Bem Vindos à Nova Biblioteca

Bem Vindos à Nova Biblioteca

Aconchego para livros e leitores se abre à população com a reforma da Biblioteca Altino Arantes, que, totalmente repaginada, passa a se chamar Sinhá Junqueira

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Texto: Tainá Colafemina
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Um espaço vivo. É assim que a Biblioteca Sinhá Junqueira reabre suas portas. A restauração do patrimônio ribeirãopretano, que começou a ser planejada em 2013, resultou em um ambiente inclusivo e agregador de possibilidades, em que as memórias e a história se unem a novas ideias.

A Fundação Educandário, entidade responsável pela biblioteca, inspirou-se em duas das bibliotecas mais novas do Estado de São Paulo: a Biblioteca São Paulo e a Biblioteca Parque Villa Lobos, para idealizar uma nova ideia de espaço literário para Ribeirão Preto. “Fui atrás das pessoas que tinham idealizado aquelas bibliotecas. Eu contratei essas pessoas, tanto na assessoria, para criar um ambiente moderno, quanto para selecionarmos os demais profissionais que pudessem ajudar. Com esses profissionais especializados, fizemos esse projeto. A consultoria foi prestada por Adriana Ferrari. Ela é uma especialista em bibliotecas e, na época, era responsável por todas as ligadas à Secretaria de Cultura do Estado de São Paulo. Hoje já não é mais, mas tem experiência na administração de grandes bibliotecas e foi a principal assessora nesse projeto”, explica Marcos Awad, presidente da Fundação Educandário. O projeto arquitetônico foi feito pelo arquiteto Dante Della Manna, que assina, também, outros espaços culturais de grande destaque, como a Biblioteca Parque Villa Lobos e a Biblioteca Parque da Juventude, em São Paulo. 

100%

Para a restauração, o projeto contou com a experiência da especialista Maria Luiza Dutra. “Com o projeto do Dante, da Maria Luiza e com a assessoria da Adriana, que, inclusive, acompanhou todas as etapas, criamos esse espaço que tem uma parte restaurada e uma parte moderna, e submetemos aos órgãos de tombamento e à Prefeitura”, relata Marcos. O processo de aprovação junto aos órgãos executivos durou cerca de dois anos, segundo ele, mas nada precisou ser mudado. A proposta idealizada foi aprovada pelo Conselho Municipal de Preservação do Patrimônio Cultural (Conppac) e pelo Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico do Estado de São Paulo (Condephaat).

Após essa etapa, o orçamento foi aprovado junto ao Conselho da Fundação Educandário. “A Fundação é uma instituição privada, com recursos próprios, que fez esse investimento, porque foi criada por Sinhá Junqueira, e uma das informações do testamento de Sinhá, um dos desejos dela, era uma biblioteca. Por isso, pudemos fazer esse investimento, que era um sonho de quem apostou nesse patrimônio”, aponta Marcos.
A homenagem ao legado de Sinhá Junqueira também está no nome da biblioteca, anteriormente chamada de Biblioteca Cultural Altino Arantes. “No testamento de Sinhá Junqueira, ela deixou recursos para que se abra a biblioteca e o nome que ela escolheu à época foi Biblioteca Cultural de Ribeirão Preto. A biblioteca foi criada e, em dado momento, o conselho da Fundação decidiu trocar o nome para Altino Arantes. É uma homenagem, também, muito rica. Altino Arantes foi uma das pessoas mais próximas de Sinhá e um homem público, importante política e socialmente. Como ela deu a ideia e deixou seu patrimônio para a abertura da biblioteca, além de ser a fundadora da Fundação Educandário, de onde vem o dinheiro dessa restauração, o conselho achou justo que o novo nome fosse o dela”, explica Marcos.
As novidades da biblioteca não estão só nos novos espaços, mas na funcionalidade do patrimônio. Clubes de leitura, eventos literários, saraus e um calendário de eventos são previstos pela equipe. “Esperamos que seja um espaço de difusão cultural, onde as pessoas possam ir para estudar, entre outras atividades. Que esse novo formato ajude a comunidade a ter um contato mais próximo com a cultura e com a literatura. Essa é a vontade da Fundação: que a biblioteca fique sempre cheia!”, finaliza. 

Legado que perdura

Aos 15 anos, um funcionário “pau para toda obra”, como ele mesmo diz, começou a trabalhar como guarda na biblioteca, convidado pela então bibliotecária, Regina Pessoa. “Algum tempo depois, passei a atender leitores. Como eu lia bastante, ajudava nas pesquisas escolares e indicava livros. Exerci, por muito tempo, esse papel que muito me gratificava. Tempos depois, assumi a administração”, conta José Carlos Gomes, diretor da Biblioteca Altino Arantes até o fechamento para a reforma. Durante 56 anos, ele esteve à frente da equipe.
Ali, José Carlos realizou o amado ofício de professor. A biblioteca, para ele, era o lugar ideal para ensinar e orientar alunos. “Pude, ainda, conviver com pessoas que também tinham o hábito de leitura, o que é uma fonte eterna de troca de conhecimento”, declara José Carlos. “Tenho certeza de que, ao longo do tempo, despertei em muitos o hábito da leitura, para conhecimento e para o lazer. Sei que a leitura ainda é uma das maneiras de melhorar o ser humano”, completa. 


Hoje, aos 71 anos, José Carlos passa o legado a Ciro Monteiro, líder da nova equipe da Biblioteca Sinhá Junqueira. “A equipe é toda nova, inclusive eu. Vim de um trabalho de nove anos estruturando bibliotecas no sistema prisional. Eu trabalhava com projetos de poesia, clubes de leitura e atividades de arte. Trabalhava com incentivo à leitura no sistema. Sou professor, cursei História, depois Biblioteconomia e doutorado sobre o acesso que os jovens encarcerados fazem desse espaço de educação e do acesso a esses dispositivos”, conta Ciro.

O bibliotecário foi o responsável, também, por selecionar a equipe. “Montei uma equipe bem diversa. A ideia foi de trazer todos os grupos para cá, mesmo. A equipe tem funcionários LGBTQ+, tem uma pessoa do coletivo negro, tem uma escritora, tem uma pessoa com Síndrome de Tourette e que é militante da causa das pessoas com deficiência. Ela tem esse olhar para a acessibilidade, então indica o que está errado. É bem legal. Pensamos em ter uma equipe com vários olhares, porque sozinhos, às vezes, não enxergamos muito”, aponta ele. O legado de José Carlos e de todos que já trabalharam na biblioteca são perenes na história do patrimônio, que agora passa a funcionar com um novo conceito. “Tenho muito respeito pelo senhor José Carlos! O pessoal que havia aqui antigamente tinha menos recursos, e esse já é um ponto que faz merecer muito respeito”, conclui Ciro.

Biblioteca viva

O novo conceito em que a biblioteca passa a funcionar busca aproximar a comunidade do espaço. Saraus, cinema, teatro e várias atividades são previstas para a nova biblioteca. “Importamos o conceito de biblioteca viva, seguindo a assessoria que recebemos para que nos baseássemos em outras bibliotecas, sobre o funcionamento. Então, temos outra visão”, explica Ciro. “Quando pensamos, por exemplo, em um quadrinho, ele pode virar um filme. Então, teremos cinema na biblioteca. A literatura dá margem para várias atividades, se pensarmos em poesia, música. Podemos ter todas essas atividades, fora a parte tecnológica. Contamos com cerca de 40 computadores e videogames tematizados, voltados aos livros, que podem ser utilizados para atividades de ensino”, destaca.

Entre os novos espaços, há um auditório com capacidade para cerca de 60 pessoas e uma extensa área infantil. A acessibilidade também é um ponto importante da restauração. “O casarão tem um elevador para que o cadeirante possa entrar. Tudo é sinalizado. Os banheiros também foram adaptados. Além disso, temos uma sala com equipamentos para baixa visão, em braile e de áudio para cegos”, expõe Ciro. 

O novo conceito em que a biblioteca passa a funcionar trouxe uma reestruturação das atividades e do acervo, que se modernizou. Para que essa modernização ocorresse, foi feito um trabalho criterioso de estudo das obras e das necessidades dos leitores de Ribeirão Preto. Essa reestruturação contou, também, com a ajuda da consultora do projeto, Adriana Ferrari.
O primeiro critério para a renovação dos livros foi a relevância temática, verificada por meio das estatísticas de empréstimo da biblioteca. Foram avaliados os títulos emprestados por pelo menos duas vezes em dois anos. “Se o livro não foi emprestado nesses dois anos, quer dizer que é um livro que não está sendo acessado, então precisamos entender o porquê e qual a relevância dele”, frisa Ciro.

Outro critério foi a reforma ortográfica. “Não dá para termos livros de antes da reforma para crianças. Para os adultos, ainda conseguimos manter”, alega Ciro. As condições físicas das obras foram avaliadas, para que não ocorresse contaminação.

A preservação também foi um aspecto importante na reconstrução do acervo. Dentro do casarão, para manter a preservação do espaço, ficaram prateleiras menores onde foram distribuídas coleções, e a maioria do acervo migrou para os novos espaços. “A casa, agora, está linda, mas a parte de cima, por exemplo, estava até afundada, porque o acervo estava pesando muito. Estamos com 25 obras raras e mantivemos os clássicos”, estima. 

Os lançamentos editoriais também foram incluídos. “A ideia é assim: se a pessoa quer, por exemplo, ir à livraria e comprar ‘O peso do pássaro morto’, da Aline Bei, que é um livro premiado, lançado no ano passado, por que não pode entrar na biblioteca e pegar o mesmo livro, se ela não tem condições de adquirir?”, analisa Ciro. 

Por fim, foram selecionados os títulos de temática relevante tanto para estudo quanto para lazer, como saúde, questões de gênero, quadrinhos e diversos temas, além dos 100 livros mais lidos em bibliotecas municipais de 2017 a 2019, os indicados para vestibulares e os vencedores de prêmios literários, como o Prêmio São Paulo de Literatura, o Prêmio Jabuti, o Prêmio Nobel de Literatura e o Prêmio Camões. “Pensamos nas questões que envolvem grupos sociais que vivem lutando para ter espaço. Fizemos visitas semanais às livrarias. O acervo foi constituído dessa maneira”, expõe Ciro. 

Com as portas reabertas no dia 7 de fevereiro, a Biblioteca Sinhá Junqueira gera ansiedade e alegria, principalmente a quem fez parte dessa história. “Ver a biblioteca restaurada entregue à população, ampliada e atualizada com novas propostas de atividade me enche de felicidade, pois tenho certeza de que as novas gerações terão onde buscar conhecimento e lazer. Os antigos leitores, tenho certeza, já estão na porta esperando abrir!”, brinca o sorridente José Carlos. 

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