Comunidade libanesa que vive em Ribeirão Preto comenta sobre os conflitos recentes no Oriente Médio
Foto: Paulo Pinto - Agência Brasil

Comunidade libanesa que vive em Ribeirão Preto comenta sobre os conflitos recentes no Oriente Médio

Conflito entre Israel e Hezbollah atinge país que tem comunidade expressiva no Brasil; cessar-fogo parece distante

Mais de 10 mil km separam a empresária Fida Aude da sua terra natal. Apesar disso, a empresária de origem libanesa acompanha de perto os bombardeios israelenses, que assustam os mais de 5 milhões de moradores do Líbano. “Minha tia mora ao norte do país, região que ainda não foi invadida, mas há uma tensão muito grande. Acompanhamos as notícias com dor no coração”, explica Aude, que mora em Ribeirão Preto. Ela faz parte do grupo de quase 10 milhões de libaneses e descendentes que vivem no Brasil, segundo o Ministério das Relações Exteriores.

 

O cenário de violência no Líbano é agravado pelos constantes confrontos entre o Hezbollah – grupo político e militar que domina grande parte do sul do país – e Israel. Nos últimos meses, as tensões aumentaram consideravelmente, com ataques aéreos e bombardeios cruzando fronteiras, destruindo vilarejos e deslocando famílias inteiras. “Por ser um país relativamente pequeno, é possível ouvir os bombardeios à noite, mesmo em áreas ainda não invadidas”, conta Fida.

A professora de Relações Internacionais Camilla Silva Geraldello enfatiza que a raiz desses conflitos remonta à criação do Estado de Israel, no fim da Segunda Guerra Mundial. “A relação de Israel com os países da região sempre foi frágil”, observa. A situação se agrava pela presença de dois grandes apoiadores do Hezbollah – Irã e Síria –, que resistem à influência dos Estados Unidos na região, aumentando a possibilidade de uma escalada ainda maior do conflito.

 

Desde o início de 2024, as fronteiras entre Líbano e Israel tornaram-se palco de novos confrontos armados. Áreas no sul libanês foram fortemente atingidas por bombardeios israelenses, enquanto o Hezbollah retaliou com o lançamento de mísseis. O saldo desses embates é trágico: além da destruição da infraestrutura, o número de civis mortos e feridos cresce diariamente. “Infelizmente, os jornais têm noticiado atos que contrariam o Direito Internacional Humanitário, pois civis estão sendo mortos e a infraestrutura civil está sendo atingida”, lamenta o professor universitário Danilo Garnica Simini, especialista em Direitos Humanos.

 

A brutalidade das ações em ambos os lados gera revolta, e a possibilidade de uma paz duradoura parece cada vez mais distante. “Pedimos diariamente por uma solução, para que nossos amigos e familiares fiquem em paz, mas temos consciência da complexidade da situação por lá”, comenta Vera Helena Scaff, que presidiu o clube Sírio Libanês de Ribeirão Preto.

 

NOVA DIÁSPORA

 

Até o fechamento desta reportagem, 1.105 pessoas e 14 pets (dez gatos e quatro cães) já haviam desembarcado no Brasil de cinco voos providenciados pelo Governo Federal. Foram enviados ao Líbano mais de 43 toneladas de alimentos e produtos de higiene, segundo o próprio governo. A previsão era de que pelo menos mais dois voos resgatassem cerca de 400 pessoas até o final desta semana. “Um casal de amigos chegou recentemente a São Paulo em um desses voos. Eles me disseram que foi um pesadelo. Perderam tudo, tiveram a casa destruída e precisaram deixar os parentes lá. Muito triste!”, conta Vera.

Internamente, o Líbano enfrenta outra grande crise: o país está sem um presidente eleito desde 2022. As tentativas de formar um governo estável fracassaram, o que dificulta a gestão do país em um momento crítico. “Por exemplo, o governo interino não pode nomear embaixadores ou estabelecer novas relações diplomáticas”, explica Camilla. Esse vazio de poder fragiliza ainda mais o Líbano, que já lida com desafios econômicos e sociais profundos, além de ser diretamente afetado pelos conflitos na região. “Nasci no Líbano e vim para o Brasil quando tinha 7 anos. Desde então, voltei algumas vezes para visitar a família e é absolutamente triste ver como o país é lindo, mas entrou em colapso político”, conta Mariana Jábali, atual presidente do Fundo Social de Solidariedade de Ribeirão Preto.

 

A médica cardiologista Isabela Cabello Abouchedid nasceu em Ribeirão Preto, mas é neta de libaneses e conta que tem muitos primos no país. “Quando o conflito começou, nós ficamos bem preocupados e passamos a nos comunicar diariamente. Eu torço para que Israel pare de bombardear o Líbano e o Hezbollah pare de alimentar o conflito também, de provocar”, comenta. “Quem mais sofre são os civis, nossos familiares”.

Para além dos impactos locais, as consequências do conflito entre Hezbollah e Israel ecoam pelo mundo. A instabilidade no Oriente Médio afeta o preço do petróleo, interfere nas rotas comerciais globais e, acima de tudo, gera um fluxo contínuo de refugiados em busca de segurança. “Um conflito no Oriente Médio pode afetar o mundo de várias formas, como aumento no preço do barril de petróleo e alto fluxo de refugiados”, lembra a professora Camilla.

 

IMPASSE INTERNACIONAL

 

A relação entre Brasil e Líbano vai muito além da questão humanitária. Com uma forte diáspora libanesa no Brasil, os laços culturais e sociais entre os dois países são profundos. Em tempos de crise, a solidariedade da comunidade libanesa no Brasil é uma constante, como demonstra o relato de Fida Aude, que acompanha aflita a situação. “A tensão está em todo o país. Embora o norte ainda não tenha sido diretamente atingido, ninguém está seguro. A qualquer momento, a situação pode mudar”, desabafa.

 

No entanto, o conflito atual não é apenas uma questão local. A ONU, que há décadas tenta mediar a situação no Oriente Médio, enfrenta bloqueios frequentes por parte dos Estados Unidos. Como explica Geraldello, “as resoluções que poderiam gerar soluções concretas foram vetadas pelos Estados Unidos de forma sistemática”. Esse impasse internacional agrava a situação no Líbano, onde as forças políticas locais são incapazes de encontrar uma solução pacífica. Sem apoio internacional efetivo, o conflito tende a se prolongar, alimentado por rivalidades históricas e interesses geopolíticos complexos.

 

O Hezbollah, por sua vez, continua sendo uma força central tanto na política libanesa quanto na arena militar. O grupo recebe apoio do Irã, que vê no Hezbollah um aliado crucial para manter sua influência na região, e da Síria, cujo governo de Bashar al-Assad enfrenta sua própria guerra civil há mais de uma década. “Esses pontos de resistência ao poder e influência dos Estados Unidos na região podem intensificar o conflito entre Israel e Hezbollah”, pontua Camilla. A guerra na Síria e as tensões com o Irã, portanto, são elementos-chave que complicam ainda mais a situação libanesa.

 

Apesar de todos esses desafios, o Brasil mantém uma postura diplomática cautelosa e humanitária. A legislação brasileira, como lembra Simini, “reconhece como refugiado todo indivíduo que deixa seu país de origem em razão de uma grave e generalizada violação de direitos humanos”. Isso significa que o Brasil está preparado para receber refugiados libaneses, seguindo os preceitos da Constituição de 1988, que coloca a prevalência dos direitos humanos no centro de sua política externa.

Diante de um futuro incerto, a comunidade internacional ainda busca caminhos para uma solução. “A ONU tem procurado estabelecer mecanismos mais eficazes de atuação em conflitos civis e genocídios”, afirma Geraldello, mas a realidade é que, sem o apoio de potências como os Estados Unidos, esses mecanismos dificilmente têm impacto real. Enquanto isso, o Líbano permanece em um estado de tensão constante, lutando para se manter de pé em meio ao caos. Como conclui o professor Danilo, “a comunidade internacional não pode adotar uma postura de omissão diante de tais acontecimentos”.

 

No Brasil, onde milhares de libaneses vivem e mantêm suas raízes culturais, a esperança por um desfecho pacífico é acompanhada pela dor de verem a terra natal devastada pelo conflito. Para muitos, como Fida, Mariana, Vera e Isabela, resta apenas o alívio momentâneo de saber que seus entes queridos estão seguros, ao menos por enquanto. Mas, como todos afirmam, no Líbano a paz é sempre incerta e fugaz.

Compartilhar: