Cuidar para não esquecer

Cuidar para não esquecer

Quem convive ou já conviveu com o diagnóstico da Doença de Alzheimer sabe o quão difícil é lidar com a perda de memória, independentemente do nível da doença

Quando fala da mãe, os olhos de Mônica Dolmen Guandolin ficam marejados de lágrimas. A voz embargada pelo choro contido. Alzira Gasparini Dolmen partiu há dois anos. Antes disso, foram longos oito anos de convivência com o diagnóstico de Alzheimer e todas as mudanças que ele traz para a vida do paciente e de seus familiares.


Tudo começou com pequenos esquecimentos no dia a dia, como deixar a torneira aberta depois de lavar a louça ou escovar os dentes, e aos poucos foi se agravando, até ela se sentir desorientada a ponto de não saber voltar para casa em uma ida à padaria da esquina, na mesma rua. “Foi o que “virou minha chave”, sobre a seriedade do quadro e a necessidade de não a deixar mais sozinha em nenhum momento. Mesmo contra a sua vontade, coloquei uma cuidadora dentro de casa, que na cabeça dela era uma doméstica”, recorda a funcionária pública. 


A família achava que os esquecimentos de Alzira eram normais por idade. Foi um susto quando, aos 73 anos, ela foi diagnosticada com princípio de Alzheimer, após realizar alguns exames como tomografia, ressonância, densitometria óssea e ultrassom. “Com o passar do tempo fomos vendo as particularidades da doença aparecendo cada vez mais”, relata. O mais difícil, segundo ela, foi lidar com a inversão de papeis. “Deixei de ser a filha e passei a ser a mãe. Foi duro para ela também. Morávamos juntas e me tornei seu ponto de segurança, se não fosse comigo ela simplesmente não saia para lugar algum. Já não reconhecia mais o próprio lar e várias vezes me perguntava quando ia levá-la para casa. Muitas vezes queria dividir algo com ela, mas percebia em seu olhar que não havia a menor condição porque ela já não me enxergava mais como filha, inclusive muitas vezes me chamava de mãe quando precisava de algo. Me sentia triste com essa inversão de papeis. É muito difícil ver a memória da pessoa que você mais ama ir se acabando”, ressalta Mônica.


Para ela, o Alzheimer é uma “doença ingrata”, que maltrata o paciente, o cuidador e a família. “Os cuidadores também precisam de respaldo porque a rotina é pesada e dolorosa, precisa ser dividida entre todos, porque é muito desgastante”, avalia. Mesmo sendo um cenário triste e cansativo, Mônica diz que é preciso ter paciência. “Ficar por perto é o melhor que podemos fazer, é preciso aproveitar o tempo que temos ao lado de quem amamos, mesmo que não se lembrem de nós, porque são momentos valiosos. Depois de um tempo, até dos coisas ruins a gente sente saudade”, finaliza. 

 

O que é e como prevenir


Por definição, a Doença de Alzheimer se apresenta como demência ou perda de funções cognitivas (memória, orientação, atenção e linguagem), causada pela morte de células cerebrais, onde sua evolução pode ser classificada como leve, moderada ou grave. Quando diagnosticada no início, segundo o médico neurocirurgião Ricardo Santos de Oliveira, é possível retardar o seu avanço e ter mais controle sobre os sintomas, garantindo melhor qualidade de vida ao paciente e à família. “Os avanços da medicina têm permitido que os pacientes tenham uma sobrevida maior e uma qualidade de vida melhor, mesmo na fase grave da doença, porém, não existe cura para a Doença de Alzheimer”, enfatiza.


Para Ricardo, um ponto importante é a realização do diagnóstico diferencial com formas de doenças que são tratáveis como a Hidrocefalia de Pressão Normal (HPN) – uma síndrome neurológica que consiste no excesso de líquido acumulado na região do cérebro que, geralmente, afeta adultos com idade entre os 60 e 70 anos. “Por se tratar de um diagnóstico difícil de ser realizado, em muitos casos, a HPN – também conhecida como a hidrocefalia do idoso –, poder ser confundida com doenças que apresentam sintomas semelhantes como Alzheimer e Parkinson. Dificuldades para andar, incontinência urinária e perda cognitiva estão entre os principais sintomas e o diagnóstico correto, feito através de um exame de imagem, pode identificar o acúmulo de líquido na região e possibilitar a cirurgia”, explica o médico.


Para o médico Paulo Fernandes Formighieri, geriatra pelo HCFMRPUSP, a melhor proteção possível, para reduzir as chances de desenvolver a doença de Alzheimer, é manter bons hábitos além de corpo e mente sempre sob estímulo. “Leitura, reflexões, espiritualidade, estar sempre em busca de novos projetos, desafios e atividades. Manter alimentação e peso adequado, vida ativa e conectada ao mundo e ao entorno”, enfatiza. Além disso, os melhores instrumentos para lidar com a Doença de Alzheimer já instaurada, são a busca de informações confiáveis e a construção de uma rede de apoio (familiar ou comunitária). Há associações de cuidadores e entidades científicas que disponibilizam extenso material de apoio gratuitos. “Como uma batalha de longa duração, o planejamento e o investimento em múltiplos aspectos dos cuidados se faz essencial”, enfatiza.


Em Ribeirão Preto, na rede pública, o ambulatório especializado e os ambulatórios da geriatria e da psiquiatria do Hospital das Clínicas, além do Centro de Saúde Escola da rua Cuiabá, são referências para o assunto. Segundo o neurologista Vitor Tumas, professor da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da USP, há vários estudos sobre a Doença de Alzheimer em andamento, mas o mais importante, neste momento, é o que avalia a eficácia do uso do canabidiol no controle dos sintomas comportamentais decorrentes do Alzheimer. “Há muitos pacientes  com problemas como ansiedade, agitação e agressividade e estamos estudando para definir se ele pode ajudar neste controle, principalmente em pacientes com grau mais avançado da Doença de Alzheimer”, ressalta.

 

Dados que assustam

 


No Brasil os dados apontam para uma prevalência de demência de aproximadamente 8,5% entre pessoas com mais de 60 anos. São aproximadamente 2,4 milhões de pessoas com demência, cerca de 1,4 milhão com doença de Alzheimer. Em Ribeirão Preto, considerando dados do IBGE 2022 — 12,61% de pessoas com mais de 60 anos, ou seja, cerca de 88.000 pessoas —, estima-se haver 5.280 ribeiraopretanos com demência, sendo 60%  deles com Alzheimer. 


Dados de maior precisão sobre a prevalência de déficits da cognição e demências em Ribeirão Preto foram obtidos em 2006, em estudos do Dr. Marcos Hortes Nisihara Chagas, que revelaram a presença de algum grau de comprometimento da cognição (raciocínio, memória, orientação, etc) em 18,9% da população com 60 anos e mais, subindo para 21,9% na população com mais de 65 anos. Neste estudo, o aumento da idade, a redução do número de ano de estudo formal, o histórico de eventos vasculares centrais (‘derrames’), epilepsia e depressão surgiram associados ao aumento da frequência de comprometimento. “O diagnóstico de síndrome demencial (comprometimento da cognição suficiente para gerar prejuízos de funções diárias), esteve presente em 6% da população maior que 60 anos e 7,2% na população com 65 ou mais anos”, aponta Paulo Formighieri.


Dados mundiais de 2015 (ADI) apontam que há 46,8 milhões de pessoas no mundo vivendo com demência e a prevalência pode dobrar a cada 20 anos. A estimativa é que 152 milhões de pessoas estarão convivendo com algum tipo de demência em 2050.
 

Políticas públicas podem auxiliar


O mais importante neste cenário é ampliar o olhar para a história de Mônica e Alzira — uma vivência difícil, que se repete em muitos lares e tem tendência a aumentar —, mas que pode amenizada. “O principal fator de aumento da prevalência é o envelhecimento da população. Não conhecemos a causa especifica, mas em geral surge da interação de fatores genéticos e ambientais que predispõem a pessoa a desenvolver a doença com o envelhecimento. Os fatores ambientais que aumentam o risco —  como perda de audição, hipertensão, diabetes, consumo de acool, tabagismos, obesidade, inatividade física, depressão e isolamento social —, são, de certa forma, modificaveis. Em países desenvolvidos observamos uma redução da dememcia porque esses fatores de risco foram melhor controlados ao longo do tempo, com ações como elevação do nivel educacional e estímulo à população ser mais ativa. A prevalência aumenta com o envelhecimento, sim, mas em países onde esses problemas comportamentais, de saúde e educacionais são cuidados o índice diminui”, afirma o neurologista Vitor Tumas. 

 

Mudanças de estilo de vida que podem reduzir as chances de ter Alzheimer:

•  Controlar fatores de risco como hipertensão arterial, diabetes, dislipidemia e depressão 

•  Manter o cérebro ativo, aprendendo algo novo (idioma,  instrumento, etc)

•  Manter um peso saudável e bons hábitos alimentares

•  Praticar atividades físicas regulares (ao menos 150 minutos  por semana)

•  Suspender o hábito de fumar 

•  Evitar consumo de  bebidas alcoólicas

•  Prevenir e/ou tratar perdas da audição

•  Fazer consultas médicas e exames laboratoriais com regularidade

•  Dormir adequadamente 

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