Limites Eleitorais: especialista analisa as regras e desafios da legislação

Limites Eleitorais: especialista analisa as regras e desafios da legislação

Em entrevista, advogado Luiz Eugênio Scarpino Júnior fala sobre candidaturas, financiamento e impacto das fake news nas eleições de 2024

Nunca na história brasileira o Supremo Tribunal Federal (STF) e o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) estiveram tanto no debate público quanto na atualidade. Da mesa de bar aos espaços acadêmicos, nem sempre, contudo, o tema é debatido com o rigor que se exige. Com o processo eleitoral, muitas dúvidas sobre as regras do jogo político podem surgir na população. Para tratar do tema de maneira aprofundada, a Revide ouviu o advogado Luiz Eugênio Scarpino Júnior, doutor em Direitos Coletivos e Cidadania, especialista em Direito Eleitoral e atual coordenador executivo do Curso de Direito na Universidade de Ribeirão Preto (Unaerp). Acompanhe:

 

Em Ribeirão Preto tivemos candidaturas cassadas, tanto para a Câmara quanto para a Prefeitura. Quais são os procedimentos legais que candidatos devem seguir para registrar suas candidaturas? E quais são os motivos mais comuns de impugnação de candidaturas?

Um dos motivos mais comuns para indeferimento de candidaturas se dá pela falta de condições de elegibilidade, como por exemplo, não ter o tempo mínimo de filiação partidária que é um dos motivos mais claros. Estar sem a quitação eleitoral por conta de ter havido uma multa ou punição de um período anterior e que não foi devidamente quitada também é um motivo para o indeferimento. Além disso, incorrer em alguma condição de inelegibilidade que pode ter a ver com improbidade administrativa ou perda de cargo público. Outro pode ser o indeferimento da própria chapa, o que não ocorreu nestas eleições em Ribeirão Preto, mas em outras cidades, quando, por exemplo, são registradas candidaturas “laranja” para forjar candidatas do gênero feminino por conta do número mínimo necessário que a legislação exige.

 

De modo geral, como funcionam as regras de propaganda eleitoral na cidade e quais são as penalidades para infrações?

As regras da propaganda eleitoral são estabelecidas a partir da legislação federal prescritas também na resolução do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), que em todo período pré-eleitoral faz uma revisão das suas condições. Isso inclui as perspectivas de propaganda no rádio, na televisão, como mídia concedida a partir da proporcionalidade do tempo do partido ou coligação, se tratando de candidatura majoritária. Também a propaganda impressa a partir de condições mínimas das informações que devem constar, constando a tiragem, a gráfica, o CNPJ do candidato e as informações do partido e coligação se for o caso. Na internet, as propagandas devem seguir regras básicas de propaganda eleitoral na rede, com todos os gastos sendo devidamente declarados respeitando o teto imposto.

 

Quais são os critérios legais para a realização de debates eleitorais e a participação de candidatos? Como definir com isonomia quais candidatos devem ser convidados?

Os debates eleitorais no primeiro turno eles seguem o critério da representatividade das cadeiras no Congresso Nacional – da Câmara dos Deputados e do Senado – dando assento obrigatório àqueles candidatos que vêm de partidos políticos com representatividade federal. Eventualmente, querendo o veículo, é possível ampliar o convite para candidatos que não preencheriam tais condições. Como, por exemplo, vimos na cidade de São Paulo, que o candidatado Pablo Marçal (PRTB) não teria a prerrogativa de estar nos debates, mas mesmo assim, por uma questão de bom posicionamento nas pesquisas, ele foi convidado. Sendo assim, os veículos devem comunicar as regras para os partidos de forma clara, elaborando acordos e a partir dessas premissas promover o debate de forma a garantir condições isonômicas entre os candidatos participantes.

 

Como a legislação eleitoral trata o financiamento de campanhas e quais são as principais restrições?

O financiamento de campanha no Brasil permite duas perspectivas: o privado e o público. O financiamento privado é estritamente particular, sendo vedadas as doações por pessoas jurídicas. Isso adveio de um entendimento do Supremo Tribunal Federal (STF), de que é inconstitucional a doação de pessoas jurídicas, seja empresas, igrejas ou sindicatos. Já para as pessoas físicas é permitido doar até 10% sua renda bruta do ano anterior. O candidato também tem a possibilidade de autofinanciamento até o limite do teto de gastos de campanha. Temos também a possibilidade do financiamento público que advém de dois fundos; um Fundo Partidário, que o partido pode fazer o repasse, e o Fundo Especial de Financiamento de Campanha, que é outro fundo público ativado no período das eleições –os partidos têm a prerrogativa de estabelecer, a partir do seu próprio critério, como distribuir esses recursos.

 

No sistema proporcional de votação nem sempre o candidato mais votado é eleito. Para além do cálculo do quociente eleitoral, qual a razão de ser desse sistema? Quais problemas ele visa resolver?

O sistema proporcional por lista aberta é feito para permitir a representatividade de forças políticas, partindo não da expressividade do candidato, mas da representatividade do partido político. Esse sistema visa permitir maior representatividade e dispersão para evitar concentração de poder econômico. Tivemos em Ribeirão Preto o caso de dois candidatos com votação nominal bastante expressiva [Marcos Papa e Annie Hsiou], que acabaram não se elegendo por não pertencerem a partidos políticos que conseguiram perfazer o quociente eleitoral. No fim das contas, a cadeira do parlamento não é do parlamentar, mas do partido político. O sistema proporcional nesse sistema hiperpartidário como o brasileiro, no qual nem sempre as legendas têm uma clareza ideológica, acaba criando um tipo de dispersão, já que o eleitor deposita seu voto na pessoa, não necessariamente acreditando nos ideais difusos do partido. O que pode gerar uma situação como essa, na qual um candidato com muitos votos não possui força partidária para ser eleito. Por isso, muito se discute o estabelecimento de sistemas distritais. Por exemplo, dividir o município de Ribeirão Preto em 22 distritos eleitorais, e a partir disso cada distrito terá uma vaga. Contudo, ainda não há consenso quanto a essa mudança.

 

De que forma a disseminação de fake news pode configurar infração às leis eleitorais?

A disseminação de fake news sempre teve uma vedação na legislação eleitoral dentro daquilo que nós conhecíamos como declarar fatos notoriamente inverídicos sobre determinado candidato. Isso poderia surtir, no mínimo, um direito de resposta. Se incorresse algum tipo injúria, difamação ou calúnia poderia também ser enquadrado como crime eleitoral. E, mais recentemente, por conta desse grande afluxo de informação e desinformação, novas regras foram estabelecidas para tratar da produção e massificação de mensagens de caráter fraudulento, como a atribuição também de multas eleitorais para quem disseminar conteúdos desinformativos e principalmente o reconhecimento de abuso de poder político no caso de disseminação de conteúdos que visem descredibilizar o sistema eleitoral. Ademais, a disseminação de desinformação por meios automatizados ou impulsionados fora das regras das plataformas pode configurar abuso de poder econômico.

 

Quais mecanismos legais existem para combater a propagação de fake news nas eleições?

Atualmente, temos mais mecanismos repressivos do que preventivos e políticas públicas nesse sentido. Isso porque o Brasil não foi capaz de enfrentar o tema de forma madura ao estabelecer uma regulação mais ampla sobre a defesa da integridade da informação. Sem embargo, a Justiça Eleitoral vem atuando nessa lacuna para tentar coibir os excessos, embora entenda a necessidade de que sejam tomadas medidas mais adequadas, como políticas públicas, inclusive do ponto de vista preventivo, de educação, e aquelas de maior responsabilização das plataformas com conteúdos desinformativos; além da própria revisão da interpretação sobre a responsabilização dos provedores de internet ,no caso de que a plataforma não ofereça nenhuma condição de segurança e torne aquele ambiente um campo aberto para a desinformação ou discurso de ódio. O próprio STF está rediscutindo a constitucionalidade do artigo 19 do Marco Civil da Internet exatamente por conta dessa lacuna que a que o Congresso Nacional incorreu por não regular os serviços digitais, como ocorreu na União Europeia, por exemplo – lá foram estabelecidas regras principiológicas para o uso da Inteligência Artificial. O Brasil começou essa discussão, chegou até um ponto de estar quase pronta para votação em plenário, mas até hoje as nossas forças políticas não tiveram a maturidade necessária para discutir o assunto, inclusive com muita fake news sobre o tema e uma pressão estrondosa das Big Techs para que não tivesse nenhum tipo de regulação, o que é lamentável do ponto de vista das instituições brasileiras.

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