Bem envelhecer

Bem envelhecer

Com presença marcada em evento da Revide em outubro, o médico cancerologista Drauzio Varella debate os efeitos da passagem do tempo

Envelhecer não é mais tabu: é realidade e cada vez mais presente. O Brasil tem experimentado uma inversão populacional ao longo dos anos, com o aumento da longevidade e da expectativa de vida — que gira, hoje, em torno dos 76 anos, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Em Ribeirão Preto, já são mais de 106 mil pessoas que ultrapassam os 60 anos. A imagem do velhinho sentado na cadeira de balanços, no entanto, foi substituída por grisalhos (ou não) com rotina ocupada, ativos e trabalhando.

Essa mudança de paradigma, inclusive, é considerada, segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS) como “Envelhecimento Ativo”: hoje, recomenda-se que os adultos gastem energia ao invés de poupá-la, como faziam há décadas.

Foi considerando essa transformação na realidade que a Revide decidiu iniciar um novo projeto e lançar a Revide Ancienne, revista destinada ao público 60+ da cidade. A publicação aborda temas relacionados à longevidade, à qualidade de vida e ao bem-estar, tratando de assuntos que dizem respeito à passagem do tempo com leveza e profundidade.

Para marcar a novidade, a Revide Ancienne trará para Ribeirão Preto o médico Drauzio Varella com a palestra “Envelhecimento com qualidade de vida”, realizada em 7 de outubro, às 19h30, no Theatro Pedro II. Ao adquirirem os exemplares por 12 meses, os assinantes da nova revista garantem um ingresso para o bate-papo com o especialista.

Conhecido em todo o território nacional por simplificar conceitos da medicina e indicar aplicações cotidianas, Drauzio Varella é cancerologista formado pela Universidade de São Paulo (USP). Nasceu na capital, em 1943, e por 20 anos dirigiu o serviço de Imunologia do Hospital do Câncer (SP). Autor do livro Estação Carandiru, obra vencedora do Prêmio Jabuti de 2000 e adaptada ao cinema, Drauzio, atualmente, comanda uma série de reportagens sobre Depressão no programa Fantástico, da TV Globo.

Em conversa com a Revide, o médico destaca que bons hábitos são determinantes para chegar à terceira idade com saúde e bem-estar. “Sabemos, hoje, que doenças consideradas típicas do envelhecimento e quase obrigatórias, como hipertensão arterial, são patologias muito ligadas ao comportamento e ao estilo de vida. Se a pessoa não fuma, se pratica atividade física, se tem uma dieta mais saudável, não fica, obrigatoriamente, doente”, observa.
 Não há base científica que comprove a eficácia das vitaminas, que movimentam bilhões de dólares no mundo
O envelhecimento é um processo fisiológico, mas podemos considerar que esteja atrelado a um processo mental?

Sim, obrigatoriamente. Não é possível separar um do outro, porque existe uma diversidade muito grande no processo do envelhecimento. Há casos de quem envelhece precocemente, com fatores biológicos envolvidos, mas, com certeza absoluta, causas comportamentais. Outras pessoas envelhecem mais tarde, mas só as causas biológicas não explicam. Elas têm disposição, características de enfrentamento dos problemas, otimismo e curiosidade sobre a vida.

O processo de envelhecimento é mais doloroso por exaltarmos a juventude?

Acho que sim, mas isso vem mudando ao longo do tempo. Há dez anos, por exemplo, toda publicidade era dirigida aos mais jovens. Isso tem se transformado, principalmente por uma diferença relativamente grande do mercado. Hoje, o consumidor não é o mais jovem. Ele está ficando velho. Além de tudo, essa exaltação da juventude como se fosse a maior fase da vida, de mais realizações, é mentirosa. Cria-se esse mal entendido de que todos acham que se chegarem aos 40 anos, a vida se encaminha para o fim. E não é assim. 
 
O conceito de retardar o envelhecimento está em alta. O que, basicamente, significa postergar a velhice?

O conceito é mais relacionado a retardar o adoecimento, porque um dia todos nós vamos ficar velhos. Todos os dias, caminhamos para a velhice. No entanto, o que mudou no conceito atual é que hoje sabemos que doenças antes consideradas típicas do envelhecimento, quase obrigatórias, como hipertensão arterial, estão muito conectadas ao comportamento e ao estilo de vida de cada um. Se a pessoa fuma, se pratica atividade física, se tem uma dieta mais saudável, com pouca gordura e muitos vegetais, não é obrigada a adoecer. Ter diabetes aos 50 anos, por exemplo, é algo que pode ser evitado. Hoje, podemos ter uma vida mais plena e mais saudável, com condições de envelhecer melhor.

Muito se fala sobre o envelhecimento ativo, conceito adotado pela Organização Mundial da Saúde. O que isso significa?

Houve uma mudança de paradigma da Medicina da metade do século passado para cá. Antigamente, quando uma pessoa atingia os 50 anos, por exemplo, tinha de fazer repouso, ficar na cama. Em muitos casos, ficava sem se mexer para uma cicatrização qualquer. Antes, pregava-se o armazenamento de energia. Hoje, recomenda-se o contrário. A saúde está no movimento, não no repouso. E essa foi uma mudança muito importante ao longo dos anos. Sabemos, por exemplo, que a obesidade está associada a diversos problemas de saúde, o que nos permite tomar decisões para diminuir os problemas de uma forma geral, fechando o cerco. 

Atualmente, existem diversas pesquisas no sentido de retardar o envelhecimento. Uma reportagem do jornal O Globo mostrou que pesquisadores de Londres estão encontrando formas de retardar a menopausa em 20 anos. Como definir o limite entre alternativas saudáveis e os excessos cometidos para esse retardamento?

É importante destacar que existe toda uma indústria ligada a propostas de retardar o envelhecimento. Essa indústria engloba as vitaminas, os revigorantes, as inúmeras substâncias que prometem a juventude sem nenhuma base científica para isso. Existe um mercado grande de consumidores para esses produtos que movimenta bilhões de dólares no mundo todo. Só nos Estados Unidos, são movimentados 20 bilhões de dólares anuais com as vitaminas. Mas o resultado dessas substâncias não existe. É um sonho de cada um de nós, mas não existe comprovação. O que nos resta é ter uma vida ativa, com atividades físicas regulares, não comer tudo o que oferecem, tomar cuidado com açúcar e gordura (especialmente de alimentos industrializados) e criar uma participação ativa sobre esse processo de envelhecimento. Não adianta pensar que vai ficar sentado o dia inteiro, consumir bebida alcoólica e comer mal que apenas um comprimido vai resolver. Infelizmente, isso não existe.

Segundo Drauzio Varella, Brasil ainda carece de políticas públicas para atingir quem está próximo da terceira idadeO que fazer para conquistar um envelhecimento saudável?

Basicamente, cultivar hábitos saudáveis, como não beber muito, não fumar, não usar drogas psicoativas (entre elas comprimidos para dormir) e não ganhar peso excessivamente. Existem casos, inclusive, de pessoas que possuem excesso de peso, mas são ativas. Se não forem, nem adianta estar numa faixa de peso adequada.

O Brasil está preparado para uma população que será composta por mais idosos do que jovens? O que o país precisa fazer para se adequar?

Nem o Japão está preparado. É um país rico, mas enfrenta problemas sérios. Por lá, os habitantes passaram de 80 anos de expectativa de vida. Mas quem cuida dessas pessoas? Em determinada idade, elas passam a apresentar demência ou limitações físicas importantes. O Japão, que possui um sistema de saúde organizado, não está conseguindo absorver toda a demanda com tranquilidade. O que dizer do Brasil? Por aqui, nós estamos na idade da Pedra. Não temos qualquer política pública implementada que seja abrangente para atingir a população que está próxima da terceira idade. Inclusive, nosso país envelhece muito mais rapidamente do que outros países. O processo de envelhecimento que levou 100 anos para ocorrer na Europa aconteceu em 50 anos no Brasil. Cada vez mais, as pessoas envelhecem. Isso é bom por um lado: significa que estamos vivendo mais e que a expectativa de vida cresceu. Em contrapartida, isso cria um desafio para o sistema de saúde e o que não pode é acontecer o que acontece hoje. Os brasileiros envelhecem mais e envelhecem mal. Metade da população de 60 anos tem pressão alta, 14 milhões de pessoas estão com diabetes e, hoje, aproximadamente 9% da população fuma, o que ainda é muita gente. Existem diversos problemas graves de saúde e precisamos começar a trabalhar a prevenção deles. Não podemos esperar um hipertenso ter um derrame para fazer o diagnóstico. Não podemos esperar um diabético ter um infarto para fazer o acompanhamento. Temos de antecipar esses problemas. 

Texto: Marina Aranha Fotos: divulgação

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