Tempo seco, quente e poluído castiga PETs
A veterinária Bianca Jacob Shimizu faz aerosol em Chirlei

Tempo seco, quente e poluído castiga PETs

Clínicas veterinárias têm atendido 50% mais casos de problemas respiratórios e associados desde o fatídico “dia do fogo”, em Ribeirão Preto

A predominância de altas temperaturas, aliadas a baixas umidade e qualidade do ar, nas últimas semanas, em Ribeirão Preto, têm castigado toda a população, mas muito mais os animais. Não há como aferir o tamanho desse castigo entre os de rua, mas uma consulta informal feita pela reportagem junto a clínicas veterinárias da cidade constatou um crescimento em torno dos 50% no atendimento de animais domésticos com problemas respiratórios e associados. “Os tutores relatam que começaram a perceber sintomas logo após o ‘dia do fogo’”, conta a veterinária e professora universitária Bianca Jacob Shimizu, referindo-se ao sábado 24 de agosto, quando a região inteira ficou mergulhada em fumaça e fuligem de queimadas.
 

Entre os animais atendidos em sua clínica, Franciscão, estiveram três membros da família do engenheiro mecânico Clóvis Evandro da Veiga e da química e professora universitária Márcia Andreia Mesquita Silva da Veiga, que incluem dois humanos adultos – de 29 e 31 anos – e cinco PETs: os vira-latas Tom, de 14 anos, e Sky (de Luke Skywalker), 12 anos, o buldogue inglês Paco (4) e os gatos Darth Vader e Obi wan (1 e 2 anos).
 

Os felinos seguem aparentemente bem, mas os três cães começaram a espirrar e a arfar. “Sabe aquele desespero de não conseguir respirar? Começou logo depois daquele sábado trágico! Um tempinho depois, com o clima seco, mais toda a fumaça que continuou no ambiente, comecei a perceber neles dificuldade para caminhar. Eles chegavam a passar mal”, lembra Clóvis, que acostumou os três cães a fazerem com ele três caminhadas diárias, sempre às 6h30 da manhã, às 5h da tarde e por volta de 10h da noite. “Até demoramos para levá-los ao veterinário, porque achei que eles iam voltar ao normal naturalmente. A gente acha que passa, né?”, admite o tutor.
 

De acordo com Bianca e com o veterinário Daniel Sampaio, da Vet Clínica, este é um erro comum que tutores precisam parar de cometer, para o bem de seus PETs. “Espirros, tosses, mesmo que uma vez por semana ou de vez em quando, não é para ser visto como algo normal nos PETs! Ao notar os sintomas, o tutor precisa levá-los para uma consulta com veterinário imediatamente, para investigar a causa”, alerta Daniel.
 

Sorte que Márcia insistiu com o marido para levar os três cães para se consultarem com Bianca, que nem precisou de exames mais detalhados para constatar que todos estavam com problemas respiratórios. Em pior estado, Tom foi diagnosticado com traqueobronquite. Como tratamento inicial, ela receitou xarope infantil para os três, para expectoração do muco, e corticoide para o mais velho. Também recomendou servir a ração de todos mais molhada, estimulá-los a tomar mais água e evitar expô-los ao ar-condicionado, que resseca mais o ambiente. Os tutores têm seguido tudo à risca. “Antes tínhamos só dois potes de água para eles beberem ao longo do dia. Agora colocamos vários por todos os cantos do apartamento. Também estamos ligando umidificador e deixando toalhas molhadas nos cômodos em que eles transitam”, diz Clóvis.
 

Os 15 dias entre a primeira consulta e o retorno dos três vencem esta semana e Clóvis já notou melhora de 90% nos dois mais jovens. Tom, porém, segue com dificuldade de respirar, especialmente durante os passeios. “Eles têm retorno nesta sexta-feira [20/9] para avaliação. Bianca disse que, se não melhorassem, teria que intensificar o tratamento”, diz Clóvis.
 

A vida também está difícil no canil da artista plástica e vice-presidente da ONG Cãopaixão, Mércia Bologna Soares de Oliveira – vulgo Meca – que tem 21 cachorros na chácara onde mora, no Recreio Internacional, em Ribeirão Preto. Durante o dia, todos eles costumam ficar no canil sem grades, protegidos do sol pelas sombras de várias árvores frutíferas. À noite, os nove menores dormem dentro de casa.
 

Nas últimas semanas, porém, Meca tem tido que mudar a rotina da casa porque a proteção das árvores não tem impedido que todos sofram com o clima mais quente e seco. Em vez de recolher os menores às 15h30, como era usual, ela passou a fazê-lo logo após o almoço. Também tem tido que abastecer mais vezes o bacião de água que costuma deixar no meio do canil para os PETs beberem, pois tem sido usado por eles também como “piscina”, para se refrescarem.
 

Uma das cachorras, de nome Vitória, tem apresentado muita tosse, que o veterinário que foi visitá-la acredita ser sintoma de bronquite. Mas o que mais tem sofrido é Zeca, vira-lata de 14 anos com Alzheimer e um tumor inoperável no abdômen. Por conta de sua condição, Meca está tendo de hidratá-lo com seringa várias vezes ao dia, e uma vez por semana o leva à clínica de Bianca para tomar soro via endovenosa.
 

“Quando passou por Ribeirão aquela nuvem de terra, foi uma coisa horrível aqui na chácara. Eles ficaram apavorados! Ficaram entocados e amedrontados. Depois, aquela fumaça, a gente respirando tudo aquilo e eles também, com dificuldade para respirar. Foi horrível!”, lembra a tutora.

 

Mais vulneráveis
 

Veterinário especialista em felinos, Daniel reforça que não se deve demorar para investigar sintomas respiratórios em animais domésticos porque eles têm uma fisiologia muito mais vulnerável que a dos humanos. Os principais problemas que ele tem atendido em sua clínica, nas últimas semanas, são relacionados ao sistema respiratório, tanto superior (inclui cabeça e pescoço) quanto inferior (pulmões). Mas ele alerta que outros órgãos também podem ser afetados pelo atual clima, como a parte ocular e a pele. “Animais com irritabilidade de pele e problemas dermatológicos costumam ter esses problemas agudizados pelo clima quente, seco e poluído. Essa secura, os poluentes e a baixa umidade do ar ressecam toda a via respiratória e a via ocular e ainda dilata os poros da pele, favorecendo problemas associados”, afirma.
 

Segundo Daniel, determinadas raças de animais, como os braquicefálicos – cães e gatos de focinho curto – têm mais tendência a desenvolver um problema crônico do tipo. Por isso é recomendável evitar ou diminuir o passeio com eles quando o clima estiver muito quente e seco. “Os cães, por exemplo, só perdem temperatura pela respiração e alguns deles superaquecem. Isso se chama hipertermia maligna e pode levar a óbito. É muito grave!”, frisa.
 

O veterinário também recomenda tomar cuidado com o chão quente, durante os passeios, porque os coxins – as almofadinhas das patas – podem sofrer queimaduras.
 

Entre os pacientes atendidos nas últimas semanas por Daniel estiveram quatro dos dez gatos da empresária Ana Paula Machado Vieira, que ainda alimenta e cuida de felinos de rua em pelo menos três pontos de abandono em seu bairro, Campos Elíseos. “Nós, na cidade, estamos sofrendo com essa poluição e secura e nossos bichinhos muito mais. Tem animal literalmente morrendo por causa desse tempo. Eles param de comer do nada. Aí você leva ao veterinário e os exames da parte digestiva não acusam nada. Mas quando vai investigar tudo, o pulmão já está comprometido”, comenta.
 

Os quatro gatos de Ana em tratamento já tinham bronquite, mas sob controle. O tempo mais seco e poluído das últimas semanas piorou consideravelmente o estado deles. Uma gatinha em específico, de nome Guerreira, está sofrendo mais. Ana a resgatou filhote, entre a vida e a morte, com menos de 300 gramas, o palato aberto, o maxilar quebrado, o olho esbugalhado, desnutrida e com pneumonia. “A gente acha que ela caiu de algum telhado”, acredita a tutora. Com cuidados, Guerreira se recuperou, mas com um ano começou a convulsionar. “A pancada que deve ter sofrido deixou um certo dano neurológico. Mas descobrimos que as convulsões aconteciam só quando ela estava com as vias respiratórias muito congestionadas, pois uma tomografia mostrou que o excesso de muco – que é ácido – nos seios nasais deteriorou uma parte da caixa craniana. Então, quando começava aquela produção excessiva, o muco subia, passava por essa fendinha na cabeça e entrava em contato com uma parte dos neurônios dela”, explica Ana.
 

Mas as convulsões também passaram com medicação contínua e Guerreira seguia bem até o clima em Ribeirão Preto piorar, recentemente. “Sob orientação do Daniel, passamos a usar uma bombinha tipo de asma nela, com espaçador infantil, a ministrar corticoide líquido uma vez por dia e antibiótico a cada oito horas, além de fazer lavagem da narina três vezes ao dia com soro fisiológico. Também deveria estar fazendo inalação, mas queimaram os dois que tínhamos”, conta a empresária, que pode se dar ao luxo de trabalhar home office para conseguir cuidar dos PETs.
 

Com toda essa medicação, Ana calcula que Guerreira tenha conforto em apenas 30% do tempo. “O meu medo é [o muco] ir para o pulmão, se é que já não foi. Vou descobrir amanhã, quando voltamos ao veterinário”, comenta.
 

A tutora também está preocupada com seus outros três gatos com bronquite, mas em situação melhor que Guerreira. “Estou tratando todos com a bombinha adaptada com espaçador e corticoide. Se piorar e ocorrer formação de catarro, Daniel avisou que precisaremos entrar com antibióticos para eles também”, comenta. Os outros seis gatos da casa não têm bronquite, mas também sofrem com o atual clima. “Eu os percebo lacrimejando, porque têm uma sensibilidade absurda nos olhos. Você olha e parece que o animalzinho está chorando”, sensibiliza-se a empresária.

 

Principais cuidados

Entre as principais recomendações de cuidados com os PETs nesses tempos quentes, secos e poluídos, Bianca e Daniel destacam manter a casa limpa, evitando varrer a seco, porque levanta muita poeira. Para remover fuligem, melhor usar pano úmido, aconselha Bianca (na foto, com a cadela Chirlei). “Lembrando que esses animais estão com os narizes a 30, 20, às vezes até menos de 10 cm de distância do chão. Ou seja, muito próximos das partículas de poeira e fuligem”, frisa ela. Daniel aconselha usar produtos de limpeza sem cheiro, pois o olfato deles é muitas vezes mais sensível que o humano. “Aquele odor suave do amaciante ou produto de limpeza, para eles, equivale a um vidro de perfume e, aliado ao clima seco, também podem irritar as vias respiratórias”, diz.

Bianca recomenda mais atenção com animais idosos, porque bebem pouca água e tendem a comer menos, então ficam desidratados mais facilmente. Especialmente os cardiopatas são mais vulneráveis a desenvolver problemas respiratórios.
 

Para todos os PETs, é recomendável usar umidificador de ar ou colocar toalhas úmidas no chão do ambiente em que dormem, além de mantê-los o mais limpos possível, porque os pelos também acumulam poeira. “Isso no caso de cães, porque gato já não tem indicação de banho, pois ele mesmo se limpa”, diz Bianca.
 

Por fim, ambos aconselham “absolutamente nunca” medicar o PET por conta própria!


Luan Porto

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