A cidade e os livros

A cidade e os livros

Seguindo a tendência literária do país, Ribeirão Preto entrou no circuito das grandes redes de livrarias devido ao seu público variado

Conforme o editor Felipe Colbert, o mercado livreiro, em Ribeirão Preto, mostra constante crescimentoÉ comum ouvir dizer que o “brasileiro lê muito pouco”. A afirmação, muitas vezes considerada mera suposição, ganhou contorno de verdade com a publicação da 4ª edição da pesquisa Retratos da Leitura no Brasil, em 2015. Dos 5.012 entrevistados com idade entre cinco e 70 anos, estudantes e não estudantes, em todas as regiões brasileiras, 44% se declararam não leitores. Os padrões nem foram tão rigorosos: na pesquisa, foram considerados leitores aqueles que leram um livro ou parte dele no intervalo de três meses. Outro fator que chamou a atenção foi a constatação de que, com exceção dos livros didáticos, de leitura praticamente obrigatória, as obras consideradas, direta ou indiretamente, religiosas encabeçaram a lista dos mais lidos, desde a 1ª edição da Pesquisa, realizada em 2007. 

Conforme Felipe Colbert, editor da Editora Novo Conceito, os livros de ficção, religião, autoajuda e biografia são os mais procurados no Brasil. As obras de literatura estrangeira, romance romântico e ficção infantojuvenil estão entre os gêneros que possuem os leitores mais fiéis. “Mais de 40% dos leitores estão concentrados na região sudeste. O menor índice de leitores fica dividido entre a região norte e a centro-oeste”, afirma o editor.

Segundo o especialista, Ribeirão Preto segue a mesma tendência literária do Brasil, já que entrou no circuito das grandes redes de livrarias graças ao seu perfil de público variado — o município está no centro comercial da região metropolitana e é uma cidade que recebe estudantes de todo o Brasil, bem desenvolvida econômica e culturalmente. 

Em 2016, o Grupo Editorial Novo Conceito, que atende a livrarias em todo território nacional, publicou 17 títulos. Segundo o editor, o mercado de livros está em constante crescimento em Ribeirão Preto. “Além de livrarias tradicionais, a cidade conta, hoje, com três das principais redes do Brasil. Este mercado tem uma alta perspectiva de crescimento, por estar na região metropolitana, e tende a aumentar ainda mais o número de consumidores da cidade”, ressalta Felipe, que aponta a Feira do Livro como um dos fatores que impulsionam a economia literária, já que estimula a leitura. 

O editor da Novo Conceito destaca, ainda, que a Feira traz para o município nomes de prestígio da literatura nacional e apresenta painéis de extrema importância para o incentivo à leitura, além de debater assuntos relevantes para o meio literário, constituindo-se uma oportunidade de introduzir jovens e crianças ao universo literário.

Para Felipe, a educação escolar é o melhor caminho para a formação de leitores e a participação da família é imprescindível para a criação do hábito da leitura. “Pensando em estimular a leitura, trazemos livros com narração leve e didática para crianças e adultos. Dessa forma, ler se torna algo prazeroso e divertido, fazendo com que as pessoas gostem. Estimular o livro como presente também é parte importante nesse processo”, comenta o editor.

42 anos de tradição

Mais tradicional livraria de Ribeirão Preto, a Paraler possui 42 anos de história e duas lojas no município, divulgando a leitura e enfrentando os desafios deste mercado que passa por constantes mudanças. Segundo Rita Baracchini, gerente das unidades, em mais de quatro décadas, vários fatores interferiram no mundo dos livros. “O maior deles foi a tecnologia. Apesar disso, ainda temos muitos leitores que sentem prazer em ter o livro nas mãos e sabem que ele é um amigo para todas as horas”, comenta.

Rita acredita que, além dos best sellers, há um interesse generalizado por todos os assuntos. “Há uma grande variedade de títulos que não apresentam individualmente uma quantidade significativa de vendas. Livros infantis também são muito procurados, pois os adultos estão se conscientizando que as crianças não podem identificar apenas o computador como sua fonte de informação e lazer. Prova disso é o nosso público fiel, clientes que são netos dos nossos antigos clientes”, comenta a gerente da Paraler.

Rita destaca que a Paraler tem clientes que já estão na 3° geraçãoPara incentivar a leitura, a livraria realiza lançamentos e diversos projetos, como o Clube de Leitura e a Confraria Paraler, que criou um espaço para se falar de livros. “Nosso Café e Letras abriga reuniões de negócios de pessoas que apreciam um local agradável e tranquilo para discutir ações. Temos, também, uma pequena galeria onde expomos diversas obras de artistas locais”, conta Rita. A Paraler também se orgulha de, desde a fundação, valorizar os autores locais, mantendo, constantemente,  um local privilegiado para a exposição de seus livros.

Mercado promissor 

Para os negócios que vivem do comércio de livros, o mercado ribeirãopretano também é considerado promissor. A gerente da Livraria da Travessa, Adriana Sina Telles, destaca que o grupo carioca, que acumula uma experiência de 30 anos, abriu a franquia no município há três anos e, apesar da crise econômica e de seus reflexos no país inteiro, acredita no potencial de crescimento de Ribeirão Preto e região, apostando na fidelização e na formação do público leitor.

Os gêneros mais procurados na unidade são bem variados. “Os romances são os mais pedidos pelos nossos clientes. Entretanto, alguns segmentos, como religião, gastronomia, administração e livros infantojuvenis também são muito procurados pelos leitores da cidade”, comenta a gerente. 

Conforme Adriana, a Livraria da Travessa acredita na diversidade e investe na construção de um ambiente acolhedor que estimule o compartilhamento de ideias e o prazer da experiência cultural. “O público pode participar de três clubes de leitura: o de Literatura em geral, de Histórias em Quadrinhos e o de Literatura Russa. Basta acessar a nossa página no Facebook. Além disso, a livraria busca dialogar e participar da cena cultural da cidade”, ressalta a gerente.

Explorando o potencial de crescimento 

Inaugurada em Ribeirão Preto há três anos, a Livraria Cultura encontrou no município um mercado propício, tanto que as expectativas de seus representantes em relação a perfil do público, frequência, ticket médio e eventos foram concretizadas. A gerente de vendas, Luciane Ferreira Dorigam, destaca que a loja, assim como o shopping na qual está sediada, ainda está em processo de maturação, devido aos poucos anos de atividade. Ainda assim, a experiência nesse tempo aponta para um grande potencial de crescimento a ser explorado.

Conforme a gerente de vendas, o mercado literário ribeirãopretano se comporta de forma análoga aos demais municípios em que a Livraria está instalada em termos de números. “É também muito similar ao da capital. Os números de títulos mais vendidos são proporcionais aos das outras unidades da rede, ressaltando que a loja tem um formato menor que as demais, adequado às expectativas iniciais”, explica.

Para tanto, a Livraria Cultura desenvolve inúmeras ações de fomento e incentivo à leitura, como contação de histórias infantis, com profissionais que interagem com as crianças; realização de clubes de leitura, onde há discussões sobre o conteúdo de obras clássicas e contemporâneas; o desenvolvimento do Mais leitores, programa de recompra de livros usados para utilização de créditos em novas compras; realização de eventos e palestras com autores nacionais e internacionais; Cultura Indica, nas redes sociais, onde vendedores fazem a indicação e ficam disponíveis nas lojas para serem consultados, e um canal no Youtube, com sugestões e entrevistas com grandes nomes do mercado cultural.

Rumo ao infinito

A tentativa da escritora Eliane Ratier de aprimorar a comunicação escrita acabou se traduzindo em expressão de ideias e de sentimentos, que não tardou em se tornar um brinquedo e, por fim, transformou-se em poesia. A leitura tem dessas surpresas: quando se começa, não se sabe aonde é possível chegar.

Eliane é uma leitora voraz. “Leio de tudo e sempre. A poesia, seja em prosa ou verso, é o que mais aprecio. Dos poetas, recomendo o português Fernando Pessoa, os brasileiros Vinícius de Moraes, Manuel Bandeira, Manoel de Barros, Cecília Meireles e Leminsky. Dos prosadores, o português Valter Hugo Mãe, o chileno Skármeta, os Adriana afirma que a Livraria da Travessa aposta na fidelização e na formação do público leitorbrasileiros Érico Veríssimo, Clarice Lispector e Menalton Braff estão entre os preferidos”, conta a escritora, com a certeza incômoda de que muitos de seus heróis do campo das ideias deixaram de ser mencionados.

Quanto mais penetra no universo das letras, seja tecendo-o ou deleitando-se nele, mais se percebe o quanto é importante oferecer às pessoas uma brecha através da qual possam vislumbrar o sem fim de uma jornada que começa quando se ousa desbravar as páginas de um livro. “Em casa, é importante ter o objeto livro e, de preferência, que seja sinceramente usado. O livro é atraente e, se a leitura desperta tanto interesse nos adultos, despertará a curiosidade infantil. Quando digo ‘uso sincero’, refiro-me ao fato de realmente apreciar a leitura e não de ler para dar o exemplo ou ‘porque é bom’”, esclarece a poetisa. 

Na escola, a brecha que se abre à criança é mais direcionada, compartilhada com os coleguinhas, o que é também estimulante, pois envolve uma abordagem técnica por parte do professor.  Para quem já conhece o livro, a atividade não é novidade, mas quem desconhece o objeto, o que ocorre em todos os níveis sociais, mais uma etapa de aprendizagem terá que ser vencida. “O que importa é acender dentro desta criança o gosto pela imaginação, o prazer de criar a partir da palavra”, declara a escritora. 

O caminho mais curto para a leitura compreende a afetividade e o prazer, sentimentos presentes tanto na família, quanto na escola — o segredo, pontua Eliane, é que haja prazer na atividade e que esta satisfação seja positiva e valorizado no meio social e familiar da criança. “Para que ela se sinta estimulada à leitura, é fundamental oferecer à criança uma diversidade de temas e formatos. Havendo o gosto pela atividade, haverá a busca e a escolha”, comenta a escritora, mostrando que depois que a criança desperta para o mundo mágico dos livros, entregar-se às aventuras por eles propostas é um processo quase natural”, reforça a escritora.

Subvertendo o pragmatismo

Especializado em literatura juvenil, Luiz Puntel já lançou nove livros, entre eles, oito no gênero. Em sua oficina literária, ministra aulas, cursos e orientações que o aproximam muito deste público específico. Segundo Puntel, a proximidade do vestibular e o grande volume de matérias a serem estudadas acabam distanciando os alunos até mesmo das leituras obrigatórias das universidades de destaque. 

Puntel destaca que, há poucos anos, USP E UNICAMP, duas universidades de referência, tinham uma lista conjunta de livros, mas a UNICAMP decidiu mexer nas obras exigidas. Hoje, a FUVEST pede cerca de 10 livros e a UNICAMP mais 10, em média. “É um massacre de livros a serem lidos, a maioria dos alunos, já sobrecarregada de matérias, fica aguardando a análise do professor”, comenta Puntel. 

O escritor acredita que é possível estimular a leitura na escola quando a instituição se une em torno de um projeto com os alunos. Para Puntel, as matérias não devem ser estanques e os professores não podem entrar em sala de aula para lecionar de forma desvinculada de outras disciplinas. “Isso acontece até na área de Língua Portuguesa: aula de gramática que não ‘conversa’ com aula de ‘interpretação’, que não se relaciona com a aula de literatura. No Ensino Médio, isso é mais estanque ainda, já que há um professor para cada matéria que compõe a Língua Portuguesa, que é exigida no vestibular”, comenta o autor, ressaltando que um professor nem sabe que conteúdo o outro está trabalhando com o aluno, porque segue a unidade semanal da apostila.

Eliane destaca que o importante é acender dentro da criança o gosto pela imaginaçãoNas aulas ministradas em sua oficina, Puntel destaca que os alunos do Ensino Fundamental e do Ensino Médio trabalham com interpretação textual, a partir do domínio dos gêneros discursivos, aprendendo a diferenciar uma notícia de um editorial, de uma crônica e de um manifesto. “Não apenas isso, mas leem jornais em sala, além de textos poéticos, narrativos e dissertativos. Com isso, aguçam a visão de mundo e a criticidade, aprendendo a ter argumentos, a ter discernimento do que seja o senso comum e a maturidade de pensamento”, afirma Puntel. Mesmo as obras literárias cobradas nos vestibulares são analisadas com profundidade, o que traz bons resultados. As questões abordadas em cada obra são analisadas levando em conta a história, os contextos socioeconômico e cultural, enfim, a realidade que rodeia o aluno e uma visão crítica de como foi construída. 

Na escola, segundo Puntel, estuda-se muito e lê-se pouco. Se a leitura fosse o centro das atenções na escola, e não um apêndice da matéria de Língua Portuguesa, seria diferente. “Os alunos do Ensino Médico leem apostilas, na visão do ensino utilitarista. Com esse modelo estamos dizendo a eles a velha frase: ‘estude isso aqui que pode cair no vestibular.’ Um tema como guerras napoleônicas ou Napoleão merece apenas uma ou duas páginas de uma apostila, ou seja, o aluno estuda tudo, mas não se fixa em nada”, frisa o professor. 

Ao ouvir essa análise do autor sobre o ensino pode vir à mente de qualquer pessoa a pergunta ao escritor: por que se dedica, então, ao mundo da educação? A resposta é quase automática: porque sabe que, em sala de aula, pode fazer a diferença, subverter o ensino utilitarista, pragmático, que visa apenas aos resultados. “Se consigo mostrar a beleza de um soneto de Camões, se consigo incentivar um aluno a ir além de um conto de Machado de Assis, procurando outros, aleluia! Acho que educar é um trabalho de formiguinha, lento, mas duradouro porque muda a maneira de pensar, de ver a riqueza da fragmentação caleidoscópica das várias possibilidades de agir. É, enfim, sair da caixinha”, conclui o educador. 

Perfil do leitor brasileiro

Predominância: livros religiosos.
16% dos exemplares impressos em 2015 (segundo a produção anual por temas).

De 2.798 leitores declarados:
42% leem a Bíblia
22% leem livros religiosos
22% leem contos e romances

Fonte: Retratos da Leitura no Brasil (4a. edição, 2015).

Puntel: “educar é um trabalho lento, mas duradouro porque muda a maneira de pensar”Autores mais procurados

Augusto Cury
Cristiane e Renato Cardoso (Igreja Universal)
Joa?o Ferreira de Almeida (tradutor da Bíblia protestante para o português)
Padre Marcelo Rossi (Igreja Católica)
Zibia Gasparetto (espiritismo)

Fonte: artigo de Marisa Midori Deaecto, professora do Departamento de Editoração da ECA, publicado em 24 de junho de 2016, no Jornal da USP.

Obras mais vendidas

Livros que mais se destacam em vendas nas livrarias ribeirãopretanas.

Arroz de Palma - Francisco Azevedo.
Bangalô - Sara Jio
Harry Potter e a criança amaldiçoada - J. K. Rowling
Homo Deus - Yuval Noah Harari
Isolados – o enigma Bibi Tatto
O homem mais inteligente da História - Augusto Cury
Por que Fazemos o que Fazemos - Mário Sérgio Cortella
Quatro vidas de um cachorro - William Bruce Cameron
Rita Lee - autobiografia

Texto: Carla Mimessi
Fotos: Luiz Cervi

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