Cadeia, para quem precisa

Cadeia, para quem precisa

O juiz Luís Augusto Freire Teotônio comenta os avanços e necessidades da Justiça Criminal no Brasil hoje

Natural de Ribeirão Preto, Luís Augusto Freire Teotônio começou como auxiliar no Cartório do Júri e Anexos da Comarca de Cajuru -SP, em 1982. Estagiou na Procuradoria Geral do Estado e advogou até 1990, quando ingressou na magistratura. Doutor em Direito Penal pela Faculdade de Direito da Universdade del Museo Social Argentino (UMSA), de Buenos Aires, na Argentina, ele passou por distintos cargos e foi juiz da Vara do Júri e das Execuções Criminais em Ribeirão Preto, entre outras funções, de 1994 até 2017. Também foi juiz assessor na Corregedoria Geral da Justiça do Tribunal de Justiça de São Paulo, juiz de cooperação junto ao Conselho Nacional de Justiça – CNJ, no biênio 2018/2019 e juiz assessor de segurança e designação de magistrados, na presidência do Tribunal de Justiça de São Paulo, no biênio 2020/2021. Atualmente atua como juiz substituto em segundo grau, desde dezembro de 2021, e deve retomar as aulas na UNAERP – Universidade de Ribeirão Preto, em 2024, função que, segundo ele, o ajudou a ser um juiz melhor.
 

Como a experiência como professor contribuiu na carreira como juiz?

Ser juiz era um sonho do meu pai, que acabou se tornando o meu também. Para encerrar o ciclo nessa carreira falta só acessar o cargo de desembargador, mas também fui professor por 27 anos e muita gente me conhece em Ribeirão Preto porque foi meu aluno. Me convidaram, aceitei e acabei gostando. Isso me realizou como juiz, acima de tudo, porque certas coisas consegui refletir melhor dando aula. Comecei com 26 anos, os alunos tinham menos, era outra geração e pela cabeça deles passava muita coisa, a cada geração vai passando algo diferente na realidade social e se você fica fora disso enferruja. Sendo professor, me sentia à vontade para falar e ouvir, isso melhorou minha ótica e minha maneira de julgar porque entendia os eventuais conflitos de gerações.
 

Qual a sua avaliação da justiça criminal hoje?

A estrutura de uns anos para cá no judiciário melhorou muito, melhores condições de trabalho e de equipamentos. Considero importante o expediente presencial, mas vejo como um avanço o trabalho remoto, apesar de se trabalhar mais, só de não enfrentar o trânsito já é um ganho para muitos. Eu tenho que dar, em média, 250 votos por mês, é muito, o ideal seria 150.  Trabalhei na Barra Funda onde eram no máximo 40 sentenças por mês, está certo que fazia audiência, entre outras tarefas, mas ainda era pouco comparado com o que tenho que fazer hoje, 250 é muita coisa, vai além do que o esforço humano é capaz e isso prejudica a qualidade. Na verdade, tenho que produzir mais do que entra, e você ter que produzir muito prejudica a qualidade se não tiver cuidado, aumenta o risco de cometer algum eventual equívoco.
 

Diz-se do sistema penal brasileiro que “a polícia prende e o juiz manda soltar”. Como melhorar isso?

Muitos não entendem, até alunos de direito, muitas vezes, e quando se é vítima, principalmente, fica difícil compreender que não dá para colocar todo mundo na cadeia, amontoar como se fosse bicho na jaula, porque a principal finalidade da pena é ressocializar e, nestas condições, isso não vai acontecer, o sujeito vai sair pior e cometer mais crimes. Cadeia tem que ser reservada para crimes mais graves e os outros serem punidos de outra forma, que não a prisão, muitas pessoas não entendem isso, acham que “a polícia prende e o juiz solta”, mas é a lei que determina isso, não tem como fugir, no direito só há um rei: o legislador. E, hoje em dia, se o juiz abusa de sua autoridade pode ser punido também. Juiz não pode ter lado, tem que ver o caso concreto e seguir a lei. Costumo dizer que, quando é a primeira vez, a pessoa merece uma chance, já quando é reincidente, acho que precisa de um basta, tem que ficar segregado mesmo. No Brasil 80% volta a reincidir, mas esses 20% já acho um ganho extraordinário para o país que que temos, que começou às avessas, onde tivemos banco antes de ter economia. 
 

A morte do menino Joaquim demorou 10 anos para ter o julgamento em primeira instância concluído. Por que, apesar da internet, o processo judicial ainda é tão moroso?

Nesse caso a demora foi em excesso, mas tem que ver quais foram as circunstâncias gerais que levaram a isso. Às vezes o réu está preso e não é apresentado, tendo que marcar outra audiência, uma testemunha está doente ou não pode comparecer por alguma razão — não se pode também ficar restringindo a vida das pessoas, isso eu acho errado, dentro do razoável, tudo precisa ser considerado. Antigamente o júri exigia a presença do réu no plenário, se ele estivesse foragido, por exemplo, não podia ser julgado, e com isso o processo ficava parado por anos, a partir  de 2008 isso mudou.  Enfim, houveram avanços, o processo digital exige muito menos do que exigia o físico, hoje é tudo muito mais fácil e o tribunal está avançando nas UPJs. A justiça hoje é muito mais rápida, já estou julgando processo de 2023, agora, a rapidez exige cuidado também no Direito.


A Unidade de Processamento Judicial (UPJ) é um projeto do Tribunal de Justiça de São Paulo de adequação ao processo digital. Essa mudança também ocorrerá na vara do Júri e das execuções criminais?

O tribunal está concentrando em UPJ porque não é mais preciso a mesma estrutura de antigamente, principalmente se é matéria especializada. Hoje, temos 34 UPJs envolvendo 140 varas, a maioria na capital, e outras no interior, mas vai ser a solução. Não tenho dúvida de que racionaliza o trabalho e o processo digital exige isso. Em 2014, quando montamos a primeira unidade de execuções criminais em Ribeirão Preto, e depois montamos outras no estado, conseguimos, com isso, que a execução criminal no Estado de São Paulo fosse tratada por 10 juízes, nesse sentido, é mais fácil você conversar com 10 para que sigam determinada orientação do que com 300. 

 

Qual a situação dos presídios da região?

Acompanhei durante os dois anos que estive na corregedoria, depois como assessor na área de segurança pública por mais dois anos e de forma geral melhorou muito a situação carcerária no Estado de São Paulo, em outros estados não é razoável assim. Primeiro tínhamos a polícia civil que prendia e custodiava o preso, o que é um absurdo, quem prendia depois ia ser ameaçado pelo preso. Hoje quem fica com o preso custodiado é a administração penitenciária, isso eu acho que humanizou, melhorou as condições. Foram construídos vários estabelecimentos, o tratamento é mais humanizado por quem faz a custódia, melhorou a alimentação, eu mesmo comi muitas vezes quando estava com o juiz assessor, algumas tem corpo médico próprio, ainda não tem os seis m² para cada um, como determina a lei, por isso, não dá para pôr todo mundo na cadeia, não tem jeito, tem que haver uma política criminal que avalie o indivíduo que não precisa ficar preso, senão, se torna uma situação contraria à sociedade quando ele sai porque se você trata a pessoa como bicho na jaula, não temos prisão perpétua no Brasil, um dia ele vai sair e tratar as pessoas aqui fora feito bichos, igual aprendeu na prisão.

 


Houve alguma evolução na política pública de reinserção de presos na sociedade?

Desde 2014 o projeto Semear, do TJ em parceria com o Instituto Sou da Paz, faz um trabalho espetacular no sentido da reinserção, conseguindo emprego e apoiando as famílias. Não é o ideal em número ainda — embora eles tenham escritórios espalhados pelo Estado todo —, exigiria muito mais ação, mas a operação tem custo e eles vivem de apoio de empresas privadas, a contribuição do Estado é pequena. Eles fazem reuniões semanais, eu participava quando estava na corregedoria, e a direção cuida para haver uniformidade nas unidades, o que considero importantíssimo, antes deles não havia ninguém fazendo isso. Funciona também nos conselhos das comunidades, em várias cidades. Tive um caso em Ribeirão Preto de um detento que escalei para cuidar do jardim no Fórum e acabou contratado pela terceirizada. Um ex-aluno da Unaerp, que foi presidiário, também teve a vida transformada pela oportunidade. Embora muita gente seja contra e pense: “não tem emprego nem para quem está solto”, é importante fazer o que dá para fazer. 

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