Trabalho reconhecido

Trabalho reconhecido

Thais Guaratini recebeu o prêmio “Mulheres na Química 2022” na categoria Líder Industrial por empresa criada nos laboratórios da universidade

Desde menina, a farmacêutica Thais Guaratini, de 43 anos, era muito observadora. Ela imaginava como era criado tudo que existia ao seu redor. Apesar do interesse desde a infância, ela despertou para a ciência depois de entrar na faculdade e começar o programa de iniciação científica. “Nesse período, tive o primeiro contato com a ciência e vivência com cientistas e me encantei com a pesquisa, pelo trabalho do meu orientador na época e, principalmente, pelo amor que ele tinha pela pesquisa e isso foi bem marcante em minha trajetória e uma grande inspiração”, conta. A criança curiosa e jovem encantada pela pesquisa é hoje uma cientista premiada. Formada pela Universidade de São Paulo (USP) de Ribeirão Preto, Thais recebeu o prêmio Mulheres na Química 2022, na categoria Líder Industrial, por conta da empresa Lychnoflora, que nasceu nos laboratórios da universidade. “A Lychnoflora é uma spin-off acadêmico, ou seja, é uma empresa que nasceu dentro da USP e trabalha com soluções inovadoras para as indústrias, oferecendo serviços para setores farmacêuticos, cosméticos, agronegócio entre outros. Atuamos com pesquisa, desenvolvimento e setores de inovação destas empresas, auxiliando no desenvolvimento e na melhoria de produtos, bem como atendendo às demandas regulatórias desses setores”, detalha. 

 


Thais é natural de Jundiaí, mas mora em Ribeirão desde 1997. Formou-se pela Faculdade de Ciências Farmacêuticas de Ribeirão Preto (FCFRP-USP) e fez o mestrado em Fármacos e Medicamentos, voltado para a Cosmetologia, além de doutorado no Instituto de Química na USP de São Paulo, com um projeto que tinha parceria com uma indústria cosmética. “A pesquisa tem várias possibilidades e a que mais me encantava desde o início era poder enxergar a aplicação direta. Essa interação entre a universidade e a empresa me despertou para uma possibilidade da atuação no setor privado enquanto cientista e, então, depois de algumas importantes experiências profissionais em outras empresas, pós-doutorado e interações com universidades no Brasil e na Alemanha, me juntei com outros três colegas e constituímos a Lychnoflora”, relata a cientista.

 


A companhia conta com quatro sócios além de Thais: o professor aposentado pela USP José Norberto Callegari Lopes e as farmacêuticas Elaine Cunha e Fernanda Peres Ferreira, também egressas da universidade. Desde o início da Lychnoflora, os sócios se conveniaram com docentes para as pesquisas e, em seguida, para os serviços prestados. Segundo Thais, essa ponte instituindo um modelo de negócios bem estruturado é vantajosa para todos: empresa, universidade e indústria. “Para a Lychnoflora é interessante pela possibilidade de nos mantermos cientificamente atualizados, pelo acesso a tecnologias de ponta e participação da construção do conhecimento. Para a universidade também, pois retornamos oportunidades de discussões de casos reais e problemas vividos dentro da indústria, dando a oportunidade de uma atualização mercadológica para os alunos em formação”, resume.

 


Além da sua atuação na Lychnoflora, a farmacêutica participa do quadro societário da Heborá, um empreendimento feminino com foco na qualificação de mulheres do campo pela produção e processamento de mel, própolis e cera de abelhas nativas. A empresa nasceu com as irmãs Juliana e Mariana Feres. De acordo com a cientista, Juliana fez um doutorado sobre abelhas e tinha experiência com o manejo e esse olhar com as questões ambientais, sociais e econômicas que são fundamentais para o trabalho com a biodiversidade. “Nossa interação com a Heborá começou com a parceria para o desenvolvimento tecnológico dos subprodutos das abelhas, para incorporar outras possibilidades a esse manejo. A ideia é que, com ciência e tecnologia, seja possível ter maior retorno financeiro, agregando valor aos produtos a serem comercializados, retornando assim às produtoras, em um ciclo positivo para toda a cadeia produtiva. Dessa maneira, estamos desenvolvendo cosméticos e suplementos alimentares com esta tecnologia, além da comercialização do mel das abelhas sem ferrão para a gastronomia e do própolis para a saúde”, explica Thais.


Ela defende que a “parceria” entre abelhas e mulheres é uma combinação perfeita e de muitos anos. Segundo a cientista, historicamente, muitas sociedades que exploravam de forma sustentável as abelhas direcionavam esse cuidado com a produção para as mulheres. “Temos consciência das poucas oportunidades que as mulheres do campo têm atualmente e o fato de trazermos a possibilidade de uma fonte de renda extra através de cursos de formação para o manejo sustentável no próprio quintal delas, compartilhando essa atividade com outras atividades e até com a família, culmina em um engajamento com o ambiente que vivem, com uma mudança de cultura e olhar para o meio ambiente, trazendo inclusive novas perspectivas para essas famílias. Para mim e para minhas sócias na Heborá, esse trabalho vai muito além de desenvolvimento tecnológico e inovação. É um propósito de vida mesmo, na tentativa de retornar à sociedade o conhecimento que tivemos a oportunidade de absorver e construir dentro da universidade pública, de uma forma que seja justa para a sociedade”, conclui.

 

MULHERES NA CIÊNCIA


Thais considera que o prêmio Mulheres Brasileiras na Química 2022 é um reconhecimento não apenas para ela, mas para todo o trabalho desenvolvido em conjunto. Ela comenta que, segundo a Sociedade Americana e a Sociedade Brasileira de Química, a premiação reconhece a profissional que trabalha na indústria química cujas pesquisas e inovações criativas levaram a descobertas que contribuíram para o sucesso comercial e para o bem da comunidade e da sociedade. “Para mim, é um reconhecimento de uma trajetória de vida profissional que foi possível pelo trabalho em conjunto, dos meus sócios e de todos os colaboradores e parceiros que nós já tivemos a oportunidade de trabalhar.  É o reconhecimento de uma construção coletiva.  Gostaria que esse prêmio desse a visibilidade ao trabalho que a gente desenvolve pautado em conhecimento científico. Tanto a Lychnoflora como a Heborá são empresas preocupadas em ter seus produtos e serviços fundamentados na Ciência, é nosso eixo central. Fundamentalmente, somos pesquisadores dentro da cadeia produtiva e, com o reconhecimento através desse prêmio, acredito que possa ficar ainda mais claro esse trabalho que a gente vem fazendo há anos”, ressalta.

 
No entanto, a farmacêutica acredita que os trabalhos de mulheres na ciência precisam ser mais valorizados e que iniciativas como o prêmio ajudam nessa luta. Para ela, um resultado importante da premiação é dar visibilidade e mostrar exemplos de que a mulher deve estar onde ela quiser estar. “Espero que isso desperte ou incentive meninas e mulheres a iniciar ou aprofundar-se na carreira científica e no empreendedorismo, porque eu acredito que, para evoluirmos, precisamos ter diversidade e uma sociedade mais igualitária em todos os sentidos”, afirma. Além disso, Thais argumenta que a desigualdade de gênero ainda marca o contexto da ciência no Brasil. “Apesar da participação feminina na ciência ter aumentado em geral, ainda vemos um ‘efeito tesoura’. Ou seja, há maior participação feminina nos cursos de graduação e pós-graduação, mas, à medida que a carreira avança, ainda somos minoria em posições de liderança e reconhecimento. É preciso que tenhamos uma mudança cultural em toda a sociedade e até transformação de estereótipos para que as meninas de hoje se vejam como cientistas e possam conquistar esse espaço”, defende. 


Luan Porto

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