Convergência midiática: qual é o futuro do impresso?

Convergência midiática: qual é o futuro do impresso?

Mídia digital não veio para substituir mídia impressa, mas para complementá-la; especialistas analisam a força da mídia impressa e a sua função no século XXI

A convergência entre a mídia impressa e as mídias digitais está redefinindo a paisagem do jornalismo em todo o mundo, e o cenário brasileiro não é exceção. Em 2021, dados do Instituto Verificador de Comunicação para o Poder360 revelaram uma mudança nas preferências do público e no comportamento de consumo de notícias. O número de assinaturas pagas das versões digitais de dez jornais brasileiros aumentou em 5,8%, enquanto as vendas em papel dessas mesmas publicações diminuíram 12,8% em comparação com 2020.

 

Entre 2016 e 2021, a tiragem somada dos dez principais veículos caiu para menos da metade, registrando uma redução de 57%, de 883 mil para 382 mil cópias. Essa queda expressiva reflete uma mudança na maneira como o público consome notícias, com nenhum dos jornais atingindo uma média diária de tiragem superior a 80 mil cópias durante esse período. Em contraste, as versões digitais desses jornais demonstraram um crescimento consistente nos últimos cinco anos.

 

O número de assinaturas pagas saltou de 607 mil em 2016 para mais de 1 milhão em 2021. Liderando esse movimento, O Globo se destaca com 305.959 assinaturas pagas, representando um crescimento de 16,1%. Em segundo lugar, a Folha, que, nos últimos cinco anos, havia ocupado a posição de liderança, contabiliza 299 mil assinaturas pagas. Com isso, a pergunta que persegue o mercado midiático há anos segue a mesma: qual será o futuro do impresso?


Uma mudança significativa do perfil dos leitores do impresso ocorreu no âmbito qualitativo e não quantitativo. A mídia impressa já é vista pelo público como uma opção mais aprofundada e analítica, um contraponto à velocidade – e por vezes, efemeridade – das mídias digitais. A quarta edição do estudo “Impacto nas Mídias”, promovida pelo departamento de levantamentos e sondagens do Grupo Máquina, revelou que os líderes de empresas e executivos preferem a mídia impressa.

 

Apesar de incorporarem a internet e as redes sociais em suas rotinas diárias, pesquisa recente mostra que 81% dos entrevistados consideram o jornal como o veículo de maior credibilidade, enquanto apenas 7% confiam nas mídias digitais como fonte de informação confiável. Além disso, 70% desses executivos afirmam que a leitura de jornais é um hábito diário, indicando que os meios de comunicação tradicionais ainda têm um lugar sólido em suas vidas. A convergência entre as mídias impressas e digitais continua sendo um desafio complexo e crucial para a indústria jornalística, à medida que se adapta às mudanças nas preferências do público e às dinâmicas do mundo contemporâneo.

 

Análise


Embora com um alcance reduzido com o grande público, a mídia impressa ainda é relevante em pequenas comunidades, principalmente junto a públicos dirigidos, aos quais são direcionados conteúdo específicos, especializados. Segundo a jornalista e professora de jornalismo Elivanete Aparecida Zuppolini Barbi, essas mídias, em formatos planejados para comunicação dirigida, têm função de informar, orientar e prestar serviço.

 

“Pequenos jornais, na linha do jornalismo comunitário, focados na cobertura de temas que afetam diretamente aquela determinada população, ainda têm espaço no Brasil devido aos altos índices de desigualdade social, de baixa escolaridade e de pobreza da maioria da população adulta, particularmente os idosos”, avalia a jornalista. Elivanete acrescenta que no Brasil, um país de proporção e diversidade continentais, a informação, para chegar a povos e comunidades localizadas no interior, precisa se valer de todos os canais possíveis e nem sempre os canais digitais são acessíveis.


Para Fernando Mello, professor de Comunicação e Marketing, especialista em Design de Multimídia, a mídia impressa tem realçado a sua condição de perenidade justamente por conta da volatilidade que as mídias digitais apresentam.

 

“Embora eventualmente o volume de mídia impressa tenha diminuído, é nítido que a qualidade das informações comunicacionais, a curadoria e o cuidado ao se produzir mídias impressas aumentou”, afirma. O professor assegura que seria simplista pensar que a mídia impressa poderia ser totalmente substituída pela mídia digital. “Pelo contrário, há espaço para potencialização de ambas. São de naturezas diferentes e, portanto, com características e possibilidades diferentes também. Além disso, a experiência do leitor, do consumidor, do usuário pode ser muito mais rica quando ambas andam de forma harmônica e planejada”, analisa Mello.


Belisa Figueiró, professora de jornalismo e doutora em Ciência, Tecnologia e Sociedade pela Ufscar, reforça que a mídia impressa tem papel fundamental na comunicação. “Analisando as revistas e jornais impressos, é nesse formato que as grandes reportagens ainda são escritas. Quando olhamos para as publicações menores, de nicho, elas também encontram os seus leitores, mas há uma dificuldade maior no acesso e no custo para o consumidor, que se acostumou a ler informações de forma gratuita a partir do surgimento da internet”, explica.

 

Nesse sentido, ainda segundo Belissa, houve uma mudança no hábito de leitura, mas quando as pessoas recebem gratuitamente revistas e jornais impressos para ler, elas sentem prazer nisso. “Ou seja, não se perdeu o desejo pela leitura do impresso, mas as pessoas não estão mais tão dispostas a pagar por isso, o que é um problema para todo o setor”, pontua. 

 

Quem paga?

 

Não é possível falar sobre as transformações na mídia sem falar sobre as mudanças no seu modelo de negócios. As marcas querem ser vistas e vão alocar seus recursos onde acreditam ter maior visibilidade.  

 

“Existem diversas formas de se medir o retorno sobre o investimento em cada mídia, e é a partir de ferramentas e métodos de pesquisa, por exemplo, que se pode chegar a estratégias híbridas de comunicação publicitária que extraem o melhor dos dois mundos. Tenho convicção de que os olhares mudaram muito em relação à mídia impressa por conta dos meios digitais mas, sem dúvida, não no sentido de serem excludentes e sim pontos de partida para novas possibilidades”, esclarece Fernando Mello, que possui ampla experiência no mercado publicitário. Para ele, se os meios digitais são uma tecnologia com pouco mais de meio século de existência, a mídia impressa, por outro lado, tem mais de 500 anos de história.  “Não devemos ignorar isso”, realça. 


O estudo “Impacto nas Mídias”, do Grupo Máquina, questionou líderes de empresas se planejam substituir por completo os veículos impressos pelos digitais. Para 49%, é importante conciliar as duas fontes de informação. Somente 14% declararam já ter abandonado o papel para se informar. Ou seja, há um público para esse tipo de publicação de alta qualidade, ainda que seja um público pequeno, seleto, mais maduro.

 

“Porém, se trata de um jornalismo de alto custo, com equipes de profissionais de alto nível, com disponibilidade de tempo e recursos para se dedicar à apuração e produção de grandes matérias. Reforço que ainda há muito espaço para mídia impressa, televisão e rádio em um país como o nosso, grande, desigual e diverso, desde que essa mídia se adeque às novas demandas da sociedade e às novas condições do mercado de comunicação”, explica Elivanete. 


Uma das grandes discussões atuais nos meios jornalístico e político é a regulamentação das big techs, as gigantes da tecnologia. A proposta prevê o pagamento do conteúdo produzido pelo jornalismo profissional pelas grandes plataformas. Uma vez que o consumidor não está mais disposto a pagar pelas notícias, caberia às empresas como Facebook, Twitter e etc. financiar uma parte da produção desse conteúdo qualificado, ajudando a combater as fake news.

 

“É uma saída muito interessante, pois torna o processo de produção de notícias mais viável e possivel de chegar ao leitor rapidamente. Mas tenho minhas dúvidas se isso será suficiente. O ideal é que apenas uma parte do conteúdo seja gratuita e o resto se mantenha para os assinantes. O desafio será aproveitar esse movimento para atrair novamente esse mesmo leitor para a análise dessas notícias no formato impresso, de maneira paga. O que não se pode perder é a essência do bom jornalismo. Não podemos negligenciar a qualidade da apuração, da escrita e da apresentação do conteúdo em nenhum formato, seja digital ou impresso. E, para isso, a formação dos profissionais continua sendo basilar”, avalia Belisa. 

 

Carta ao século XXI 

 

"O cenário atual da comunicação sofreu, como a maioria dos segmentos, significativa disruptura. Adolesci na década de 1960, o que corresponde à metade do século passado. Portanto, sou da geração que viu chegar às casas de Ribeirão Preto e, praticamente da imensa maioria das cidades brasileiras, a inovação da comunicação televisiva. E aí o desespero das outras mídias. “A televisão vai acabar com o cinema, com o rádio, com os jornais, com tudo”, era a voz corrente.

 

O desespero inicial não se concretizou. Evidentemente, houve uma reacomodação dos meios de comunicação com o advento da televisão. O mesmo ocorreu, sem dúvida, com o surgimento de outras tecnologias. As cartas, que se dizia, iam sumir com o advento, primeiro da telefonia de discagem à distância – lembram-se? –, continuaram firmes e fortes. Embora tenha havido significativa disruptura deste meio de comunicação, até hoje, vestibulares como o da Unicamp, entre outros, pedem aos candidatos que redijam cartas na prova de redação. E a mídia impressa? Vai acabar, desaparecer? 


De repente, qualquer cidadão se tornou produtor de conteúdos de comunicação. No entanto, este conteúdo carece de aprofundamento de análises críticas, já que há flagrante superficialidade e a mensuração da seriedade de tais comunicações deixa muito a desejar. E o papel da mídia impressa é muito relevante por isso, já que é produzida por profissionais competentes, que têm o discernimento ético e profissional de, por exemplo, ouvir as várias facetas do que é veiculado como notícia, não apenas um lado, muitas vezes, o da fake news.

 

Embora o suporte da comunicação tenha variado significativamente, entendo que há e sempre haverá a acomodação dos veículos de informação. A convergência é, sim, possível. As mídias digitais terão, como estão tendo, o seu espaço. No entanto, a mídia impressa também tem e terá a sua fatia como veículo de comunicação. Retomo, como exemplo, o cinema, que, na metade do século passado era o chamado cinema de rua, que se metamorfoseou em cinemas de shopping e, mais recentemente, nos variados streamings.", Luiz Puntel, professor de língua portuguesa e escritor.


Fotos: Reprodução

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