Sem horizonte: consequências das queimadas recorrentes vão além do ar cinza na região
Duas mortes e 66 feridos em decorrência dos incêndios foram registrados no Estado de São Paulo

Sem horizonte: consequências das queimadas recorrentes vão além do ar cinza na região

Os focos de incêndio em Ribeirão Preto e arredores aumentaram 20% em relação ao mesmo período do ano passado, somando 576 ocorrências

Afumaça já se tornou parte da rotina dos moradores de Ribeirão Preto. As queimadas na região e em várias partes do país atingiram proporções alarmantes, com sérias consequências para o meio ambiente e a saúde da população. Os focos de incêndio em Ribeirão Preto e arredores aumentaram 20% em relação ao mesmo período do ano passado, somando 576 ocorrências, conforme dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE). Em 2023, haviam sido registrados 480 focos até o início de setembro, mas a situação atual é ainda mais grave.

 

Basta abrir a janela para notar a ausência do horizonte. A crise de saúde pública é evidente. Nesta semana, as unidades de saúde de Ribeirão Preto registraram um aumento de 35% nos atendimentos de pacientes com problemas respiratórios em comparação ao mesmo período de 2023, segundo a Secretaria Municipal de Saúde. Mais de 900 pessoas procuraram assistência médica com sintomas como tosse, falta de ar e irritação nos olhos, agravados pela inalação de fumaça, somente na rede pública. Até o momento, o Estado registrou duas mortes e 66 feridos em decorrência das chamas.

 

O prefeito de Ribeirão Preto, Duarte Nogueira (PSDB), expressou grande preocupação com o agravamento das queimadas e suas repercussões. “Estamos vivendo uma situação de calamidade. Precisamos que todos se conscientizem da gravidade deste problema e ajudem a evitar as queimadas. O impacto na saúde pública e no meio ambiente é devastador”, afirmou. A situação levou as autoridades policiais a intensificar operações e a fiscalização. Até o fechamento desta matéria, 17 pessoas haviam sido identificadas como suspeitas de provocar incêndios na região, seis das quais foram presas. “Essas ações criminosas não serão toleradas. Estamos determinados a encontrar e punir os responsáveis. Queimar é um ato que destrói a natureza e afeta diretamente a saúde e segurança da nossa comunidade”, declarou o delegado Jorge Cury Amaro Neto, coordenador das investigações. Ele é o titular do Departamento de Polícia Judiciária Interior 3 (Deinter 3), que abrange 93 cidades da região.

 

Em nota, a Secretaria de Segurança Pública informou que 13 pessoas foram presas entre os dias 23 de agosto e 4 de setembro no Estado de São Paulo, suspeitas de envolvimento em incêndios que atingiram 150 cidades. Na terça- -feira, 3 de setembro, Julio Cesar dos Santos, de 50 anos, foi preso por atear fogo em um terreno de mata nativa na área rural de Batatais. Segundo o boletim de ocorrência, os agentes da Guarda Civil Municipal encontraram um galão de combustível e um isqueiro com o suspeito, que foi preso em flagrante. Esta foi a terceira prisão em Batatais. Em todos os casos, as prisões em flagrante foram convertidas em preventivas, e os suspeitos permanecem detidos. Segundo a Organização de Associações de Produtores de Cana do Brasil (Orplana), os prejuízos para o setor agrícola já ultrapassam os R$ 500 milhões. “Houve uma redução de 50% na produtividade, principalmente pela perda de biomassa que foi queimada. Isso já está impactando diretamente os preços do etanol e do açúcar e prejudicando os canaviais para o próximo ciclo”, afirmou a Orplana em nota.

 

A Defesa Civil de Ribeirão Preto está em alerta máximo, monitorando a situação e orientando a população. “A qualidade do ar atingiu níveis críticos, e pedimos que as pessoas evitem atividades ao ar livre. A situação é grave, e precisamos da colaboração de todos para minimizar os impactos das queimadas”, alertou Stélio Manuel Correa da Fonseca, coordenador da Defesa Civil. Com os incêndios em níveis recordes no interior de São Paulo, Ribeirão Preto está no epicentro de uma crise que afeta diretamente o bem-estar da população e a sustentabilidade ambiental. A resposta das autoridades e da comunidade será crucial para superar esse desafio e evitar danos ainda maiores.

 

DANOS PERMANENTES

 

Médicos alertam que a exposição prolongada a esse ar de má qualidade pode causar danos permanentes à saúde, especialmente em crianças, idosos e pessoas com doenças CAPA respiratórias crônicas. A médica pneumologista pediátrica Marina Corvello explica que "a inalação prolongada de poluentes funciona como gatilho para doenças pulmonares, tanto crônicas quanto agudas. O ar seco e poluído irrita tanto o trato respiratório superior, como o nariz e a faringe, quanto o inferior, incluindo os pulmões". Portadores de doenças respiratórias crônicas, como a asma, são os mais afetados, sendo responsáveis por um número significativo de internações. “Os pacientes asmáticos estão sofrendo com o agravamento da condição, o que resulta em aumento nas internações”, afirma a especialista. Além disso, doenças como rinite e sinusite também têm se exacerbado em muitos pacientes.

 

Marina Corvello sugere medidas preventivas para amenizar os efeitos desse cenário adverso: limpeza e hidratação das narinas com soro fisiológico, aumento da ingestão de líquidos e adesão contínua ao tratamento de doenças respiratórias com uso regular de medicações prescritas. Ela também recomenda elevar a umidade do ar em casa com bacias de água ou toalhas úmidas e evitar atividades físicas durante as horas mais quentes do dia.

 

A previsão para os próximos dias indica a continuidade de um clima extremamente seco e quente. Segundo o Climatempo, as temperaturas podem atingir 37°C, com umidade relativa do ar em torno de 11%, o que agravará ainda mais as condições ambientais e o risco de no vos focos de queimadas. Esses fatores reforçam a necessidade de precauções adicionais para mitigar os efeitos nocivos do ar seco e poluído.

 

ANIMAIS RESGATADOS

 

Nesta semana, um filhote de onça-parda foi resgatado após ser atropelado enquanto fugia de um incêndio na região de São Joaquim da Barra. Com fraturas e cortes profundos, o animal foi inicialmente levado ao Zoológico de Guaíra, onde recebeu os primeiros cuidados, e depois transferido para o Centro de Triagem e Reabilitação de Animais Silvestres (Cetras) de Ribeirão Preto. Com poucas chances de retorno ao ambiente natural, o filhote, chamado de Benedito pela equipe veterinária, segue em tratamento intensivo.

Os incêndios florestais que atingem o interior de São Paulo desde o dia 22 de agosto têm provocado a fuga desesperada de animais silvestres, muitos dos quais acabam feridos ou mortos. Para lidar com a situação, o governo estadual montou uma rede de atendimento com 26 unidades preparadas para receber animais resgatados. Além de queimaduras, muitos desses animais são atropelados ao tentar escapar do fogo.

 

De acordo com o governo estadual, 47 animais foram socorridos, dos quais 31 estão em recuperação e 16 não resistiram. Em Ribeirão Preto, o Cetras, localizado no Bosque Zoológico Municipal Doutor Fábio Barreto, acolheu 18 animais desde o dia 24 de agosto, incluindo um tamanduá-bandeira de Santa Rita do Passa Quatro, que morreu na quinta-feira, e seis filhotes de gambá resgatados pela Polícia Ambiental, que já chegaram no bosque sem vida. Cinco animais continuam sob cuidados intensivos no ambulatório e na quarentena: um tamanduá-bandeira, um tamanduá-mirim, um macaco-prego, uma onça suçuarana e uma paca. Como parte do processo de reabilitação, um lagarto papa-vento e uma falsa coral já foram devolvidos ao habitat natural. 


Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

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