Da região para o mundo

Da região para o mundo

O projeto Núcleo de Cinema de Ribeirão Preto está pronto para projetar a arte e a riqueza regionais em âmbito nacional e internacional

Após nove anos de implantação, o projeto Núcleo de Cinema de Ribeirão Preto do produtor, diretor e cineasta Edgard de Castro se concretiza e está pronto para funcionar plenamente. Tudo começou quando Edgard percebeu que o prédio, construído em 1914 pela antiga Cia. Cervejaria Paulista, encerrava entre seus muros muito mais do que importantes fragmentos da história do município: os galpões com vários ambientes, o extenso pátio e sua bela torre, com a imaginação privilegiada de Edgard, facilmente se transformaram em uma aldeia tribal ou em um terreiro de café, em uma pitoresca estação de trem do início do século XX, em um presídio ou em um castelo, cenários que ele compunha com o olhar, ao se imaginar por trás de uma câmera.

Foi desse lampejo que surgiu o projeto, iniciado em agosto de 2001. “Para consolidar o Núcleo de Cinema, precisávamos de um endereço, um lugar onde pudéssemos acumular experiência, formar profissionais”, afirma Edgard. Problema que foi solucionado pela Kaiser, que cedeu o prédio em comodato para a São Paulo Film Commission para, em parceria, desenvolver o projeto de uma indústria cinematográfica e audiovisual, com o apoio da Cia. de Bebidas Ipiranga.

Já tombado pelo Comphac e pelo Condephaat, o imóvel está em processo de tombamento pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan). “Com isso, iniciamos o processo de restauração, adequando o interior do local, com a autorização dos dois órgãos, para o projeto de cinema”, conta o produtor.

Abandonado há muitos anos, o prédio estava deteriorado, sendo necessário o investimento de aproximadamente R$ 800 mil. A ação do tempo e a invasão das águas, por causa das várias inundações ocorridas na avenida Jerônimo Gonçalves, deixaram suas marcas: praticamente todos os telhados foram trocados, assim com os vitrôs, as partes elétrica e a hidráulica, bem como as portas e os batentes. “Realizamos a reforma preservando e restaurando todas as partes tombadas do prédio”, assegura o diretor.

O projeto do Núcleo de Cinema era implantar uma indústria não poluente, geradora de cultura e de empregos qualificados, que apoiasse o turismo e as exportações, dando visibilidade à cidade e à região.
O primeiro passo foi criar festivais que incluiriam o município no mapa do cinema. Assim surgiram o “Festival de Cinema de Ribeirão Preto”, o “Festival de Cinema Francês”, o “Festival de Cinema Italiano”, a “Mostra Competitiva de Vídeos do Interior de São Paulo” e o “Festival Japonês”. “Com esses festivais, pretendíamos desenvolver a vocação para o cinema”, esclarece o diretor. Para operacionalizar o projeto, Edgard implantou a São Paulo Film Commission, cuja finalidade é atrair, apoiar e dinamizar as produções cinematográficas, visando à consolidação do Estado como polo de cinema.

Mais do que a matéria-prima fundamental para o setor — a luz, que no céu ribeirãopretano prevalece em dez dos doze meses do ano —, os Estúdios Kaiser de Cinema oferecem 13.000 m² de área construída, com um mix de oito estúdios, cada um com uma característica específica, que possibilita a gravação de qualquer tipo de cena. “Os Estúdios Kaiser de Cinema são todos cenográficos. O espaço é montado com tecnologia digital para a produção de cinema e para a realização de cursos e workshops”, enfatiza Edgard.

Além do espaço, o estúdio disponibiliza os equipamentos necessários, alojamento para 60 pessoas, além de refeitório, oficina de marcenaria, serralheria para a construção de cenários, acervo de figurinos e objetos de cena. O projeto de iluminação, desenvolvido por Edmundo Conci, dispensa tripés: a iluminação é suspensa e móvel, movimentando-se em qualquer direção ou altura desejada pelo diretor. Hoje, no Estado, somente Paulínia e São Paulo oferecem condições para a produção cinematográfica. Segundo o cineasta, Ribeirão Preto tem os diferenciais competitivos para implantar sua própria indústria: a luminosidade constante e a localização estratégica: de avião, a uma hora de São Paulo, onde ficam os equipamentos, os técnicos, os laboratórios da área; a uma hora do Rio de Janeiro, onde são encontrados os atores, os diretores, as grandes emissoras de TV; e a uma hora de Brasília. “Tudo o que se planta em Ribeirão Preto floresce e temos, também, uma grande concentração de jovens. Com todos esses ingredientes necessários à concretização dessa indústria, não me surpreende o número expressivo de ribeirãopretanos envolvidos com a sétima arte”, comenta Edgard.

No início do século passado, Hollywood já mostrava para o mundo o poder do cinema, com a exportação de produtos, de marcas e de estilos, inclusive de vida. Hoje associado às novas tecnologias, as perspectivas de difusão do cinema são infinitas. “O cinema atual é um outdoor: o filme vai para a TV aberta, para a TV fechada, para as locadoras e para a internet. Uma pesquisa inglesa comprovou que 33% da escolha do destino turístico se deve à atuação da indústria cinematográfica”, ressalta.

Com um estúdio assim instalado em uma região rica como a de Ribeirão Preto, incentivos fiscais podem gerar arte que, por sua vez, pode projetar os produtos regionais para o mundo. “Daqui a pouco, as pessoas verão um filme em que os personagens usam sapatos de Franca, abastecem seus carros com etanol ou viajam em um avião da Embraer, bebem um chope da cidade ou um suco de Bebedouro. É por isso que eu digo que este é um projeto da região, do Estado. É interessante para essas indústrias incentivar os projetos dos Estúdios Kaiser de Cinema porque os filmes que produzimos podem difundir seus produtos”, afirma o idealizador do projeto.

Devido ao esforço de vários segmentos da sociedade civil para a revitalização do centro da cidade e à importância desse patrimônio histórico para Ribeirão Preto, que está prestes a  sediar uma indústria limpa, geradora de empregos e capaz de projetar a região nacional e internacionalmente, a empresária Isabel de Farias resolveu ajudar Edgard a convidar a indústria  da construção civil, que se encontra em um momento de expansão, para contribuir com a conclusão das obras do Estúdios Kaiser de Cinema, investimento estimado em R$ 600 mil. “A cidade está se preparando para um projeto moderno e defendendo sua qualidade de vida ao apoiar a implantação de uma indústria não poluente que gera empregos qualificados. Estamos procurando o setor para pedir apoio”, afirmam Isabel e Edgard.

Texto: Carla Mimessi
Fotos: Julio Sian

O CINEMA SOB A ÓTICA DA ECONOMIA
por Alberto Matias

Durante anos, a televisão foi considerada a maior rival dos estúdios de Hollywood. Muito se lutou para evitar o êxodo em massa dos espectadores que preferiam ficar em casa assistindo TV, mas as tentativas não foram bem-sucedidas. Na década de 50, toda a receita obtida com os filmes procedia das bilheterias: atualmente esse valor não alcança 20% do total arrecadado. Venda de bonecos, games inspirados em filmes e até parques temáticos complementam a receita de um filme, entre outros. É estimada uma arrecadação em torno de US$ 145 bilhões por parte dos estúdios de cinema de Hollywood para 2009 e, ao considerar que o PIB dos EUA no período foi em torno US$ 16 trilhões, a proporção da arrecadação em relação ao PIB do país é de 0,9%.

A Índia, um dos países que compõem o BRIC (Brasil, Rússia, Índia e China), que teve um PIB de aproximadamente US$ 3 trilhões, apresentou uma arrecadação próxima aos US$ 3 bilhões com as produções cinematográficas de Bollywood, com uma proporção da arrecadação com o PIB de apenas 0,1%.

Proporcionalmente, Ribeirão Preto poderia arrecadar algo próximo do apresentado pela Índia, devido às igualdades sócioeconômicas, tendo uma receita em torno de R$ 13 milhões, dado que o PIB municipal é algo perto de R$ 13 bilhões. Isso pelo fato da cidade se destacar como um dos principais polos de cinema, muito por conta da existência dos Estúdios Kaiser de Cinema, mantidos pela São Paulo Film Commission, além de contar com o Cineclube Cauim.

A cidade possui a maior taxa de luminosidade do Estado e é considerada a capital brasileira do agronegócio, a indústria audiovisual poderia se aproveitar dessas características para incrementar as receitas do setor, aumentando ainda mais sua importância no cenário nacional.

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