Como está seu coração?

Como está seu coração?

O cardiologista Fernando Nobre aborda na entrevista a relação entre estilo de vida e doenças cardiovasculares, a necessidade da prevenção e da regularidade das visitas ao cardiologista

Quando o assunto é a saúde do coração, um dos nomes mais respeitados no meio médico é o de Fernando Nobre, 70 anos, doutor em Cardiologia com área de atuação em Hipertensão Arterial, residências em Clínica Médica e Cardiologia no Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da USP (HC-FMRP), estágio em Hipertensão Arterial na Baylor College of Medicine, em Houston, nos Estados Unidos, coordenador do Serviço de Hipertensão do HC, professor de Pós-Graduação da FMRP-USP.

Fernando é autor de 26 livros. Em 2006, foi o vencedor do Prêmio Jabuti com “Tratado de Cardiologia-Socesp”, escolhido como melhor Livro de Ciências da Saúde. Também é de sua autoria “Lições para Cuidar bem do Coração”, que traz dicas de prevenção e informações gerais sobre doenças cardiovasculares.

Na entrevista a seguir, o médico aborda a relação entre estilo de vida e doenças cardiovasculares, a necessidade da prevenção e da regularidade das visitas ao cardiologista e alerta que maus pensamentos e sentimentos são capazes de ativar mecanismos que afetam negativamente a saúde do coração. A boa notícia é que as sensações positivas fazem exatamente o contrário e contribuem para a boa saúde cardiovascular.

Como anda o coração do brasileiro? Como os atuais estilos de vida interferem na saúde cardíaca da população? As doenças cardiovasculares são a primeira causa de mortalidade no Brasil, como no resto do mundo, com o infarto do coração e o derrame cerebral entre as duas causas mais frequentes de mortalidade. Os estilos de vida contribuem para esse cenário dramático. Em estudo que realizamos na população de Ribeirão Preto, o conhecimento das pessoas sobre o impacto dos principais fatores de risco para doenças cardiovasculares foi muito pequeno. A informação sobre o papel do tabagismo e do sedentarismo, por exemplo, não era sabida por 20% na população.

Problemas cardíacos ocorrem mais por herança genética ou por estilos de vida prejudiciais? Ou por uma combinação dos dois fatores? Ambos contribuem. Filhos de mãe e pai com hipertensão arterial têm muito mais chances de se tornarem hipertensos. Pessoas em que os ascendentes diretos (pai e mãe) tiveram doença cardiovascular precocemente, em homens com menos de 55 e mulheres com menos de 65 anos, devem estar muito atentos e merecem cuidados especiais.

Quando se deve iniciar a prevenção aos problemas cardíacos? A prevenção deve ser feita desde a infância. Estudos demonstram que adolescentes já apresentam algum grau de deposição de gordura nas artérias. O estilo de vida que adotarem será o determinante para, mais cedo ou mais tarde, desenvolverem uma oclusão arterial, tendo como consequência infarto do coração ou AVC. Se esses jovens incorporarem às suas vidas hábitos inadequados como tabagismo, obesidade, consumo abusivo de álcool, tiverem hipertensão, diabetes e colesterol aumentado, a chance de doenças cardiovasculares será enorme e proporcional ao número desses fatores associados.

Quais as principais doenças do coração para o público da Terceira Idade? Hipertensão arterial tem mais de 60% de prevalência em homens e mulheres com 70 anos ou mais. Certamente é a doença mais prevalente e base para a ocorrência de doenças graves se não adequadamente diagnosticadas e tratadas. Infarto e AVC são as causas mais frequentes de complicações e mortes na Terceira Idade.

É mito ou verdade que os homens correm mais riscos do que as mulheres no se que diz respeito a doenças coronarianas? As mulheres têm uma proteção hormonal até a menopausa determinada pelos hormônios naturalmente secretados por elas. A menopausa ocorre, em média, aos 52 anos. Assim, até esse momento, elas tendem a ter menos infarto. Depois disso, há ocorrência similar em ambos os sexos. Mas, é preciso avaliar o conjunto dos fatores de risco presentes em ambos. Um homem com pouco ou nenhum fator de risco, exceto a idade, pode ter muito menos risco de ter um evento cardiovascular do que uma mulher fumante, que usa regularmente contraceptivos orais — uma associação perversa que pode aumentar o risco em até 30 vezes —, obesa e hipertensa.

O coração envelhece? É possível ter um coração “jovem” na Terceira Idade? O coração envelhece como o organismo em geral. Um bom estilo de vida com alimentação saudável, atividades físicas regulares, controle do açúcar, do colesterol e da pressão arterial, consumo zero de cigarros, manutenção do peso corporal, pode deixar o coração muito mais bem preparado para o envelhecimento natural e saudável.

Quando é preciso procurar o cardiologista regularmente? Todo adulto deve ter uma consulta com o cardiologista para identificação de fatores de risco, lembrando que de todos eles só três não podem ser modificados: idade, gênero e hereditariedade. Após essa avaliação, o perfil de risco para doença cardiovascular definirá a frequência com que este paciente deverá ser avaliado. Aguardar ter sinais e sintomas não é o critério ideal. Colesterol alto e hipertensão, apenas para citar dois fatores, podem cursar por longos anos sem determinar sintomas, porém causando males graves à circulação. Assim, o aparecimento dos sintomas poderá ser um momento tardio para avaliação e intervenções. Seguir as orientações dos cardiologistas é estabelecer um caminho que levará a mais anos de vida e mais vida aos anos vividos.

Como a pandemia tem afetado a procura por consultas cardiológicas? A pandemia determinou uma redução substancial nas consultas de rotina com cardiologistas e outras especialidades que exigem seguimento continuado. Justificado pelo temor da contaminação, mas determinando um risco adicional pela falta de controle de outros problemas de saúde. Alguns dados apontam para um aumento de até 68% de casos graves e fatais de infarto do coração neste momento que vivemos. Uma mensagem importante é que as pessoas devem, sim, manter os cuidados para prevenção da infecção pelo novo coronavírus, mas não devem se descuidar da saúde em geral.

Como os sentimentos e emoções podem afetar a saúde do coração? Sentimentos e emoções podem ser divididos em dois grupos: positivos, como tendência ao perdão, altruísmo, otimismo, humildade, gratidão; e negativos, tais como ódio, pessimismo, raiva, intolerância. Maus pensamentos e sentimentos ativam mecanismos que afetam negativamente a saúde, como taquicardia (batimentos acelerados do coração), vasoconstrição (estreitamento do diâmetro dos vasos), aumento da pressão arterial, inflamação, facilitando a formação de trombos e propiciando maior chance de infarto e derrame, por exemplo. Já os sentimentos positivos fazem exatamente o oposto. Saúde é definida pela Organização Mundial da Saúde como um estado de completo bem-estar físico, mental e social, e não apenas como a ausência de doença ou enfermidade. Assim, a saúde espiritual e a física devem se associar para um viver pleno de cada pessoa.

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