A passos lentos

A passos lentos

Perda do patrimônio genético de 45 espécies de árvores nativas da região de Ribeirão Preto ainda não foi reparada

Em entrevista para o portal da Revide, responsáveis pelo grupo técnico do GT Floresta/Comissão do Meio Ambiente, do campus da USP-RP, explicam o trabalho de recuperação do Banco Genético de espécies de árvores nativas da região, perdido após o incêndio de 2011.

Participam do Grupo de Trabalho: a profa. Dra. Elenice Mouro Varanda, o prof. Dr. Marcelo Tadeu Motokane, docentes do Dep. Biologia/FFCLRP/USP, o técnico agrônomo Antonio Justino da Silva, funcionário do Serviço de Áreas Verdes e Meio Ambiente – PUSP RP, a doutoranda do PPG em Entomologia/FFCLRP/USP, Fabiana Palmeira Fragoso e o técnico José Ricardo Barosela, do Dep. Biologia/FFCLRP/USP.

O trabalho desenvolvido pela equipe, além de recuperar a vegetação e manter parte da diversidade biológica perdida pelo uso da terra, pretende ser fonte de sementes de alta qualidade para restaurações florestais.

Quando o Banco Genético teve início e por quê?
Até 1986 havia uma área do campus da USP de Ribeirão Preto arrendada para o cultivo de cana-de-açúcar e, vencido o contrato com a fazenda vizinha, com o objetivo de dar um destino mais nobre a esta área degradada por anos de cultivo, foi proposto um projeto de restauração da floresta original que cobria o campus antes da chegada do café na nossa região. Após mais de dez anos de discussões, foram destinados 75 ha para a implantação da Floresta da USP-RP, que representou aumento de 20% na área verde urbana de Ribeirão Preto. Foi plantada em duas etapas: a primeira, entre 1998 e 1999, recuperou 30 ha de mata com mais de 50 espécies nativas da floresta estacional semidecidual, que é a fisionomia da Mata Atlântica do interior do Estado de São Paulo, e na segunda etapa do plantio foi implantado, entre 2000 e 2004, um Banco Genético. O nome dado a esta parte de Floresta da USP é devido à sua alta variabilidade genética conseguida pelo modo especial de produção e mudas. Foram coletadas sementes de 75 árvores-mãe (denominadas de matrizes) de cada uma das 45 espécies plantadas.  O resultado foi o de uma floresta que, além de recuperar a vegetação e manter parte da diversidade biológica perdida pelo uso da terra, serviria, no futuro, como uma fonte de sementes de alta qualidade para restaurações florestais. Foi muito difícil localizar árvores para a coleta de sementes, pois a vegetação original da região está extremamente fragmentada e os remanescentes são muito pequenos. Assim, foram visitadas mais de 400 áreas florestais das bacias dos rios Pardo e Mogi-Guaçu, para que as 3.375 árvores-matrizes necessárias pudessem ser encontradas.

Quem desenvolveu o trabalho de implantação do Banco Genético?
A coordenação da implantação foi da Comissão de Reflorestamento da Prefeitura do Campus da USP-RP. O prefeito à época era o Prof. Moacyr Mestriner. Pelo seu ineditismo e complexidade, a implantação do Banco Genético demorou quatro anos e envolveu o apoio, além da Reitoria da USP e da Prefeitura do Campus, de docentes e pesquisadores de diversas unidades da USP e de outras instituições como a Fundação Florestal da Secretaria do Meio Ambiente do Estado, além de parcerias com a ONG Verde Tambaú e proprietários rurais. Tivemos o envolvimento de muitos funcionários e de alunos de graduação e de pós-graduação, principalmente, do curso de Ciências Biológicas da Faculdade de Filosofia da USP-RP.

Qual a importância desse trabalho?
Sua maior importância é a de preservar em um só local uma excelente amostra da diversidade de espécies arbóreas desta região. Seu pioneirismo também deve ser destacado, pois foi a primeira vez que se implantou no país uma floresta com espécies nativas com esta riqueza e com mudas produzidas a partir de sementes originadas de tantas matrizes. A repercussão de sua implantação foi muito grande em toda a região e mesmo fora dela. Deve ser destacado também que, desde a sua implantação, a Floresta da USP-RP tem sido utilizada como laboratório para investigações científicas relacionadas às diversas áreas da biologia, como ecologia, genética, zoologia e botânica. Em 2005, foi instalado o Centro de Estudos e Extensão Florestal da USP (CEEFLORUSP) que organiza atividades relacionadas à Floresta, oferece cursos, treinamentos e faz parcerias com o intuito de capacitar pessoas e estimular a recuperação de áreas degradadas na região. Além disso, recebe, em visitas monitoradas, centenas de estudantes de todos os níveis e desenvolve atividades de educação ambiental.

Qual a consequência do incêndio de 2011?
No dia 16 de agosto de 2011 um incêndio criminoso destruiu quase 30 hectares do Banco Genético, causando uma perda inestimável do patrimônio genético de 45 espécies de árvores nativas da região de Ribeirão Preto. O incêndio foi amplamente divulgado na mídia e causou consternação em todas as pessoas preocupadas com a qualidade do meio em que vivemos. A importância de se recuperar esta área da floresta é inquestionável, pois o que perdemos foi uma grande parte de um patrimônio ambiental público.
 
O que tem sido feito para recuperar o banco após o incêndio?
A Floresta do campus de Ribeirão Preto foi declarada Reserva Ecológica pela Reitoria em 2012 e, consciente da importância do Banco Genético para a manutenção de espécies nativas da nossa região, a Superintendência de Gestão Ambiental da USP destinou uma pequena verba para iniciarmos a sua reconstrução de acordo com o projeto para seu manejo e recuperação elaborado pelo GT Floresta da Comissão de Meio Ambiente da USP com a participação do CEEFLORUSP. No entanto, apesar do apoio da SGA e do trabalho do CEEFLORUSP junto à comunidade, a restauração do Banco Genético após o incêndio tem caminhado numa velocidade muito aquém da prevista pelo GT. A administração da prefeitura do campus, anterior e atual, tem outras prioridades e seus funcionários, que trabalharam na sua implantação do início da dácada passada, hoje desenvolvem outras funções. Infelizmente, alguns destes não podem ser facilmente substituídos, pois parte das atividades para a implantação de um banco genético deste tipo exige experiências, como a identificação das espécies de árvores que podem ser utilizadas como matrizes fornecedoras de sementes e a localização das melhores áreas para as coletas. O CEEFLORUSP espera que a administração se sensibilize com a importância deste projeto e que, em breve, a situação seja revertida. Assim poderá recuperar a Floresta da USP e legar este importante patrimônio biológico para as futuras gerações.

Cite alguns exemplos de espécies do banco importantes para a região:
Para uma região que tem um histórico de grande destruição de suas florestas nas últimas décadas, todas as espécies implantadas no Banco Genético são importantes. Podem ser citadas algumas espécies mais conhecidas do público em geral que foram plantadas como embaúba, aroeira-vermelha, quaresmeira, guapuruvu, amendoim-do-campo, angico- branco, araribá, ipê-branco, paineira, louro-pardo, cedro, jequitibá-branco, jequitibá-rosa, pau-marfim, amendoim-do-campo, angico-branco e araribá.

Alguma espécie foi perdida e não terá como ser reposta?
Algumas espécies, como o guarantã e o pau-marfim, por exemplo, não resistiram ao fogo. São espécies de crescimento lento e ainda tinham um porte muito pequeno quando da ocorrência do incêndio e todos os indivíduos foram perdidos. No entanto, há a possibilidade de se coletar novamente as sementes e produzir novas mudas. Para o pau-marfim será mais difícil, pois ocorre muito raramente na região.

De acordo com o prefeito do Campus da USP em Ribeirão Preto, prof. Dr. Osvaldo Luiz Bezzon, após o incêndio a prefeitura do campus tomou providências basicamente de intensificação e aprimoramento de ações, no que diz respeito à ampliação do número de aceiros na floresta USP e imediações, inclusive com a aquisição de trator de maior porte, além de intensificação de rondas nas áreas de risco.

Com base em orientações do corpo de bombeiros e da superintendência de segurança da Universidade, foram comprados vários equipamentos para combate primário a incêndio, como por exemplo, bomba costal, macacão e botas específicas para essa atividade. Está em andamento a aquisição de caminhão auto bomba de pequeno porte, para locais de difícil acesso. Também se encontra em fase final de elaboração edital de licitação para aquisição de torres e instalação de câmeras de monitoramento.

Revide Online
Fotos: Carolina Alves

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