A longevidade que só aumenta

A longevidade que só aumenta

A elevação da expectativa de vida em Ribeirão está ligada às melhorias nas condições de vida da população. O processo de envelhecimento, entretanto, apresenta uma série de desafios

O envelhecimento da população constitui uma das transformações demográficas mais importantes deste século.  De acordo com o IBGE, mais de 20 milhões de brasileiros já chegaram à terceira idade.  Estimativas da entidade também apontam que a população brasileira idosa deve triplicar nos próximos 40 anos. Por isso, um dos principais desafios atuais e futuros é a manutenção da qualidade de vida. 

Geriatra do HCRP, Formighieri destaca que Ribeirão Preto ainda tem muito a melhorarDiante desse panorama, uma pesquisa feita em 150 municípios aponta que Ribeirão Preto é a 6ª melhor cidade do país para idosos viverem, entre as que possuem mais de 100 mil habitantes. O Índice de Desenvolvimento Urbano Para Longevidade (IDL) é resultado da parceria entre o Instituto de Longevidade Mongeral Aegon e a FGV.

Entre os municípios avaliados, Ribeirão Preto recebeu nota 75,42 para o grau de bem-estar oferecido aos adultos maiores de 60 anos. A pontuação colocou a cidade atrás apenas de Santos (99,66), Florianópolis (86,4), Porto Alegre (83,24), Niterói (81,61) e São José do Rio Preto (81,13).

Vale ressaltar que, para chegar ao ranking, os pesquisadores consideraram não só ações específicas para idosos. A condição geral da cidade — em termos econômicos, sociais, culturais, de saúde e educação — também foi levada em conta. A ideia é que, quanto melhor a vida das crianças, dos jovens e dos adultos jovens, melhor será o bem-estar dos idosos.

Para Paulo Fernandes Formighieri, geriatra do Hospital das Clínicas (HCRP), em pesquisas com classificação ordinal, não há uma quantificação da qualidade de vida de maneira individualizada, mas, sim, uma comparação entre concorrentes sob uma análise generalista do município. Neste cenário, portanto, olhando para a realidade brasileira das grandes cidades, Ribeirão Preto oferece, de fato, possibilidades interessantes para os idosos. “Poderíamos dizer que a cidade se diferencia por oferecer recursos assistenciais, de lazer e de serviços diferenciados, associados a um ritmo de vida que mescla dinamismo e modernidade com hábitos de vida de cidades do interior”, analisa o médico.

Formighieri ainda destaca que, por ser um grande centro regional prestador de serviços, o município consegue disponibilizar uma grande gama de recursos para atender a idosos com as mais diversas demandas. “Há uma enorme variedade de ofertas no cenário cultural para esta faixa etária, como as programações junto ao SESC, de universidades, no Teatro Municipal e da Fundação Dom Pedro. Apesar de não atender a muitos bairros, os espaços públicos arborizados existentes também são de extrema relevância em uma cidade com o clima como o de Ribeirão Preto”, analisa o especialista.   

Outro ponto alto determinante, segundo o geriatra, é o fato de a cidade ser um referencial em formação universitária e técnica, oferecendo serviços de ponta em diversas áreas. “De especial interesse dos idosos são os serviços da área da saúde. Nessa área, vários se destacam no cenário nacional e ampliam a disponibilidade de recursos assistenciais da rede SUS e também da rede particular. Vale ainda destacar a extensa abrangência dos serviços de convênio de saúde na população”, acrescenta Formighieri.

No entanto, em relação aos serviços de saúde prestados a idosos na rede pública, o geriatra ressalta que há, na cidade, um grande abismo: de um lado, estão os serviços oferecidos pelas universidades e pelas unidades de saúde da família e, do outro, os prestados em alguns postos de saúde sem qualquer preparo para atendimento a esta parcela da população. Para o geriatra, nem mesmo os serviços especializados na rede de convênios particulares também são suficientes para a demanda por falta de disponibilidade de especialistas.

“A rede hospitalar é, no momento, reconhecidamente insuficiente para a demanda, em especial, no nível 2 [urgente: avaliação médica em até 30 minutos], assim como os leitos em hospitais privados/convênios. O acesso à medicação via SUS tem sido um problema crescente nos últimos anos, todavia, a cidade é um dos polos de distribuição de medicações de alto custo e dispõe de uma extensa rede de farmácias, além de serviços farmacêuticos vinculados a universidades. Portanto, em termos comparativos, os serviços de saúde no município são de qualidade superior à realidade da maioria dos municípios brasileiros”, finaliza Formighieri.

Opinião dos idosos

Neiva concorda que a cidade tenha boa estrutura para os idososApesar de todos os problemas da conjuntura política nacional e municipal, a ribeirãopretana Neiva Genari Jordão, de 77 anos, considera o padrão de vida do município muito bom. “Percebo que a cidade oferece praças e parques públicos equipadas para receber quem quer fazer atividade física. Além disso, várias ONGs oferecem assistência aos idosos. Os estabelecimentos comerciais e públicos passaram a oferecer lugares próprios para os clientes mais velhos e os deficientes. Nos hospitais, por exemplo, percebo que o atendimento ao idoso é prioritário”, avalia.

Neiva se classifica como “uma idosa jovem”. Isso porque todos os dias, das 9h às 19h, comanda ao lado dos filhos a empresa onde responde pelo departamento de compras e, nas horas vagas, também assume funções importantes na igreja, como ministra. A empresária acredita que, mesmo com a idade, o idoso deve manter uma vida ativa. “A pior doença de um indivíduo mais velho nem sempre é física, muitas vezes, é psicológica, porque a pessoa passa a se sentir obsoleta. Além do mais, o idoso não depende apenas de aposentadoria ou da pensão, o afeto da família também conta”, afirma Neiva.

A compradora identifica certo preconceito no mercado de trabalho em relação ao potencial dos mais velhos. “Muita gente acha que o idoso não pode se destacar, quando, na verdade, ele conta com a experiência. Muitos jovens, inclusive, vêm me consultar”, frisa. 

O empresário José Luiz Del Lama também acredita que Ribeirão Preto ofereça uma boa qualidade de vida aos idosos. Por conta de problemas no joelho, pratica tênis e reconhece a variedade de lazer e de esportes como diferencial da cidade. “Temos muitos locais públicos destinados à prática de atividades físicas, como parques e praças para caminhadas e ciclovias. Além disso, as entidades particulares, como os shoppings, oferecem muitas opções de esporte e de lazer”, enumera José Luiz.

Para Deo, ainda falta muito para que a cidade ofereça, efetivamente, uma vida com qualidade à população mais velhaNo entanto, embora o município seja um centro médico de excelência, os serviços de saúde direcionados aos idosos têm muito a melhorar. “Não dependo da saúde pública, pois tenho um plano de saúde, mas é notório que as gestões municipais recentes deixaram a desejar em diversos aspectos”, opina o empresário.

Por outro lado, o advogado aposentado Déo Sant’Anna, de 85 anos, questiona o resultado da pesquisa que coloca Ribeirão Preto como a 6ª melhor cidade para os idosos viverem. Para ele, a colocação é um exagero diante da realidade vivida por essa parcela da população. “Há muito tempo o município perdeu seu destaque como prestador de serviços. O velho está se sentindo marginalizado”, afirma Déo.

O aposentado denuncia que o desmonte institucional perpetrado pela última gestão foi o principal responsável por negligenciar os serviços básicos à população, inclusive, para a parcela idosa. “Em razão dos problemas financeiros da Prefeitura, as casas assistenciais de apoio aos idosos estão sem receber verbas e precisam apelar para a ajuda popular. Isso sem considerar a questão do desemprego: se não tem emprego para o jovem, imagina então para o idoso”, acrescenta.

Aumento da expectativa de vida e desafios

Uma pesquisa feita pelo Centro de Pesquisas em Economia Regional (Ceper) com base em dados do último censo demográfico do IBGE, de 2010, mostra que a população idosa de Ribeirão Preto é maior do que a média registrada no Estado. De acordo com o estudo, 8,7% dos 604 mil habitantes da cidade (52,5 mil pessoas) tinham mais de 65 anos, número superior aos 7,8% da média paulista.

Estrutura pública ribeirãopretana que propicia esporte e lazer merece destaque No que diz respeito à probabilidade de sobrevivência do ribeirãopretano, a chance de uma pessoa chegar aos 60 anos na cidade passou de 79,6%, em 2000, para 85,5%, em 2010. Já no Estado, esse índice subiu de 79,2% para 84,3% no mesmo período. Além disso, a expectativa de vida registrada na cidade, em 2010, era de 75,7 anos, ao passo que o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) de Ribeirão Preto é de 0,855, considerado alto pela Organização das Nações Unidas (ONU).

O aumento da longevidade do ribeirãopretano que, em 2010, era de 75,7 anos, é um reflexo da melhoria das condições de vida e econômicas da população. Apesar disso, o panorama atual já apresenta uma série de desafios para os cuidados com aqueles que tenderão a viver cada vez mais. 

De acordo com Formighieri, são diversos os desafios, nada fáceis. “É preciso qualificar mais profissionais para o atendimento a esta população nas mais diversas áreas, estruturar espaços adaptados e específicos, ampliar a disponibilidade de serviços de saúde em domicílio, viabilizar a mobilidade urbana, levar a sério as questões de acessibilidade, organizar e ampliar serviços de assistência social e proteção ao idoso, além de desenvolver, na velocidade do crescimento da demandam, os serviços hoje disponíveis para que não sejam inviabilizados”, elenca.

Incerteza sobre o futuro

Na opinião de José Luiz, a Saúde ainda deixa muito a desejarO sociólogo Ubaldo Silveira chama atenção para o fato de que, embora Ribeirão Preto, quando comparada a outras cidades, proporcione melhores condições de vida e econômicas para população, a cidade tem muito a evoluir para conseguir assegurar essa situação nos próximos anos. “Realmente, o município dá boas condições de vida para a população envelhecer bem — isso, muito por conta de fatores favoráveis, como solo, clima, vegetação, oportunidades de emprego, educação, alimentação e saúde. No entanto, todos esses fatores positivos atuais ainda são reflexos do passado. Em um futuro próximo, nada garante que a cidade consiga proporcionar a mesma qualidade de vida, já que o aumento da poluição do ar e da contaminação do Aquífero Guarani são problemas cada vez mais preocupantes", analisa Ubaldo. 

Lacunas

As diferenças de disponibilidade de recursos do município — assim como nos demais — são grandes e cada bairro ou região tem características mais ou menos positivas. De todo modo, há muitas lacunas a serem corrigidas nas formas de proporcionar qualidade de vida aos idosos da cidade. De maneira geral, os pontos de maior déficit na cidade, segundo o geriatra Paulo Fernandes Formighieri, são:

• Mobilidade urbana: tanto as condições de calçadas e travessias de rua a pé, como vias de tráfego na periferia ou centro, como recursos coletivos ou condições de trânsito;
• Serviços de assistência social: com recursos subdimensionados, pouco eficientes, burocratizados e de difícil acesso;
• Serviços de proteção aos idosos: ainda pouco acessíveis, subdimensionados à demanda crescente, muitos deles desconhecidos da população;
• Baixa oferta de espaços coletivos e profissionais com formação específica para a atenção aos idosos nas diversas áreas, muito por conta de ainda ser um campo de desenvolvimento recente no país.

Instituições para idosos

Na mesma pesquisa, Ribeirão Preto ficou em 1º lugar entre as 500 cidades avaliadas em relação às Instituições de Longa Permanência para Idosos (ILPIs). Segundo a gestora da Casa do Vovô, Regina Nomura, a criação de legislações que exigem a profissionalização de abrigos filantrópicos para idosos, as chamadas ILPIs, é um dado crucial para a manutenção da qualidade de vida que Ribeirão Preto oferece a seus idosos.  

Regina afirma que, visando à proteção da população idosa residente nesses estabelecimentos, há uma série de requisitos a serem preenchidos pelas entidades, como o fortalecimento de vínculos das atividades de inclusão, passeios e acompanhamento psicológico, além da apresentação de relatórios qualitativos e quantitativos. “Quem ganhou com isso foi a população residente nesses locais. Antes, muitos dos abrigos serviam apenas como depósito de idosos, porém, hoje, são espaços que atendem com qualidade profissional”, acrescenta Regina.

O asilo Casa do Vovô, que atende a 83 idosos, possui um custo mensal de R$ 240 mil. Os repasses federais mensais, administrados pela Prefeitura, são de apenas R$ 20 mil, sendo que todo o valor restante vem doações privadas e pela dedução de 70 % sobre o salário mínimo do aposentado. Cada idoso custa à entidade cerca de R$ 2.100,00.

De acordo com a gestora, os últimos fechamentos mensais apresentaram déficit. Consequentemente, para manter a excelência dos serviços prestados aos idosos, Regina passou a não descartar a hipótese de diminuição no número de atendidos pela entidade.  “Tínhamos alguns parceiros, mas, em decorrência da crise, eles diminuíram. A Prefeitura, por sua vez, faz o uso das seis ILPIs disponíveis na cidade e os recursos oferecidos não custeiam as demandas de cada idoso. É pouco dinheiro para muitos atendidos”, destaca. 

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