovo atuavam por outras nações. Por conta da proximidade das culturas, muitos jogavam pela seleção da Albânia. Desse modo, ao fazer o símbolo da águia de duas cabeças, Shaqiri e Xhaka exibiam um sinal de resistência contra a opressão realizada pelo governo iugoslavo nos anos 90.


Foto: Arquivo pessoal

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