A ciência transforma
Tendo a ciência como instrumento de mudança de professores e alunos, Marisa Barbieri redescobre a arte de ensinar a cada nova turma
A pura arte da experimentação leva alunos do ensino fundamental e médio a redescobrirem novas formas de se aprender ciências fora da sala de aula. Entendendo a ciência como uma ferramenta transformadora da realidade de professores e alunos, a professora Marisa Ramos Barbieri, coordenadora da Casa da Ciência (CC), do Centro de Terapia Celular (CTC) e do Hemocentro da USP de Ribeirão Preto insere jovens talentos no meio científico.
Bióloga formada em História Natural, Marisa acredita que a ciência deve extrapolar as paredes da sala de aula, fazendo com que o aluno conheça novas formas de aprender em meio à realidade que o cerca no dia a dia. O programa educacional do CTC, que teve início em 2001, recebe todos os anos estudantes a partir do 6º ano do ensino fundamental. Na Casa da Ciência os alunos têm aulas com pesquisadores, visitam os laboratórios, participam de palestras, grupos temáticos, entre outras atividades. Este ano, foi lançado um novo programa de iniciação científica denominado “Pequeno cientista”.
Trabalhando com alunos de 11 e de 12 anos, a educadora explica que o principal objetivo desse projeto é possibilitar que os estudantes tenham oportunidade de desenvolver as habilidades cognitivas e afetivas. “Atualmente, o nosso maior interesse é divulgar os resultados e comprovar o grande potencial dos jovens, geralmente desperdiçado.” Para isso, a equipe de projeto procura documentar as manifestações de aprendizagem, valorizando as falas, as escritas, os desenhos, as poesias, as dramatizações, entre outras expressões.
Anualmente, a Casa da Ciência oferece 100 vagas no curso para alunos, mas também para o professor. “Eles devem se sentir nossos parceiros, colaboram muito e são uma presença valiosa na avaliação do nosso trabalho”, reforça Marisa que acumula uma experiência de 45 anos dedicados ao magistério. Graduada na Unesp de São José do Rio Preto, iniciou a carreira lecionando nos cursos de vestibular e de supletivo. Com espírito inquieto, afirma que escolheu ser professora com o firme propósito de aproximar o ensino da pesquisa. Isso fez com que desenvolvesse atividades extraclasse e deixasse sua marca pessoal em cada uma das instituições onde lecionou.
Em Ribeirão Preto, nas escolas Otoniel Mota e Tomaz Alberto Whately, instalou laboratórios, campo experimental para observações mais naturais, organizou e participou de feiras de Ciências, além de excursões didático-científicas, algumas ao Instituto de Biologia Marinha da USP em São Sebastião, litoral paulista, entre outros projetos. “Essas experiências me levaram à disciplina de Prática de Ensino de Biologia na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto”, frisa a professora.
Desde 1989, participa das disciplinas de Pedagogia, Metodologia e Prática de Ensino em pós-graduação. Já lecionou no Instituto Fernandes Figueira (IFF-Fiocruz/RJ) e na Universidade de Sergipe (USE/Aracaju). Ainda continua ministrando aulas na Universidade Federal do Maranhão (UFMA/São Luís). Também possui graduação em História Natural e doutorado em Filosofia.
Está aposentada desde 1998, mas não deixou de trabalhar uma semana sequer. Marisa aceitou o desafio de participar do projeto “As células, o genoma e você” do CTC- Cepid no Hemocentro. A cada nova turma que ingressa nos cursos e projetos desenvolvidos na Casa da Ciência, a professora renova as expectativas neste novo formato de ensino, o campo da experimentação e da pesquisa. Um próximo passo será incluir a difusão dos resultados de forma contínua na mídia. “Gostaríamos de ter uma redação de jornal, pois teríamos que fechá-lo todos os dias”, estima a bióloga.
O primeiro passo ela já deu ao criar o espaço Pipoc-Ponto de informação, pesquisa e organização da ciência, que armazena seus registros de quase 45 anos como professora. “É muito importante para que as pessoas possam consultar um arquivo que representa épocas e trajetórias da prática docente tão pouco valorizada e de uma escola brasileira quase sem memória”, adverte a professora.
Além da divulgação dos resultados dos projetos, o interesse dos jovens pelas Ciências revela que a educadora está no caminho certo. Relembra que, em 2004, quatro alunos ganharam bolsa da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP) e os resultados estimularam a equipe a organizar o “Adote um cientista”, programa que dura até hoje e ficou cada vez mais próximo do pesquisador e dos professores. Chegar às escolas é uma das metas da Casa da Ciência.
A professora ressalta que ao chegar à instituição os alunos ficam muito felizes quando passam a relacionar conceitos. Crítica do atual modelo de ensino, na avaliação de Marisa, as escolas não conseguem desenvolver o potencial dos alunos e acabam perdendo grandes vocações para as ciências, as artes e as letras. Essa deficiência, interrompe o prazer em aprender.
Além de estudantes de Ribeirão Preto, a instituição recebe jovens das cidades da região. Muitos deles permanecem na Casa, mesmo depois de ingressar na faculdade. São estagiários e bolsistas que colaboram ensinando aos novos, condição, que segundo ela, tem facilitado e encurtado o caminho do “Adote um cientista”, que já tem tradição. “Temos os que mantêm contato via professores colaboradores das escolas e os alunos que vêm a Casa da Ciência. Esta é uma via muito importante, assim como o site, o qual gostaríamos de manter atualizado”, ressalta.
Desafios de ensino e pesquisa
Para a educadora vencer as dificuldades metodológicas é um dos pontos cruciais para a escola pública. Investigar as relações de ensino-aprendizagem significa trabalhar com grupos humanos que se comunicam o tempo todo, mas que desenvolvem processos que dificilmente podem ser comparados. “Em uma palavra, avaliação é o desafio. A aprendizagem dos alunos, manifestada das mais diferentes maneiras, é o dado que se deve procurar para análise. Mas pouco adianta o discurso, senão houver uma prática consistente”, aponta a professora.
Sempre muito atentos ao desempenho dos alunos, a equipe de professores da Casa da Ciência procura evidenciar avanços, interesses e carências, mudando programa, assuntos e atividades, se necessário. Na opinião de colaboradores e avaliadores, eles têm acertado, mas Marisa reconhece que ainda estão muito longe do ideal. Os exercícios de avaliações existentes na rotina do curso exigem atenção e acompanhamento da equipe, dos orientadores e principalmente dos alunos. Acabam por imprimir desafios aos programas e constituem avaliações com prazer que o aprendizado provoca.
O estilo de aula, trabalho de campo e uso dos laboratórios são as principais mudanças que os alunos encontram no direcionamento das aulas no decorrer do curso. Para os interessados, que tenham uma boa formação básica, as atividades de observação, experiências com seres de pequeno porte, controle de fatores ambientais como luz, temperatura, tipos de solo, água entre outros são uma excelente experiência. “Insetos e sementes são ótimos materiais de estudo”, ressalta Marisa, empolgada com o trabalho.
Consolidar a relação pesquisadores-Adote, já bem encaminhada e estender as atividades para algumas escolas, bem como abrir espaços aos professores para trabalho conjunto são alguns dos projetos previstos no plano de trabalho até 2011. “Principalmente, fortalecer os estudos teóricos, que estimulem avaliações e divulgação dos resultados e buscar novos parceiros é essencial”, revela Marisa.
O programa “Pequeno cientista” é a novidade deste ano para os alunos que querem desenvolver trabalhos em células-tronco, DNA, manipulação de DNA, Bioinformática, Neurociências, entre outros temas. A divulgação de uns livretos em comemoração aos dez anos da Casa da Ciência, visitas, exposições e apoio às escolas parceiras, com participação de pesquisadores, também estão no cronograma, bem como a expansão física da Casa da Ciência, que em breve deve ganhar sede própria.
Texto: Rose Rubini | Fotos: Carolina Alves