A nova Ribeirão

A nova Ribeirão

A zona Leste se manteve nos últimos dez anos à margem do forte crescimento urbano identificado nas demais áreas de Ribeirão Preto

Há pouco mais de cinco meses, precisamente em 9 de junho de 2010, Ribeirão Preto deu um grande passo para promover urbanização com respeito à natureza. A conclusão do Relatório Técnico de Uso e Ocupação do Solo da zona Leste, realizado por um grupo de trabalho (GT - ZUE) convocado pelo Ministério Público, que propõe as diretrizes ambientais e urbanísticas para essa Zona de Uso Especial (ZUE), representa um marco para a cidade.

Palco de acirradas disputas entre agentes econômicos, ambientalistas, Ministério Público, Prefeitura e agências ambientais do Estado, em função da necessidade de preservação da área de recarga do Aquífero Guarani, a zona Leste se manteve nos últimos dez anos à margem do forte crescimento urbano identificado nas demais áreas de Ribeirão Preto. Após meses de debates, esses representantes estão em uníssono garantindo que a zona Leste pode — e deve — ser urbanizada, mas com cuidados especiais. “Foi um processo democrático longo onde comunidade científica, ambientalistas, empresários e governo puderam discutir, em ambiente totalmente aberto, como traçar uma perspectiva para o uso do solo naquela região, inclusive com a participação da imprensa. Esse é um exemplo de como se faz gestão pública numa perspectiva de desenvolvimento sustentável e de forma democrática”, afirma o promotor de Justiça do Meio Ambiente, Marcelo Pedroso Goulart. Para o promotor, as diretrizes propostas por esse Fórum representam um verdadeiro “tratado de paz”, desde que adotadas em sua totalidade.

Com o objetivo de diminuir ou impedir a impermeabilização do solo na região, garantindo a infiltração de águas pluviais para a recarga do aquífero, e também de restringir atividades poluidoras, visando garantir a qualidade das águas absorvidas, os participantes dos debates diagnosticaram o passivo urbano e ambiental da ZUE e fizeram propostas para a sua compensação ou mitigação, analisaram a questão da ocupação sustentada dos vazios urbanos sugerindo diretrizes para isso e também propuseram a limitação do perímetro urbano atual da zona Leste, destinando áreas para a futura captação superficial de recursos hídricos para o abastecimento urbano.

Para o diretor regional do Sindicato da Indústria da Construção Civil do Estado de São Paulo (SindusCon-SP), José Batista Ferreira, que participou das reuniões, o relatório põe fim aos entraves de desenvolvimento e propicia a idealização de uma nova cidade. “Como empresário da construção civil, que atua naquela região há alguns anos, mas com muita dificuldade de aprovação de projetos, vejo esse trabalho como um grande avanço. Foi uma discussão adulta de interesses que levou a um consenso para se resolver um impasse de urbanização e crescimento da cidade”, enfatiza. Segundo ele, diretrizes propostas de verticalização da urbanização com limitação de 21 metros de altura, manutenção da reserva de 35% para sistemas de áreas verdes e restrição da densidade populacional líquida de 650 habitantes por hectare só trarão benefícios. “Será a única região da cidade planejada, uma Ribeirão Preto diferente, com uma cara distinta, como o Plano Piloto de Brasília, com edifícios somente de oito andares, menos povoada e mais fresca que as demais regiões da cidade”, afirma o empresário.

A área liberada para uso e ocupação dentro desse estudo, que diminuiu a área urbana, corresponde a 10 milhões de m² e, dadas as peculiaridades das regiões que compõem a ZUE — características específicas em função das condições naturais (topografia, hidrografia, etc) ou do entorno (sistema aviário, etc) —, foi dividida em oito setores com diretrizes específicas para cada um deles, além das diretrizes gerais a serem consideradas para a implantação de todos os novos loteamentos ou empreendimentos.

Agora, o Ministério Público e a Prefeitura devem assinar Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) para a efetivação dessas diretrizes ambientais e urbanísticas da ZUE, que incluem a solução de problemas de saneamento básico inexistente, de sistemas de coleta de esgoto deficientes, de depósitos irregulares de resíduos sólidos, de drenagem urbana (vias públicas com trechos inundáveis) e da malha viária na região (que necessita da realização de obras como um viaduto de transposição da Via Anhanguera e a duplicação da av. Henry Nestlé e da estrada do Piripau).

Ampliando horizontes
A organização dessas diretrizes pelo GT-ZUE constitui um primeiro passo dado por Ribeirão Preto no sentido de planejar seu desenvolvimento. Uma próxima ação, muito bem vinda também pelos ambientalistas, comunidade científica e até profissionais do meio, seria a elaboração de diretrizes semelhantes para a construção civil contribuir ainda mais para a preservação do meio ambiente.
Além de políticas públicas, como a Resolução CONAMA nº 307 (de Gestão dos Resíduos da Construção Civil), de 5 de julho de 2002; a Lei Federal nº 9605 (dos Crimes Ambientais), de 12 de fevereiro de 1998 e das Normas Técnicas para os Resíduos da Construção Civil (volumosos, sólidos e inertes), outras diretrizes poderiam nortear esse processo, conduzindo à redução da geração de resíduos e ao melhor aproveitamento de materiais e das condições naturais.

Habituados ao desenvolvimento de projetos que incorporam iniciativas sustentáveis, o engenheiro civil Gerson Seluque e a arquiteta Carmem Correia pontuam esse como um grande desafio do setor, ordenando o planejamento, a drenagem do solo, a captação de água pluvial, o aproveitamento de condições naturais de iluminação e ventilação e o plantio de árvores, compatíveis com a proporção do terreno, como fatores indispensáveis a todo empreendimento. “Quando se elabora um projeto voltado para esse ‘selo verde’, é preciso tirar partido de tudo — topografia, insolação, ventos predominantes, etc — e tudo isso precisa ser estudado na implantação. Pode parecer mais caro utilizar outros materiais na construção e investir no tratamento do “esgoto cinza” (de chuveiros e torneiras dos banheiros) para reaproveitamento de água, por exemplo, mas no final esses custos se diluem pelo período de utilização e pela pouca ou nenhuma necessidade de manutenção. Isso sem contar o benefício para a natureza”, avalia Carmem Correia.

No caso da zona Leste, uma solução viável apontada pelo engenheiro para os novos empreendimentos seria a obrigatoriedade do uso de “trincheiras drenantes”, que garantiriam a mesma quantidade de absorção de água realizada naturalmente pelo solo durante as chuvas.

Para Gerson, que presta serviço em várias cidades da região, Ribeirão Preto está bem avançada em relação ao cuidado com as águas de chuva. “O município é um dos poucos que começaram a fazer lagoas de retenção de deflúvio, inclusive com legislação para isso. O relatório da ZUE demonstra os esforços no sentido de que a legislação de uso e ocupação do solo se modifique e acompanhe o ritmo acelerado de crescimento da cidade”, aponta.

Aquífero Guarani
Formado há cerca de 150 milhões de anos, o Aquífero Guarani é considerado um dos maiores reservatórios de água doce subterrânea do planeta, com área total de 1,2 milhão de m² e volume estimado em 50.000 km³ de água. Situado em grande parte (70% do seu total) em solo brasileiro e distribuído por seis estados, entre eles São Paulo, o aquífero se estende pela região Leste de Ribeirão Preto, sendo responsável por todo o abastecimento de água da cidade. Continuamente abastecido pela infiltração das águas da chuva nas chamadas áreas de afloramento — características da região leste do município — consideradas mais vulneráveis à contaminação, o aquífero precisa ser protegido dos impactos da atividade humana na superfície, que ameaçam sua integridade, afinal, o reservatório é considerado estratégico e vital para as futuras gerações.

Texto: Yara Racy
Fotos: Juliana Buosi, Francisco Naccarato e divulgação

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