Câmara volta a votar leis inconstitucionais

Câmara volta a votar leis inconstitucionais

Em 2015, o crescimento foi de 154% em relação ao ano passado, incluindo leis emblemáticas, como a do entorno da Catedral; presidente da CCJ disse que houve aumento de leis aprovadas

A Câmara Municipal de Ribeirão Preto, apontada como a campeã nacional de projetos de lei considerados inconstitucionais em 2006, tem ampliado a votação desse tipo de proposta. Proporcionalmente ao número de leis aprovadas, o crescimento nos primeiros 11 meses de 2015 supera 100%, passando de 6,01% dos projetos aprovados em 2014 para 13,46% em 2015. Em números absolutos, a ampliação chegou a 154,54%. Os dados são de decretos da prefeita Dárcy Vera (PSD) publicados no Diário Oficial do Município nos dois períodos e que determinam o descumprimento de leis promulgadas pela Câmara Municipal. A publicação do decreto ocorre depois de uma “queda de braço” entre Legislativo e Executivo, quando os vereadores aprovam, a prefeita veta e a Câmara rejeita o veto e promulga a lei.
Foram 28 decretos de janeiro a novembro deste ano, contra 11 publicados no mesmo período. O número deste ano ainda está longe do constatado em 2006, quando 127 leis da cidade foram questionadas no Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP), mas é quase o dobro do número de decretos publicados de janeiro a julho de 2007, quando 15 leis aprovadas tiveram decreto baixado pelo então prefeito Welson Gasparini (PSDB). Em 2006, o levantamento foi feito pelo próprio Tribunal de Justiça e ganhou repercussão nacional. Por isso, é sempre utilizado por vereadores quando o projeto aparenta ter problemas de constitucionalidade.
Nos primeiros 11 meses de 2015, o TJ-SP julgou dez Ações Diretas de Inconstitucionalidade (Adins) propostas pela prefeita Dárcy Vera, pelo Sindicato Rural de Ribeirão Preto e pela Associação Paulista de Supermercados (Apas). A Adin só é protocolada pela prefeita após baixado o decreto de descumprimento da lei. Há também uma ação do Procurador Geral de Justiça contra a lei que criou o Conselho Municipal de Preservação do Patrimônio Cultural (Conppac). Em oito julgamentos, as leis foram consideradas inconstitucionais e perderam o vigor. Duas foram consideradas improcedentes e as leis continuam a valer. Outras duas ainda não foram julgadas, mas tiveram liminares concedidas que suspendem a aplicação da legislação até o julgamento do mérito.

AUMENTO DE LEIS
Após o indesejado título de campeã de leis inconstitucionais, a Câmara de Ribeirão Preto decidiu endurecer no julgamento feito pela Comissão Permanente de Legislação Justiça e Redação, também conhecida como de Constituição e Justiça (CCJ). A comissão julga a constitucionalidade e a legalidade e dá parecer favorável ou contrário ao projeto. Nenhuma proposta é votada sem parecer. No caso de parecer contrário e a pedido do autor, o plenário pode decidir se mantém ou não o parecer. Desde 2009, o rigor da CCJ aumentou e gerou protestos dos vereadores e muito debate. Em alguns casos, a sessão teve que ser suspensa para a discussão de parecer.
O presidente da CCJ, Cícero Gomes da Silva (PMDB), justifica o maior número de inconstitucionalidades em função do aumento de projetos votados. “Em ano pré-eleitoral, os vereadores apresentam mais projetos e há maior insistência para a votação. Além disso, há muitos impedimentos que podem provocar inconstitucionalidade”, diz o vereador. Sobre os julgamentos do TJ-SP que, na maioria das vezes, é contra o prosseguimento da lei, afirma que qualquer dúvida suscitada é motivo para o tribunal “cassar” a vigência da lei questionada.
Sobre o número de leis aprovadas, Cícero Gomes tem parcial razão. De janeiro a novembro de 2014, foram aprovados 283 projetos de lei apresentados por vereadores. Neste ano, no mesmo período, foram 308 propostas. Nos dois períodos, 100 projetos em cada denominaram logradouros públicos e que não tem a legalidade questionada. Assim, sobraram 183 e 208 leis aprovadas em 2014 e 2015. Os números estão no portal oficial da Prefeitura de Ribeirão Preto, onde são publicadas as leis aprovadas pela Câmara.

SEM ESTAÇÕES NA CATEDRAL 
Uma lei mais emblemática e que está com Adin ajuizada pela prefeita Dárcy Vera, a norma em questão proíbe a construção de estações de embarque e desembarque no entorno da Catedral Metropolitana de São Sebastião. O TJ-SP já chegou a negar liminar para a lei, mas depois a concedeu, suspendendo seus efeitos, apesar do julgamento do mérito ainda não ter ocorrido. Desde o início da discussão, a lei provocou polêmica. Proposto pelo vereador Rodrigo Simões (PP), o projeto encontrou resistência da CCJ e só recebeu parecer após uma negociação em plenário. O acordo previa que, em caso de veto da prefeita, este seria acatado e a lei deixaria de existir. Assim, foi dado parecer e o projeto, aprovado. Quando chegou o veto, no entanto, os vereadores mudaram de ideia e o rejeitaram, levando a prefeita a determinar seu descumprimento. A Câmara ainda aprovou um decreto legislativo para suspender o decreto de descumprimento. Por enquanto, vale a decisão do Tribunal, que suspendeu, mesmo que por liminar, a vigência da lei.

BAIRROS ABERTOS 
O TJ-SP também julgou inconstitucional a lei que regulariza o fechamento de bairros e loteamentos. Aprovada em julho de 2011, ela prevê que os loteamentos já fechados podem ser regularizados. Mas o promotor da Habitação, Antonio Alberto Machado, representou à Procuradoria-Geral para que questionasse a constitucionalidade da lei. O promotor afirmou que deve entrar com Ação Civil Pública para que os muros construídos com base na lei sejam retirados. Na Câmara, uma Comissão Especial de Estudos (CEE), presidida pela vereadora Viviane Alexandre (PPS), analisa a possibilidade de fechamento de bairros. Um dos depoimentos ouvidos pela comissão foi o do diretor do Departamento de Urbanismo da Secretaria de Planejamento e Gestão Pública, José Antônio Lanchoti. Ele afirmou que o fechamento deverá ser discutido na revisão da Lei de Parcelamento, Uso e Ocupação do Solo.

CARACTERÍSTICA TRISTE E PREOCUPANTE
Para o cientista político Igor Lorençato Rodrigues, o número de leis inconstitucionais aprovadas pelo legislativo local reflete uma característica triste e preocupante para o município. Um dos motivos para isso, segundo o especialista, é o “populismo político”. “Antes mesmo de analisarmos o excesso de leis inconstitucionais, Ribeirão Preto possui um excesso de leis e normas constitucionais que buscam reduzir ao regramento jurídico todo e qualquer assunto que venha a ser debatido na Câmara Municipal. A edição de leis aqui é vista como um atestado de eficiência legislativa, e não como uma real necessidade de se regular determinada atividade. Os vereadores compulsivamente se veem atrelados à necessidade de apresentar benefícios aos munícipes, e, para tal, o debate dos projetos é essencial não apenas entre eles, mas com a sociedade organizada. “É através do debate que todos podem eventualmente perceber vícios nos projetos que atentem contra a Constituição ou, ainda que não, que não sejam essenciais para o momento político e social da cidade”, finaliza.

Texto: Guto Silveira
Fotos: Arquivo Revide/Newton Barbosa/Viviane Mendes/Silvia Morais

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