Defesa do patrimônio histórico
Centro Cultural Palace é um dos prédios tombados em Ribeirão Preto, além de ser a sede do Conppac | Foto: Revide

Defesa do patrimônio histórico

Eleição do novo presidente do Conppac e divulgação de relatório da Acirp sobre tombamentos na cidade reacenderam discussões quanto à preservação do patrimônio histórico e cultural de Ribeirão Preto

Em abril, o Conselho de Preservação do Patrimônio Cultural de Ribeirão Preto (Conppac), órgão colegiado encarregado de assessorar o Poder Público Municipal nos assuntos relacionados à preservação do patrimônio histórico e cultural, elegeu como novo presidente o advogado Lucas Gabriel Pereira, que estará à frente da instituição pelos próximos dois anos. Especialista em Direito Municipal, Pereira foi presidente da Comissão dos Direitos das Pessoas com Deficiência da Ordem dos Advogados de Ribeirão Preto (OAB) e tem como primeiro desafio à frente do Conppac responder às questões levantadas pela Associação Comercial e Industrial de Ribeirão Preto (Acirp), a partir de um dossiê sobre imóveis tombados na cidade. No levantamento produzido pelo corpo técnico da Associação e entregue, no dia 31 de março, ao promotor Wanderley Trindade, responsável pela área de Habitação e Urbanismo do Ministério Público Estadual, foram analisados os 244 patrimônios tombados na cidade. O documento apontou um aumento de 550% na quantidade de imóveis tombados ou em processo de tombamento nos últimos três anos em Ribeirão Preto, em comparação à média dos últimos 37 anos. O relatório também destaca que 34% dos imóveis analisados estão localizados no quadrilátero central de Ribeirão Preto e 36% deles estão em condições consideradas ruins ou regulares. 

Segundo Dorival Balbino, presidente da Acirp, o levantamento ressalta a necessidade de tornar o Conppac um órgão mais transparente em relação às políticas de tombamento na cidade. “Não é aceitável que a sociedade só venha a saber de alguma decisão do Conppac a posteriori. É preciso ter em mente que o tombamento de um imóvel deve ser o primeiro passo para devolvê-lo à sociedade, seja com uso econômico, cultural, de lazer ou educação. Assim, o processo de tombamento deve ser o início de um processo e não o seu fim, que é o que está acontecendo atualmente”, explica o representante da Associação. Ainda segundo o relatório, entre os 244 patrimônios da cidade, apenas 20% têm seu tombamento definitivo, enquanto o restante segue em processo. Balbino ressalta que uma maior transparência sobre os motivos e argumentos para o tombamento de um imóvel tornaria o processo mais legítimo. “Não basta ser legal, tem de ser legítimo. E essa legitimidade é dada a partir do momento em que o cidadão possa saber o que está por trás de uma decisão que pode vir a interferir na sua vida. Nesse sentido, hoje, as decisões do Conppac podem até ser legais, mas estão longe de serem legítimas”. “Uma política de tombamento de imóveis realista e bem implantada pode ser um incentivo extremamente importante para a revitalização de regiões como o Centro de Ribeirão Preto, com o uso pleno desses imóveis, por exemplo, por integrantes de setores como a economia criativa, e, ao mesmo tempo, que incentive a instalação de atividades no período noturno”, destaca Balbino.

NOVA GESTÃO

De acordo com Lucas Gabriel Pereira, presidente do Conppac, é preciso contextualizar os números levantados pela Associação. “A Acirp está no direito deles de fazer o levantamento que entenda ser necessário para seus associados e também em relação ao compromisso que ela tem para com a sociedade ribeirão-pretana. O que temos que entender é os critérios e a metodologia que resultou nestes números. Digo isso pois o Conppac, não faz muito tempo, teve um vácuo de presidência. Por exemplo, a biblioteca Sinhá Junqueira e o Palacete Jorge Lobato foram construídos sem autorização prévia, chegaram ao Conppac já construídos, então foram aprovados pois não teria como impedir, depois de construído”, diz o novo presidente. “Isso aconteceu pois não havia presidente e não estavam tendo reuniões. Esse vácuo gera um acúmulo de trabalho que vai aumentando e se soma aos trabalhos posteriores. Isso afetou o trabalho dos conselheiros no período recente, então temos que levar isso em conta. Solicitei ao Ministério Público, ao promotor encarregado, o acesso ao material que ainda não foi entregue, e me comprometo, assim que tiver acesso ao material, em fazer uma análise e disponibilizar o material aos conselheiros, para que no momento seguinte possamos sentar com a ACI para dialogar”, acrescenta o advogado.

Pereira ressalta que não é benéfico para nenhuma das partes a instauração de um clima de beligerância e animosidade sobre a tutela do patrimônio histórico da cidade. “A classe empresarial de Ribeirão Preto tem seu direito a uma resposta, em tempo hábil e exata, daquilo que está acontecendo até para que tenham segurança jurídica e possam fazer investimentos na cidade”. O advogado também comenta que sua primeira decisão como presidente do Conselho, foi no sentido de garantir a transparência. “A primeira decisão que tomei no conselho, como presidente, foi mudar a forma de composição da ata de reunião. Decidi que todas as palavras do presidente e vice-presidente, devem constar literalmente na ata. E também todas as palavras dos visitantes, que tem direito de participar das reuniões, para garantir o máximo de transparência possível neste momento”.

Sobre sua gestão à frente do Conppac, Lucas Pereira revela que pretende concretizar o Regimento Interno do Conselho e estabelecer o Fundo Patrimonial de Preservação. “O primeiro plano é levar a cabo a concretização e a aprovação final do regimento interno do conselho. Esse documento é de suma importância e irá beneficiar tanto os munícipes como os conselheiros e também os gestores públicos, pois não tendo o regimento interno, Ribeirão Preto não tem o fundo patrimonial, e sem ele não conseguimos auferir verba junto ao poder público seja estadual, federal e até mesmo de organizações internacionais como por exemplo a Unesco, que tem programas voltados para questão do patrimônio histórico”, afirma Pereira. O presidente do Conppac também defende que todo patrimônio histórico da cidade deve cumprir uma função social na sociedade, para ser merecedor da tutela. “Esses imóveis tem para si suas prerrogativas de proteção e seus direitos próprios como patrimônio histórico. Precisamos evitar entregar para as próximas gerações uma série de tombamentos que depois se tornem um espólio impossível de ser gerido, financeiramente e economicamente. Temos que pensar essa questão com cautela e prudência”.

REFERÊNCIA DE IDENTIDADE

Segundo o historiador Sérgio Campos Gonçalves, a preservação do patrimônio histórico e cultural de uma cidade mantém de pé a identidade daquele local. “Temos diversos meios de nos lembrarmos quem somos, uma cidade rica, com caráter de setor terciário da economia, formada a partir dos investimentos do que antes era a lavoura do café, então temos uma história rica que diz respeito a ferrovias, os trilhos de ferro do café, e que na primeira metade do século XX ajudaram a formar a Ribeirão Preto que temos hoje”. Na análise do historiador, as políticas de tombamento de imóveis, apesar de bem estruturadas, encontram dificuldades para serem colocadas em prática. “A questão é se nossas políticas de tombamento e reconhecimento legal de imóveis históricos são efetivas na preservação destes patrimônios. Não é 100% efetiva, eu diria, pois o que consta no papel é bem estruturado, mas ao colocar em prática, temos alguns problemas que envolvem lidar com interesses de mercado e do setor imobiliário, e isso pode intervir na preservação do patrimônio”, diz Gonçalves. O historiador ressalta que o número de imóveis tombados não é necessariamente um problema. “É necessário entendermos que, para o imóvel ser tombado, existe um estudo do ponto de vista histórico e arquitetônico para reconhecer se aquela localidade tem valor histórico e cultural. É uma questão técnica e não política, para se reconhecer o valor histórico e cultural de um imóvel. Quando há um problema já instalado, independe do aumento da quantidade de imóveis tombados”. 

Compartilhar: