"O povo brasileiro está sufocado e com desejo de mudança"
Boulos fez críticas ao governo Bolsonaro e falou que as eleições deste ano são uma luta da democracia contra a barbárie

"O povo brasileiro está sufocado e com desejo de mudança"

Em entrevista à Revide, o candidato a deputado federal Guilherme Boulos (PSOL) criticou o presidente Bolsonaro, provocou o “02” Eduardo Bolsonaro e defendeu uma renovação no Congresso Nacional

Depois de ter o nome ventilado para concorrer ao governo do Estado de São Paulo, Guilherme Boulos (PSOL) optou pela disputa ao cargo de deputado federal. Durante uma passagem por Ribeirão Preto no último dia 7 de abril, em que discursou no campus da Universidade de São Paulo (USP) e no Cine Clube Cauim, o político conversou com a Revide.

Ele defendeu a renovação do Congresso Nacional, disse que não acredita na reeleição do presidente Jair Bolsonaro e ainda afirmou que o deputado federal Eduardo Bolsonaro é “oco” e não tem projetos.

Natural de São Paulo e filho mais novo de dois médicos e professores da USP, Boulos é formado em filosofia, tem especialização em psicologia clínica e mestrado em psiquiatria. Boulos foi candidato à Presidência da República em 2018, recebendo 617 mil votos. Em 2020, chegou ao segundo turno na eleição para prefeito de São Paulo, quando recebeu 40%, mas foi derrotado por Bruno Covas (PSDB).

Muitos nomes fortes decidiram não concorrer a cargos majoritários e estão na corrida pelo Congresso, entre eles, você. Por que decidiu ser candidato a deputado federal?

BOULOS: Porque eu acredito que precisa de uma renovação no Congresso Nacional, que está controlado pelo Centrão. Hoje, quem tem a chave do cofre do Brasil é gente como Arthur Lira [presidente da Câmara dos Deputados], de uma política envelhecida, clientelista.

O Centrão sempre teve força no Brasil, mas hoje isso foi levado à enésima potência. Acho que precisamos ter uma bancada popular, uma bancada progressista forte, que coloque pautas que interessam à maioria da sociedade, e não só aos interesses privados de deputados que querem as suas emendas, que querem os seus cargos. Então, decidi ser candidato ao Congresso Nacional para ajudar a construir essa mudança.

E se o Blsonaro ganhar as eleições, como você pretende atuar no Congresso?

BOULOS: Eu não acredito que isso vai acontecer, muito francamente eu acho que o povo brasileiro está sufocado, está indignado, está com desejo de mudança e eu acho que o Bolsonaro não ganha essas eleições. Isso seria um desastre tão grande para o Brasil, seria o país ser devastado em ruínas, a democracia ser posta em risco. O que está em jogo nessa eleição não é apenas um debate apenas entre a esquerda e a direita, é um debate entre a democracia e a barbárie.

Se Lula for eleito, quais serão os desafios que ele vai ter que enfrentar para conseguir governar?

Nós temos um desafio de reconstruir o Brasil. O país está em uma situação muito crítica. A primeira grande medida que precisa ser tomada em 2023 no novo governo é fazer um grande plano de investimento com obras de infraestrutura, obras de saneamento e obras de moradia popular, investimento público que vai gerar emprego e renda. Se a gente não ativa a economia, vai ficar sempre nesse ciclo vicioso de depressão econômica.

Então, o Estado precisa ativar a economia, criar demanda, porque a demanda é que atrai investimento privado, inclusive. O Estado criar a demanda é assim: o trabalhador que hoje está desempregado na periferia de Ribeirão Preto, ao ter um emprego, ele vai gastar na economia local e vai ativar a economia local. Isso se chama efeito multiplicador, é o ciclo virtuoso do ponto de vista econômico. O grande desafio para que a gente saia da situação que o Brasil está é poder recuperar emprego e renda para a sociedade, e isso implica em ter a ousadia de recuperar o papel do Estado.

Guilherme Boulos conversou com estudantes durante uma plenária no campus de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (USP)

Recentemente, você chamou o deputado federal Eduardo Bolsonaro para um debate. Acredita que é importante dialogar com a oposição?

Eu acho que quem está na vida política tem o dever de dialogar com todos, ninguém é o senhor da razão. Nós temos que saber dialogar com um conjunto de posições, inclusive as diferentes. Eu o provoquei para um debate porque ele representa posições que trazem o que tem de pior na sociedade brasileira. Ele representa posições autoritárias, ele fez outro dia uma piada com a tortura da [jornalista] Miriam Leitão, que foi torturada com uma cobra enquanto estava grávida. É um nível de desumanidade, é um nível de falta de ética.

Só que essas pessoas são valentões de internet, eles gritam, brigam e xingam atrás do vídeo, atrás do teclado, então eu chamei ele para um debate para ver se ele sustentava a posição, qual é o projeto dele, o que ele defende, o que ele propõe para a economia, para a inflação. Não tem proposta, não tem projeto, é oco. Por isso que chamei para um debate e por isso que ele não aceitou.

Durante seu discurso, você falou sobre Ribeirão Preto ser conhecida como a Califórnia brasileira. Apesar de ser uma cidade rica, também está sofrendo com altas de preços, desemprego, problemas com moradia etc. O que pode ser feito para fomentar a economia daqui do interior?

Precisamos valorizar também a agricultura familiar. O grande agronegócio exportador tem um papel na economia e no PIB nacional, mas ele não gera tantos empregos e gera pouca arrecadação. O papel que o Estado tem que ter é de fortalecer aquele pequeno que não está conseguindo produzir, que não tem condições de colocar sua produção no mercado, porque isso também vai conter a inflação, porque a produção do agronegócio vai para fora, vai daqui para o Porto de Santos.

Quem bota comida na mesa do povo brasileiro é a agricultura familiar e ela precisa ser valorizada, precisa ser fomentada com crédito, com assistência técnica, com canais de comercialização para ligar os centros de produção aos centros de consumo, isso não tem acontecido, foi desmontado. A região de Ribeirão Preto é muito pujante na agricultura, na agroindústria, mas não podem ser vistos apenas os grandes produtores, é preciso olhar também os pequenos e os médios.

Existem muitas fake news sobre sua participação no Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto (MTST). Poderia explicar como funciona a questão do direito à moradia?

Às vezes, um meme rende mais do que um argumento. Você joga um meme ou uma fake news assim: “o Boulos vai invadir sua casa, o MTST vai invadir sua casa” e as pessoas acabam reproduzindo ou repetindo, seja por preconceito, desinformação ou má intenção. Estou há 22 anos no movimento de luta pela moradia e o movimento nunca invadiu a casa de ninguém. É um absurdo, é uma fake news escandalosa.

O que o movimento faz é identificar imóveis que estão em situação ilegal, não é a casa de ninguém. São grandes terrenos, grandes prédios inteiros abandonados, que não pagam impostos e, às vezes, devem mais impostos do que o valor do terreno, que não cumprem função social, que estão abandonados há 10, 20, 30 anos e, portanto, estão ilegais de acordo com a Constituição e o Estatuto da Cidade.

O movimento identifica e ocupa esses terrenos para pressionar o Poder Público a cumprir o seu papel, que muitas vezes o Poder Público não desapropria esses imóveis para moradia, que é o que está escrito na lei, porque tem prefeito e tem vereador que tem sua campanha patrocinada pela especulação imobiliária e pelas grandes construtoras, é assim que o jogo funciona e o movimento joga luz nessa questão da luta pela moradia.

Como é que alguém, em um país tão rico como o Brasil, que tem tanta gente morando na rua, não consegue aceitar a necessidade da luta pela moradia? Eu também queria que a luta por moradia não existisse se todo mundo tivesse moradia. Nós não podemos deixar que o preconceito vença o básico da nossa sensibilidade humana, que é lutar para que as pessoas tenham teto.

 


Fotos: Luan Porto

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