
Fim de um capítulo: trânsito é liberado no Centro de Ribeirão Preto
Comerciantes e moradores da região central da cidade mantêm cautela com a indefinição sobre a conclusão total dos trabalhos e possíveis novos bloqueios
Ah, a gente espera que melhore, né? Mas com tanta confusão, tanta obra parada, confesso que a esperança já não é a mesma de quando tudo isso começou.” O sentimento do chef Hugo Gutierrez, dono de um restaurante na rua São José, ecoa o de muitos comerciantes e moradores do Centro de Ribeirão Preto. O projeto de revitalização da região central, lançado com a promessa de modernizar a infraestrutura e não ser mais obstáculo para o desenvolvimento da economia local, tem mais um capítulo aparentemente finalizado. Depois das ruas São José e Marcondes Salgado, agora é a vez da avenida Nove de Julho voltar a ser transitável. Mas a recente suspensão de verbas estaduais levanta dúvidas sobre o futuro da empreitada.
Desde 2023, o Centro de Ribeirão Preto foi transformado por escavações, máquinas e operários com o objetivo de substituir antigas redes subterrâneas e construir os corredores de ônibus que cortam a cidade. “Na rua São José, no trecho compreendido entre as movimentadas avenidas Nove de Julho e Francisco Junqueira, foi realizada a implantação de novas redes de água e esgoto, além da substituição completa da antiga rede de drenagem pluvial. O mesmo conjunto de serviços essenciais foi executado na rua Marcondes Salgado, entre a avenida Francisco Junqueira e a rua Américo Brasiliense”, explica o prefeito Ricardo Silva, que iniciou seu mandato há três meses e acompanhou a finalização dessas etapas.
A Nove de Julho também está sendo revitalizada. Neste caso, a novela já teve mais de uma temporada. O projeto foi iniciado em julho de 2023 e paralisado em dezembro do mesmo ano, depois que a Prefeitura rompeu o contrato com a empresa por descumprimento do cronograma. O projeto ficou parado por mais de seis meses até que uma nova licitação foi feita e outra empresa assumiu a obra, em julho do ano passado, com a promessa de finalizar a revitalização em um ano. Além da instalação de novas redes subterrâneas de esgoto e drenagem, os tradicionais paralelepípedos tombados pelo patrimônio público devem ser recolocados em toda a obra.
A promessa é de ruas e calçadas acessíveis. “Os quarteirões da avenida passaram por extensas escavações para a instalação de redes subterrâneas, bocas de lobo, poços de visita e caixas de inspeção, elementos fundamentais para o bom funcionamento da infraestrutura”, explica o prefeito. No momento do fechamento dessa matéria, a sinalização vertical e horizontal das ruas estava sendo iniciada. Segundo a administração, seria a fase final antes da liberação para o tráfego de veículos e pedestres.
DESAFIO
Natália Raquel é gerente de uma loja de roupas que está na avenida desde 2019. “O período de obras foi um grande desafio, especialmente quando as intervenções ocorreram bem na nossa porta, coincidindo com o final de ano, uma das épocas mais importantes para o comércio”, relembra. “Agora estamos muito animados com essa reabertura e cheios de expectativas para retomar o movimento e voltar ainda mais fortes”, diz.
A administração não detalhou o que faltará fazer depois dessa liberação, mas confirmou que novas obras devem oicorrer na avenida. Isso porque, em fevereiro, o Governo do Estado de São Paulo congelou uma parcela substancial da verba destinada ao projeto, proveniente de um convênio firmado para financiar as intervenções no Centro da cidade. A justificativa do seriam supostas irregularidades detectadas no processo licitatório conduzido pela gestão municipal anterior, liderada pelo ex-prefeito Duarte Nogueira.
Em nota, a Secretaria de Governo e Relações Institucionais do Estado de São Paulo confirmou a suspensão dos repasses, que somaram R$ 16,5 milhões. Detalhou que foram liberados R$ 9 milhões, em 2022, e outros R$ 7,5 milhões, em 2023. Outros dois repasses deveriam ter sido feitos neste ano. Segundo o governo estadual, “a suspensão ocorreu porque a concorrência pública foi realizada com base na Lei Federal nº 8.666/93, que já havia sido substituída pela nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos, Lei nº 14.133/21”.
Duarte Nogueira contesta as alegações de irregularidades e defende a lisura do processo licitatório conduzido durante sua gestão. “O parecer jurídico divulgado não se aplica à realidade de Ribeirão Preto. Trata-se de um parecer referencial de outra cidade, que pode servir como base para casos semelhantes, mas não reflete a regulamentação específica adotada no município”, argumenta o ex-prefeito. “Ribeirão Preto possuía um decreto regulamentador próprio, que permitia a transição dos regimes jurídicos e contratações públicas, conforme previsto na legislação vigente. Esse decreto possibilitou que órgãos municipais optassem pelo regime anterior até o prazo estipulado, garantindo segurança jurídica e continuidade administrativa”, explica. O ex-prefeito também disse que as informações jurídicas precisam ser analisadas dentro do contexto local, “evitando interpretações equivocadas que possam gerar desinformação”. Sobre as obras em si, Nogueira afirmou que “foram entregues à atual administração dentro do cronograma previsto, com conclusão programada para abril de 2025”.
DUELO DE NARRATIVAS
Diante do impasse e da suspensão dos recursos estaduais, a atual gestão municipal anunciou que, para evitar a paralisação das obras, fez um investimento de R$ 7 milhões em recursos próprios na conclusão dos trechos que já estavam em andamento. Durante um evento, Ricardo Silva disse que colocou “o CPF em risco”, sugerindo que a manobra poderia resultar em problemas jurídicos para ele.
O advogado e professor de Direito Público da Universidade de Ribeirão Preto (Unaerp), Luis Scarpino Filho, explica que não há problemas na manobra. “Se a Prefeitura tem a verba em caixa, existe a possibilidade legal de remanejamento para conclusão de obras que são de interesse da população”, explica.
Segundo o especialista, o cancelamento de convênios entre os poderes públicos não é uma decisão rápida e definitiva. “Sem que a gente tenha, de fato, uma decisão do governo do Estado confirmando o cancelamento, ainda há possibilidade de argumentação e adequação. Muitas vezes o governo do Estado e parceiros que fazem repasse questionam, mas isso não quer dizer que você vai romper um convênio. Para dizer se a medida de usar verba municipal foi um acerto, neste caso, seria necessário saber a fundo sobre a decisão do governo estadual”, explica Scarpino. Apesar disso, ele reforça que “cabe ao poder público terminar todas as obras que começa, independentemente de quem deu início”. “Quem assume a casa, herda os bônus e os ônus”, diz.
Segundo a atual administração, restará ainda a implantação das redes de drenagem de águas pluviais, abastecimento de água potável e coletora de esgoto sanitário, além de recomposição de calçadas e pavimentação na rua Marcondes Salgado, no trecho compreendido entre a rua Américo Brasiliense e a avenida Nove de Julho. No entanto, a data para a conclusão integral do projeto permanece incerta. “No momento, não há previsão para abertura de nova licitação”, admite o prefeito.
Scarpino explica que, dependendo da decisão do Governo do Estado, ainda é possível retomar a licitação paralisada. “Caso haja uma argumentação do governo municipal aceita pelo estadual, é possível que esses R$ 7 milhões usados para a conclusão dessa etapa da obra sejam, inclusive, ressarcidos”.
A indefinição sobre o cronograma e o financiamento do projeto gera apreensão entre os moradores e comerciantes da região central. “Aproveitamos esse momento para convidar todos a virem prestigiar o Centro”, sugere Natália.
Fotos: Lucas Nunes