Tratamento inovador contra o câncer
Objetivo é aprovar o procedimento e disponibilizá-lo no SUS

Tratamento inovador contra o câncer

Inauguração do Núcleo de Terapia Avançada (Nutera) em Ribeirão Preto auxiliará no desenvolvimento da terapia celular CAR-T, altamente eficaz no tratamento de alguns cânceres de sangue

O tratamento mais inovador da Medicina tem um espaço garantido em Ribeirão Preto. O Núcleo de Terapia Avançada (Nutera) foi inaugurado no campus da USP e vai desenvolver uma terapia celular que já se mostrou altamente eficaz no tratamento de alguns tipos de câncer de sangue, como linfoma e leucemia linfoide aguda. O programa é uma iniciativa do Instituto Butantan, da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP), da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (FMRP-USP) e do Hemocentro de Ribeirão Preto, com o apoio do governo do Estado de São Paulo. A inauguração ocorreu no último dia 20, com a presença de diversas autoridades. O principal objetivo do programa de terapia celular é que vai permitir, a médio prazo, levar o recurso mais avançado do mundo contra o câncer para pacientes brasileiros por meio do Sistema Único de Saúde (SUS). As instalações incluem laboratórios de controle de qualidade, salas de criopreservação, salas de produção de vírus, salas limpas de produção de células CAR-T (sigla em inglês para receptor quimérico de antígeno), salas de preparo de meios e soluções e áreas destinadas ao armazenamento do produto final e dos insumos em tanques criogênicos. A terapia celular CAR-T foi desenvolvida no Centro de Terapia Celular (CTC) da FMRP-USP. O primeiro voluntário, que recebeu o tratamento experimental há dois anos, alcançou a remissão total de um linfoma em estágio terminal. Outros pacientes que optaram pelo tratamento também tiveram remissão, informou o Governo do Estado.


Segundo o diretor científico do Hemocentro de Ribeirão Preto e docente da FMRP-USP, Rodrigo Calado, o núcleo é o resultado de anos de investimento em pesquisa científica e em pessoas, tanto pesquisadores quanto médicos, na área de terapia celular. O laboratório poderá criar um novo polo de biotecnologia na cidade, com relevância internacional. “O Nutera permitirá a produção de células para diversas terapias celulares, tanto contra o câncer quanto terapias genéticas de correção de doenças hereditárias e outras terapias celulares. Essa produção é pretendida para oferecer tratamento eficaz para pacientes do SUS com qualidade”, explica. Calado detalha que as pesquisas desenvolvidas até agora permitiram o desenvolvimento de diferentes terapias celulares, como as células CAR-T e células-tronco modificadas para o tratamento de doenças hematológicas. “Há uma série de novas células e processos em desenvolvimento com parceria de pesquisadores de diversos centros do mundo”, ressalta.


Esse tratamento só existia fora do Brasil ou em escala experimental. Mas, a partir de agora, duas unidades de produção foram instaladas no estado: além do Nutera, também foi inaugurado o Núcleo de Terapia Celular Avançada (Nucel), na capital paulista. A tecnologia desenvolvida nos laboratórios tem como alvo os cânceres no sangue. De acordo com o Instituto Butantan, a CAR-T “reprograma” as células de defesa do paciente para que elas identifiquem e eliminem o câncer. A terapia, que foi desenvolvida no Centro de Terapia Celular (CTC) de Ribeirão Preto, já foi testada de forma compassiva, quando o paciente esgota as opções de tratamento e não obtém resultado. A partir de agora, começa a fase 1 do estudo clínico, que será submetido à Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e deverá começar em outubro com 30 pacientes com linfoma não Hodgkin de células B. Se for considerada segura, a terapia seguirá para as fases 2 e 3 em um número maior de voluntários. As estruturas de Ribeirão Preto e a da cidade de São Paulo farão a ponte entre o conhecimento científico e a disponibilização de uma terapia para a população em geral e têm capacidade para atender até 300 pessoas por ano, segundo o Governo do Estado. 

O prefeito Duarte Nogueira e o governador Rodrigo Garcia participaram da inauguração do Nutera

ENTENDA A TERAPIA


De acordo com o Butantan, a terapia celular CAR-T se inicia no hospital, no processo de leucaférese, que é a coleta do sangue do paciente para o isolamento das células T – uma das células de defesa do organismo ou linfócito. No laboratório, após passarem por um processo de ativação, essas células são geneticamente modificadas por meio de um lentivírus, um organismo reprogramado que é capaz de se associar à célula humana e combinar seus materiais genéticos. Com a nova informação genética associada a elas, as células T se tornam CAR-T e passam a expressar receptores de antígenos quiméricos específicos, que reconhecem as células tumorais singulares ao caso do paciente. As células do sistema imune são ativadas em laboratório e, uma vez no organismo do paciente, elas se multiplicam e vão destruir o tumor. Todo esse processo, desde a coleta, modificação das células e aplicação no paciente, pode durar em torno de 60 dias. Além disso, o instituto informa que as vantagens dessa terapia são a redução do uso de remédios para a dor, a diminuição da necessidade de sessões de quimioterapia, a possibilidade de remissão total ou parcial do câncer e a produção nacional para permitir a inclusão no SUS.


A estudante de Ciências Contábeis Aline Luiz Oliveira, de 25 anos, é uma das sete pessoas que já foram tratadas no Brasil com as células CAR-T. De início, a universitária não achou que a terapia daria certo. No entanto, após nove meses de quimioterapia, o tratamento com as células geneticamente modificadas não causou queda de cabelo, nem enjoos e não trouxe sofrimento. Algumas semanas mais tarde, sumiram as dores debilitantes nas pernas, o principal sintoma da leucemia linfoide aguda tipo B. “Quando vi que minhas dores não estavam acontecendo mais, quando soube que as células CAR-T estavam dominando meu corpo, fui me animando”, recorda Aline. Segundo o Butantan, a jovem ainda não pode ser considerada curada do câncer, pois, para a medicina, isso só acontece depois de 15 anos de remissão. Mas, na prática, foi isso que aconteceu. Aline passou pela infusão com células CAR-T em fevereiro de 2021, ao receber o diagnóstico de remissão após passar por um transplante de medula. “É um grande avanço. Já estou desde 2019 fazendo tratamento. Conheci muitas pessoas que faleceram e não tiveram a mesma oportunidade que eu tive. Por todas essas pessoas, e pelas outras que estão vindo, é muito bom saber que todo mundo vai ter acesso”, comemora Aline. O tratamento da estudante foi realizado no Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (HCFMRP), a cargo do médico Renato Cunha e sua equipe. Com pouco mais de um ano após a infusão das células, Aline continua em remissão, e faz acompanhamento mensal na cidade, ressalta o instituto.

POLO DE SAÚDE

Dimas Covas afirma que a entrega do novo centro completa a iniciativa de criação de um polo moderno de tratamento inovador contra o câncer
O presidente do Instituto Butantan e diretor-presidente da Fundação Hemocentro de Ribeirão Preto, Dimas Covas, afirma que a entrega do novo centro completa a iniciativa de criação de um polo moderno de tratamento inovador contra o câncer do sangue e, futuramente, contra outros tipos de doenças oncológicas. No dia da inauguração do Nutera, Covas enalteceu a iniciativa. “Hoje, nós colocamos o pé na modernidade, nós colocamos o pé no universo da terapia que vai salvar milhares e milhares de pessoas. Um dia para ficar guardado para sempre”, comentou. O governador do Estado, Rodrigo Garcia (PSDB), esteve presente no evento. “É um dia muito importante para Ribeirão Preto e para a saúde pública. A entrega oficial desse laboratório mostra que o investimento em pesquisa vale a pena e São Paulo sempre investiu em ciência, pesquisa e conhecimento para que possamos investir em novas terapias, medicamentos e enfrentar as doenças modernas”, comemorou. Ao lado do governador, o prefeito Duarte Nogueira (PSDB) também participou da inauguração do Nutera. * Com informações do Instituto Butantan, Governo do Estado de São Paulo e Prefeitura de Ribeirão Preto. 


Foto: Guilherme Sircili

Compartilhar: