Em níveis considerados ruins, qualidade do ar em Ribeirão Preto segue como um problema recorrente
Setores que mais contribuem para emissões de gases de efeito estufa são desmatamento, queimadas e agropecuária, características sistemáticas da região
Desde o último dia 2 de setembro, a qualidade do ar em Ribeirão Preto segue considerada “muito ruim”, dentro dos parâmetros de quantidade de partículas suspensas, no monitoramento feito pela Companhia Ambiental do Estado de São Paulo (Cetesb). Uma névoa seca pode ser vista sobre a cidade — situação agravada pela fumaça de novas queimadas na região —, e nestas condições os cuidados com a saúde devem ser redobrados, principalmente em grupos sensíveis como crianças, idosos e pessoas com doenças respiratórias e cardíacas. A consequência para a população pode ser o agravamento de sintomas como tosse seca, cansaço, ardor nos olhos, nariz e garganta e ainda falta de ar e respiração ofegante. Na manhã de quinta-feira, 5 de setembro, o informativo de condições meteorológicas para as próximas 24 horas, no site da Cetesb, apontava situação desfavorável à dispersão dos poluentes: dióxido de enxofre, partículas inaláveis, partículas inaláveis finas, dióxido de nitrogênio, monóxido de carbono e ozônio. A atuação de uma massa de ar quente e seco deixava pouca nebulosidade e ventos variáveis de fraco a moderado, com períodos de calmaria e inversão térmica em baixos níveis da atmosfera durante a noite e madrugada, criando uma situação de qualidade do ar mantida entre moderada e ruim, podendo atingir a qualidade muito ruim.
“Para melhorar a qualidade do ar, somente com chuva”, aponta Otávio Okano, gerente da agência ambiental de Ribeirão Preto. “A situação permanece a mesma, com as queimadas e falta de chuva. No mês de julho deu uma melhorada quando choveu, mas no último mês, principalmente de 20 de agosto para cá, quando tivemos essas queimadas enormes, a qualidade do ar voltou a piorar e continua ruim até a data de hoje”, explica Okano.
Segundo a Climatempo, pelos próximos 15 dias não há previsão de chuva. O predomínio de uma massa de ar quente e seco e a onda de calor mantêm o mesmo padrão de tempo dos últimos dias sobre a região de Ribeirão Preto, com umidade do ar em alerta e alto risco de incêndios em função do calor, dos ventos e do tempo seco. Na última quarta-feira, dia 4 de setembro, às 15h, a umidade relativa do ar chegou a 14% no município, segundo dados divulgados pela Cetesb. No mesmo horário, os termômetros marcaram 37°C.
De acordo com a escala da Organização Mundial da Saúde (OMS), é considerado estado de alerta quando o índice de umidade relativa do ar está entre 12% e 20%. Se o índice ficar abaixo de 12%, é decretado estado de emergência. Acima de 30%, a situação está normalizada, entretanto, a OMS aponta que índices inferiores a 60% não são adequados para a saúde humana. A recomendação sob estas condições é que a população evite exercícios físicos ao ar livre entre 10h e 16h, umidifique o ambiente com vaporizadores, toalhas molhadas ou recipientes com água, permaneça em locais protegidos do sol, consuma água a vontade e use soro fisiológico nos olhos e narinas.
ATÉ QUANDO?
O cenário árido vivido em Ribeirão Preto principalmente entre os meses de julho a outubro, não é uma novidade. “Isso ocorre por ser uma época seca e a região de Ribeirão Preto ser rodeada pela cultura da cana-de-açúcar, que tem sua colheita neste período. Quando há ocorrência de ventos, principalmente nos meses de agosto e setembro, acontece o carreamento do material particulado da terra para a cidade, ocasionando essa qualidade ruim”, explica Okano.
Outro fator que contribui com este cenário é a circulação de veículos. “Há muita emissão de material particulado grosseiro, em função da queima de combustível, e muitos carros ainda não tem catalisador, que reduz essa emissão; além disso, há a ressuspensão de material particulado disposto nos leitos carroçáveis. Tudo isso impacta muito na qualidade do ar ruim na nossa cidade, e o que mais nos preocupa é a inalação de partículas finas, que podem causar doenças respiratórias”, ressalta o gerente da Cetesb-RP.
Para a professora do Departamento de Química da FFCLRP-USP, Lúcia Campos, a solução passa por políticas públicas efetivas para inibição das queimadas, que considerem fiscalização e punição exemplar, pois praticamente a totalidade dos incêndios são causados de forma intencional, isto é, de forma criminosa. “No Brasil, os setores que mais contribuem para as emissões de gases de efeito estufa são o desmatamento (queimadas) e a agropecuária. Portanto, aqui na nossa região, nós estamos contribuindo sistematicamente para aumentar a emissão desses gases, provocando um grande número de queimadas e, assim, contribuindo também com as mudanças do clima”, alerta.
Além dos efeitos imediatos à saúde humana, devido a péssima qualidade do ar, Lúcia também alerta para os efeitos à vegetação e à fauna e, a longo prazo, a contribuição para o aumento dos casos de câncer, sem falar na atmosfera ainda mais quente. “A grande quantidade de carbono estocada nas árvores é liberada durante a queima, na forma de gás carbônico e metano, que são os gases mais relevantes em termos de aquecimento global. Essa nossa contribuição para um crescente aquecimento global, infelizmente, retornará para nós mesmos, na forma de eventos climáticos extremos, incluindo as grandes secas na nossa região”, explica.
Está claro, aponta a professora, que as mudanças climáticas deixaram de ser uma previsão de futuro, desacreditada por muitos, para se tornarem uma infeliz realidade, vivenciada no presente. “O cenário nos mostra a importância de uma ação conjunta, que envolve a conscientização de cada indivíduo e a atuação efetiva de todas as esferas do poder público. Precisamos de resposta rápida e eficaz no combate aos focos de incêndio; educação nas escolas, para que nossas crianças e jovens compreendam seu papel como mantenedores do meio ambiente; esclarecimento da população, por meio de campanhas, com relação a ações preventivas para evitar a destruição dos ecossistemas; e que todos diminuam seu volume de lixo e reciclem de forma correta. É imprescindível, claro, que haja a coleta e destinação correta por parte da administração local. Como disse Mikhail Gorbachev: “A natureza achará uma solução para a poluição causada pela civilização. A questão que permanece é se os seres humanos estão incluídos ou não”, conclui a professora.
RISCOS À SAÚDE
O “dia do fogo”, ocorrido no dia 24 de agosto, quando uma série de focos de incêndio fez com que Ribeirão Preto fosse encoberta por uma densa camada de fumaça e poeira podem acarretar em graves problemas de saúde, dependendo do tempo de exposição e de condições individuais. Segundo Andrea de Cássia Verner Antunes Cetlin, docente e médica do Departamento de Clínica Médica da Divisão de Pneumologista da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, esse tipo de exposição excessiva à fumaça, mesmo que periódicas associadas à baixa umidade do ar, causam desidratação das vias aéreas levando a irritação e comprometendo as funções deste sistema, “nos deixando mais predispostos a infecções, por exemplo”.
A especialista alerta que as pessoas que mais sofrem ou que apresentam uma forma mais grave de sintomas, são as crianças, os idosos e os pacientes portadores de doenças respiratórias, como rinite alérgica, asma, A Doença Pulmonar Obstrutiva Crônica (DPOC) e fibrose cística. “Mas todos nós somos susceptíveis a ocorrência de sintomas. Exposições intensas e sem a proteção adequada com inalação de fumaça podem levar a queimaduras nas vias aéreas e a intoxicação por monóxido de carbono, quadros potencialmente letais, portanto a primeira recomendação é se afastar deste local”, adverte.
Por isso, no dia 24 de agosto, diante de todo o cenário, a Divisão de Pneumologia do Hospital das Clínicas de Ribeirão Preto se mobilizou e publicou recomendações, como a suspensão de práticas de atividades físicas ao ar livre, a recomendação do uso da máscara PFF2/N95 e, se possível, realizar a lavagem de olhos e nariz com soro fisiológico. Além da busca por atendimento em caso de falta de ar, chiado no peito, tonturas e dor de cabeça após contato com a fumaça.
A especialista ressalta que para entender os potenciais danos à saúde é preciso compreender do que essa névoa que encobre a cidade é formada. “Essa poeira é formada pelas partículas presentes no solo, como a própria terra, microrganismos e pelas partículas presentes no nosso ar”. Um estudo realizado pela equipe da professora Maria Lúcia Arruda de Moura Campos (FFCLRP-USP) detectou diferentes tamanhos de partículas trazidas pelo ar. As maiores são retidas externamente na pele, olhos e em via aérea superior, causando sintomas mais irritativos como vermelhidão na pele e nos olhos, espirros, irritação na garganta, rouquidão e tosse. Já as pequenas partículas são inaladas e chegam aos pulmões levando a sintomas como tosse, chiado no peito, falta de ar e, por carregar microrganismos como bactérias, vírus, fungos, são descritas também associações com infecções respiratórias.
“Entretanto, é equivocado pensar que a poluição do ar se associa apenas a problemas respiratórios. A longo prazo, o impacto desta exposição não é totalmente conhecido, mas temos cada vez mais evidências de seus potenciais danos à saúde. Sabe-se que as partículas ainda menores chegam aos pulmões e são capazes de entrar na corrente sanguínea. Há muitos anos a exposição à poluição ambiental vem sendo estudada no mundo e estudos epidemiológicos a associam a vários problemas de saúde”, conclui Andrea.
Foto: Luan Porto