Atenção ao presente

Atenção ao presente

Meditação, especialmente a técnica mindfulness, ganha espaço nas universidades, nas pesquisas científicas, nos consultórios de psicoterapia e no cotidiano

Texto: Gabriela Maulim | Fotos: Luan Porto


A meditação é uma técnica milenar. A prática, inicialmente utilizada para o autoconhecimento pessoal, espiritual e para o relaxamento, vem ganhando o aval científico com pesquisas que comprovam efeitos positivos na saúde humana. Além de estar conquistando o espaço em universidades e nos consultórios de psicoterapia, muitas pessoas também têm aderido à prática no cotidiano.

É o caso de Carla Simão Zampini, 46 anos, que descobriu a meditação depois de iniciar aulas de yoga em um período sabático. “Após vinte anos de trabalho em uma empresa de grande porte, resolvi iniciar um novo ciclo profissional, o qual almejava descobrir ao longo de um período sabático. Foi então que dentre as atividades que pude resgatar e experimentar, comecei a praticar aulas de yoga, pelas quais me apaixonei de imediato e onde tive o primeiro contato com a meditação”, conta.

Segundo Carla, durante o período sabático, ela realizou pesquisas e avaliou os benefícios oferecidos pela meditação. “Foi apresentado o programa, que passei a estudar e que me permitiu compreender meu novo objetivo: participar do processo de Formação Profissional em Mindfulness - Atenção Plena”, lembra. Foi assim que ela iniciou a prática de meditação, que foi compreendida nos cursos do programa de formação, ainda em andamento, e em outros paralelos, como o Curso de Meditação Transcendental, que a permitiu enriquecer o aprendizado sobre o método.

Carla Simão Zampini descobriu a meditação após iniciar aulas de yogaNo início, Carla procurou a meditação com o objetivo de se capacitar nas técnicas do programa, mas admite que há diversos benefícios que envolvem a prática. “Hoje reconheço que este é um processo longo e contínuo, de aprendizado constante, que requer paciência, persistência e dedicação. É um processo maravilhoso de autoconhecimento e que contribui significativamente para o alívio da ansiedade”, comenta.

Carla afirma que a meditação faz parte de sua rotina diária. Ela explica que logo pela manhã, ao acordar, e antes de qualquer atividade, dedica seu tempo a meditar. Muitas vezes, também, ao longo do dia, mas em um período menor. “A prática de meditação é um exercício diário e contínuo. Os benefícios, após a prática regular, poderão ser percebidos ao longo de dias, semanas, meses, anos. Dentre os benefícios obtidos, de forma resumida e simples, está o processo de equilíbrio entre você e seus pensamentos. Auxilia no autocontrole, ou seja, permite reconhecer nossas emoções e sentimentos e responder de forma mais adequada em cada situação”, pontua Carla, que recomenda a prática. “No passado, quando as pessoas me relatavam sobre a prática de meditação e suas conquistas, eu pensava que isso não era para mim, que não conseguiria tirar alguns minutos e parar para meditar. Cheguei até a comprar um livro por recomendação — ‘Meditação para quem acha que não consegue meditar’ —, mas não precisei dar sequência à leitura: a prática me conquistou antes disso. Recomendo para todos, seja criança, jovem ou idoso, pois acredito que é um processo contínuo de transformação que contribui para a saúde mental”, finaliza Carla. 

CIÊNCIA X MEDITAÇÃO

Edilaine C. Silva Gherardi-Donato é professora associada do Departamento de Enfermagem Psiquiátrica e Ciências Humanas da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (EERP-USP). PhD e pós-doutora em Saúde Mental, instrutora sênior de Mindfulness MTI - Mindfulness Trainings International, líder do grupo de Estudos e Pesquisa em Saúde Mental e coordenadora do Centro de Mindfulness e Terapias Integrativas, ambos da EERP-USP, ela sempre teve sua trajetória profissional atrelada à saúde mental. “Ao iniciar minha carreira docente na USP, em 2007, estabeleci minha temática de pesquisa dentro da linha de promoção em saúde mental, com enfoque nas questões relativas ao estresse. A busca por perspectivas de intervenção a um conjunto crescente de problemáticas que interferem no nível de saúde mental da população me direcionaram às práticas de mindfulness. O avanço das neurociências realmente nos ajudou, enquanto pesquisadores e entusiastas de um cuidado em saúde mais humanizado e potencializador das habilidades humanas para enfrentar o sofrimento da vida contemporânea”, explica.

A especialista explica que, entre as evidências científicas da meditação, destacam-se os efeitos de redução dos níveis de cortisol, que impactam na qualidade do sono, no processo de envelhecimento celular, na resposta imunológica, nos processos inflamatórios e na estrutura do tecido cerebral. “Pessoas que participaram de programas para prática de mindfulness por oito semanas reportaram benefícios como maior satisfação com a vida, com o trabalho e com os estudos, além de apresentarem maior criatividade, senso de pertencimento, compaixão e contentamento”, argumenta.

Edilaine C. Silva Gherardi-Donato afirma que pessoas que participaram de programas para prática de mindfulness reportaram benefíciosAlém disso, segundo a professora, estudos que utilizam de medidas de efeito baseadas em neuroimagem têm mostrado que os estados mentais desenvolvidos em algumas práticas dessa modalidade de meditação, como a bondade amorosa e a compaixão, acionam áreas cerebrais relativas às emoções positivas. “Esses estudos também apontam para uma reconfiguração neural que explicaria a redução do sofrimento emocional, da perda cortical pelo envelhecimento e da resposta inflamatória”, completa Edilaine.

Segundo a especialista, há muito a se fazer para compreensão e produção de evidências científicas nessa área. “Os estudos ainda apresentam limitações metodológicas que aos poucos têm sido superadas com análises mais controladas e com maior nível de evidência. Considero um desafio para a pesquisa em mindfulness a grande diversidade das práticas contemplativas, dos protocolos, do tempo de seguimento dos participantes e dos instrumentos de medida”, ressalta.

O grupo de pesquisa da professora tem se dedicado a estudar os efeitos da prática de mindfulness aplicada a diversas populações, entre elas, estudantes, trabalhadores com alto nível de estresse, profissionais de saúde, mulheres e crianças expostas à violência, mulheres com disfunção temporomandibular, hipertensos e pessoas diagnosticadas com transtornos mentais. “Os estudos encontram-se em diferentes fases. Os resultados obtidos até o momento evidenciaram que, após participar do programa de prática de mindfulness por oito semanas, houve redução de estresse, ansiedade e depressão em estudantes, trabalhadores técnico-administrativos e profissionais de saúde. Entre as mulheres expostas à violência interpessoal, observamos, além da redução de estresse percebido, ansiedade e depressão, melhora dos sintomas de estresse pós-traumático. Mulheres com disfunção temporomandibular dolorosa crônica apresentaram alteração nos parâmetros clínicos sugestivos de sensibilização central, como limiar de dor à pressão, alodinia e hiperalgesia”, afirma Edilaine. 

Ainda segundo a pesquisadora, foram reportados, pelas pessoas pesquisadas, a adoção de comportamentos mais saudáveis, a aquisição de maior habilidade para lidar com situações estressantes e de uma perspectiva mais positiva da vida.

Edilaine completa que encontra alguns desafios relacionados ao receio da ciência em relação à meditação, mas o envolvimento de renomadas universidades tem mudado esse cenário. “É uma questão delicada, pois estamos falando de práticas integrativas em saúde, as quais partem de uma concepção do ser humano integral — corpo, mente e espírito —, não apenas os sinais e sintomas que indicam um diagnóstico. Contudo, o envolvimento de prestigiadas universidades e pesquisadores, bem como o avanço das pesquisas em neurociência, em todo o mundo, têm contribuído para o reconhecimento da temática em países como o Brasil”, conclui a pesquisadora.

A PRÁTICA DE MINDFULNESS

Praticar mindfulness é um exercício de atenção, concentração e presença em que o individuo intencionalmente escolhe e permite estar no momento presente e tomar consciência da experiência sem julgamento ou reatividade. “Do ponto de vista do funcionamento mental, a prática de mindfulness promove melhor sustentação, controle e eficiência da atenção. Em termos emocionais, a atenção qualificada favorece a seleção dos estímulos emocionais para observação, proporcionando a tomada de consciência desses estímulos e das reações correspondentes”, explica Edilaine.

A especialista afirma que a pessoa começa a treinar a mente para estar mais aberta às experiências e não prescrever os momentos, as situações, as emoções e as sensações corporais com base no seu passado ou influenciada por preocupações sobre o futuro, passando a considerar que tudo é impermanente. “Mesmo sua experiência de emoção ou sensação física que é forte e desagradável, você pode ajudar sua mente a entender que a situação vai passar. Você não é sua ansiedade ou sua dor, você é um ser humano completo. É uma atitude de simplesmente tomar consciência do que está presente no momento — pode ser medo ou raiva, entre outros sentimentos —, com gentileza e cuidado consigo mesmo”, destaca.

De acordo com Edilaine, o método pode ser praticado sozinho, pois ele é uma forma de cuidado em que o indivíduo não precisa de um profissional para sempre. Mas, antes, é necessário um treinamento estruturado, pois, assim, o interessado poderá adquirir um repertório de experiências e autonomia para dar continuidade ao cultivo do estado de atenção plena, incorporando-o às atividades diárias. “Depois de aprender a desenvolver e cultivar a habilidade de acessar esse estado mental, você pode continuar praticando e recebendo os benefícios da prática. É tudo baseado na experiência da pessoa. Não é baseado nas percepções de um profissional. O que o instrutor da prática faz é motivar e criar ambientes para que as pessoas tenham seus próprios insights e possam estar mais conscientes de suas próprias vidas, sensações, emoções, comportamentos e escolhas”, pontua.

O mindfulness pode ser praticado por qualquer pessoa, entretanto, a especialista alerta que a participação em treinamentos, como programas de oito semanas, não é recomendada para as que estejam em fase aguda de alguma condição clínica ou psiquiátrica.

MEDITAÇÃO COMO TRATAMENTO 

Segundo Marta Leal Rosa, que é especialista em terapia e psicoterapeuta integrativa, a meditação como forma de tratamento é indicada para todos. “As práticas meditativas, na amplitude de suas abordagens, podem beneficiar pessoas de todas as idades. Incluímos até o período intrauterino, em que as práticas meditativas atuam no bom desenvolvimento do feto e na inicial relação entre mãe e filho, fortalecendo e harmonizando esse encontro até o nascimento, com a chegada dessa nova vida, e dessa nova relação, com equilíbrio e serenidade”, afirma a especialista, que afirma incluir, também, pacientes psiquiátricos, em que métodos específicos trazem claros benefícios.

O tratamento executado por Marta apresenta o foco integrativo, sendo assim, a pessoa é acompanhada a partir de seus quatro principais “pilares”: físico, mental, emocional e espiritual. “A pessoa desenvolve qualidade de atenção e se fortalece, começando a expansão de sua consciência. O que traz no inconsciente, que não se sabe, mas que está travando a vida em várias áreas, passa a ser conhecido, identificado e pode, assim ser desintegrado e liberado”, explica.

De acordo com a terapeuta, as mudanças emocionais podem ser notadas desde a primeira aplicação das técnicas. “Quem realmente determina o tempo é a própria pessoa, com a sua história e a sua disponibilidade interna”, ressalta.

Marta indica que as práticas sempre precisam de orientações para serem iniciadas de forma adequada.“É importante ter uma orientação no início. É preciso ter um conhecimento mínimo. Por exemplo, existem práticas atencionais que indicam respirações específicas para a ansiedade, e outras específicas para a depressão, que vão em caminhos diferentes. Como se está respirando precisa ser avaliado antes de iniciar um trabalho sério e responsável com as práticas meditativas”, finaliza a especialista. 

Cultivando mindfulness

Desde o dia 17 de junho, o Centro de Mindfulness e Terapias integrativas da EERP-USP em parceria com o MindfulSpace, oferecem o Estúdio Cultivando Mindfulness, que são encontros para prática no formato on-line, aberto ao público e gratuito. Os encontros acontecem às quartas-feiras, às 18h, com transmissão no canal do YouTube da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto USP.

Para o alívio da ansiedade

Sonia Maggiotto, instrutora de yoga e meditação, afirma que a prática oferece um momento para a autoconexão do indivíduo, trazendo-o para o momento presente. É por isso que ajuda com a ansiedade, pois, segundo a especialista, esses sintomas são sentidos por conta de a pessoa estar focada no futuro. “Com a prática da meditação, a mente fica mais focada. Na verdade, a meditação é uma oportunidade de aquietar mente e corpo, com foco no aqui e agora. Para isso, podemos utilizar algumas ‘âncoras’ para ajudar esse momento de concentração, que trazem um descanso para a mente. Com disciplina e constância na prática, além da ansiedade, outros desconfortos podem ser amenizados”, ressalta.

Para começar a colocar em prática a meditação em casa, Sonia oferece algumas dicas. “Em primeiro lugar, acho bastante interessante também a prática de yoga, com as posturas físicas. As posturas preparam o corpo para garantir firmeza e conforto durante a meditação. Se há dores nas pernas, ou qualquer desconforto físico, compromete a meditação”, explica a instrutora.

Dicas

• Primeiro, encontre um local tranquilo;

• Escolha uma posição sentada confortável. Pode ser no chão ou numa cadeira. O importante é que seja confortável, com a coluna ereta e que não haja necessidade de se mexer por alguns minutos;

• Tenha a atenção no corpo e foco na respiração. A partir daí, a meditação escolhida pode ser conduzida e acontecer;

• Tente praticar no mesmo horário todos os dias, para condicionar a mente para o momento de meditação, de pausa;

•  Não crie expectativas, relaxe, que os resultados aparecem.

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