Cannabis medicinal para pets
A veterinária Renatha Almeida de Araújo durante o tratamento da Juju: animal tem câncer e apresenta melhora com a terapia canabi

Cannabis medicinal para pets

Terapia canabinoide é esperança para trazer mais qualidade de vida para animais com graves problemas de saúde, como câncer e epilepsia

Matéria publicada na edição 1106 da revista Revide.

O uso da cannabis medicinal em humanos foi regulamentado no Brasil pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) em 2019. Desde então, a medicina e a ciência têm visto os diversos proporcionados pelo tratamento com a erva. Os avanços são tantos que agora está disponível a terapia canabinoide para pets, como câncer e epilepsia, encontram na planta um recurso terapêutico que traz mais qualidade de vida.

É o caso do casal de empresários Cristiane Sitta Candeloro Pedroso de Moraes, e Rafael Candeloro Pedroso de Moraes. Eles têm 18 animais adotados e buscaram o tratamento inicialmente para a cadela Juju, que tem 15 anos e tem câncer. “Descobrimos nela uma massa próxima ao pulmão e ao coração e, pela idade, é muito complicado pensar em cirurgia ou algum procedimento invasivo. A veterinária nos passou o contato de outra profissional para conseguirmos dar qualidade de vida para a Juju através da terapia canabinoide. Ela já está andando, baba menos, aumentou o apetite e diminuiu a dor. Está bem mais animada”, contam.

Vendo o sucesso com a Juju logo nos primeiros dias, o casal decidiu tratar mais dois cachorros que também tiveram tumores. Toreto, de 10 anos, teve um tumor e passou por um procedimento cirúrgico há um ano. Depois, iniciou a quimioterapia, mas a medicação não fez bem para ele e foi preciso parar.

Já Shirra, de 4 anos, apesar de nova, também teve um tumor e passou por quimioterapia, mas ficou com uma massa calcificada e, com o tratamento à base de cannabis, o casal espera garantir qualidade de vida e evitar a reincidência do tumor. Cristiane e Rafael explicam que buscaram muitas informações antes de começar o tratamento com os cães. 

A médica veterinária, terapeuta canabinoide e doutoranda pela Universidade Estadual Paulista (Unesp), Renatha Almeida de Araújo, é quem faz o tratamento com os cães dos empresários. De acordo com ela, a terapia feita com cannabis em pets é promissora.

“Todos os animais, sejam humanos ou não, apresentam o sistema endocanabinoide. Em animais mais desenvolvidos, esse sistema vai regular apetite, digestão, balanço energético, ritmo circadiano, padrão de sono, status imune, resposta inflamatória, resposta à dor entre outras funções. E é aí que entra a terapia canabinoide, porque nem sempre um organismo em desequilíbrio vai conseguir produzir endocanabinoides em quantidades suficientes para se autorregular. Quando você traz esse canabinoide externo, no caso os fitocanabinoides presentes na planta da cannabis, você regula esse sistema e consegue resultado no equilíbrio de vários sistemas”, esclarece.

Segundo Renatha, na medicina humana já existem muitas doenças que podem ser tratadas com a terapia canabinoide, o que a faz presumir que na medicina veterinária ainda exista um campo a ser explorado.

“Atualmente, o que tem descrito para animais é o tratamento de câncer, epilepsia – principalmente a de difícil controle –, dor crônica, dor neuropática, disfunção neurológica e cognitiva, lesão medular, quadro inflamatório recorrente, síndromes inflamatórias, para aceleração de cicatrização pós-cirúrgico e para doença respiratória. Pacientes geriátricos também se beneficiam muito da utilização do óleo de cannabis, porque em geral têm muitas comorbidades e é possível um resultado em vários sistemas ao mesmo tempo, com um medicamento que produz uma quantidade mínima de efeito colateral”, ressalta”, descreve a especialista.

Não há uma dose específica do óleo à base de cannabis para cada pet, o que existe é um parâmetro e a dose será determinada pela sensibilidade do paciente e também pelo tamanho, pela patologia que ele tem e sua condição corporal. “Estabelecemos essa dose aos poucos, para observar as reações do animal. Então, é importante que o tutor esteja muito atento, faça um diário desse paciente, das alterações que ele observa, para que a gente consiga resposta com o mínimo de efeito colateral”, alerta a veterinária.

O casal Rafael e Cristiane comemora os resultados que o tratamento com remédio à base de cannabis

Fiscalização

Apesar dos benefícios comprovados, a terapia canabinoide ainda é um tabu no País. “O Brasil ainda engatinha em termos de regulamentação do uso da cannabis medicinal, faltam muitos passos a serem dados. Então, é muito importante que o veterinário faça um trabalho de educação e conscientização com a família de tutores, que ele mostre resultados e traga aos tutores informação com base científica, mostrando experiências e relatos de casos publicados e embasados, para que cada vez mais pessoas conheçam e se interessem pela terapia e para que a gente diminua o preconceito, pois a cannabis é uma planta curativa e milenar”, finaliza a médica veterinária.

Uma resolução da Anvisa veta a prescrição veterinária do tratamento, no entanto, a profissão é regulamentada pelo Ministério da Agricultura e fiscalizada pelo Conselho Federal de Medicina Veterinária (CFMV). Assim, uma brecha legal acaba permitindo a terapia canabinoide em animais, pois o Código de Ética dos veterinários determina que eles utilizem qualquer tratamento que acreditem ser necessário.

De acordo com Vinícius Acquesta, da equipe Santa Cannabis – Associação Brasileira de Cannabis Medicinal, em fevereiro deste ano foi criado um grupo de trabalho dentro do Conselho Regional de Medicina Veterinária do Estado de São Paulo (CRMV-SP) para debater o uso veterinário da medicina canabinoide.

“A criação do grupo visa preservar a saúde dos animais e amparar legalmente os profissionais prescritores, que se deparam com pacientes de patologias degenerativas refratárias a outros medicamentos, onde somente através da cannabis puderam obter resultados positivos no tratamento. Além disso, atualmente existem dois projetos de lei que pretendem estabelecer uma regulação para medicamentos à base de cannabis para animais no Brasil. Isso ocorre porque medicamentos para uso veterinário não são regulados pelo mesmo órgão que remédios para humanos, no caso a Anvisa”, detalha.

Acquesta acrescenta que Medicina Veterinária vem experimentando avanços nos tratamentos através da terapia canabinoide. Apesar disso, o tema ainda é tabu para grande parte dos profissionais e tutores.

“Muitas das patologias degenerativas, como neuropatias e inflamações, são conhecidas pelos veterinários. Porém os tratamentos convencionais, em muitos casos, não apresentam o efeito terapêutico desejado ou até o fazem, mas com efeitos colaterais significativos. A cannabis vem preenchendo essa lacuna através de um tratamento natural e capaz de produzir efeitos colaterais positivos. Isto é, ela pode atacar diretamente a doença ou sintoma principal e, ainda assim, trazer melhorias ao sistema endócrino e imune, na regulação do apetite e fertilidade”, reforça. 


Fotos: Reprodução

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