De Tanque Cheio

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Consumo de etanol em Ribeirão Preto já é maior que o dobro do uso de gasolina na cidade; por outro lado, custos altos de processamento e renovação da indústria são entraves para o crescimento do setor

Cada vez mais, consumidores ribeirãopretanos estão escolhendo o etanol para abastecer seus carros flex em detrimento da gasolina. Segundo informações do Anuário Estatístico de Energéticos por Município, elaborado pela Secretaria de Infraestrutura e Meio Ambiente de São Paulo, 265,7 milhões de litros do biocombustível foram vendidos na cidade em 2018, um aumento de 14,3% em relação à 2017, que registrou consumo de 232,5 milhões de litros.

Já a gasolina registrou, no ano passado, a pior procura em dez anos: em 2018, foram vendidos 120,7 milhões de litros do combustível derivado de petróleo. O recorde negativo anterior era de 2009, com 100,7 milhões de litros de gasolina distribuídos em Ribeirão Preto. O consumo do combustível fóssil caiu na cidade pelo sexto ano consecutivo. Em comparação a 2017, que registrou venda de 151,5 milhões de litros de gasolina, a queda no consumo foi de 20,3%.

Em todo o Brasil, o consumo de etanol hidratado (destinado aos veículos) foi recorde em 2018, com 19,38 bilhões de litros vendidos, ante 38,35 bilhões de litros da gasolina. Entretanto, apesar dos índices altos na cidade e no país, produtores e distribuidores estão preocupados com o futuro do etanol. Muitos canaviais estão sofrendo queda de produtividade devido ao envelhecimento das lavouras e à redução de área de cultivo destinada à cana, o que impacta no volume de produção de etanol, açúcar e outros derivados. Apesar disso, a introdução de novas políticas públicas governamentais é um alento ao setor sucroalcooleiro.

Nova Tendência?
Para os consumidores ribeirãopretanos, o aumento na procura pelo etanol no município não é uma mera estatística, mas sim uma nova tendência de comportamento, que gera mudança de hábitos. Gilmar Messias, executivo de vendas e marketing, relata que desde quando tirou a primeira habilitação, aos 19 anos, utiliza etanol. “Há mais de 20 anos, eu abasteço com etanol. É um combustível ecológico, que polui menos e possui um bom desempenho”, diz. 
O executivo Gilmar Messias afirma que abastecer com etanol já se tornou um hábito para os consumidores
Destacando que a região de Ribeirão Preto é propícia para o consumo de etanol, por conta de motivos como o clima e os preços, Gilmar ainda opina que não só os habitantes da cidade, mas todos deveriam usar o biocombustível. “O etanol gera empregos nas indústrias da região, é um produto 100% brasileiro. Somos autossuficientes em relação à produção de etanol e a tecnologia evoluiu muito nos últimos tempos. Abastecer com etanol já virou um hábito para os consumidores”, detalha o executivo.
Administrador de um posto na Zona Leste de Ribeirão Preto, Lucas Ribeiro destaca a alta procura pelo etanol na cidade
Para Lucas Ribeiro, administrador de um posto de combustíveis na Zona Leste de Ribeirão Preto, e também motorista nas horas vagas, abastecer com etanol traz maior desempenho aos veículos. Aos finais de semana, ele viaja para sua cidade natal, São José do Rio Pardo, a 132 quilômetros de Ribeirão Preto. “Tenho uma rotina diária no posto e abasteço o carro duas vezes por semana com etanol. Acredito na durabilidade do combustível, que dá velocidade ao carro. A cada dois meses, coloco um pouco de gasolina para manter a flexibilidade do motor”, diz Lucas. “Hoje, 70% da nossa procura no posto é por etanol, o que é significativo”, relata o administrador.

Membro do Núcleo Postos Ribeirão Preto, grupo que reúne 85 postos de combustíveis da cidade, Fernando Roca explica que a maior procura pelo etanol por parte dos consumidores ocorre, principalmente, durante o período de safra (colheita e moagem da cana-de-açúcar), que ocorre até o mês de novembro. “No momento atual, o etanol se encontra em uma condição comercial vantajosa, devido à safra que está plenamente ativa. Durante este período, os volumes desse combustível sobem consideravelmente na produção e, consequentemente, nas distribuidoras e postos revendedores”, comenta Roca.
Fernando Roca: “No momento atual, o etanol se encontra em uma condição comercial vantajosa, devido à safra que está plenamente ativa”
Fernando ainda destaca o hábito dos motoristas de veículos flex, de realizar, antes de abastecer, o cálculo da eficiência energética entre a gasolina e o etanol: se o preço do etanol corresponder a até 70% do valor da gasolina, a vantagem é do biocombustível. “Em Ribeirão Preto, essa equivalência, neste período de safra, chega próximo a 60%. Portanto, o consumo por parte dos motoristas e empresas é direcionado ao etanol”, expõe.

Costumes Favoráveis
Apesar dos relatos dos consumidores, o professor e pesquisador da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade (FEA) da USP de Ribeirão Preto, Luciano Nakabashi, detalha que o preço favorável do etanol explica o maior consumo pelos ribeirãopretanos, destacando a criação de novos costumes por parte dos consumidores. “As pessoas adquirem um hábito de utilizar etanol ou gasolina e, como na maioria dos meses, o etanol foi mais vantajoso, elas continuam colocando o combustível. A diferença de preço e, consequentemente, o consumo maior do etanol estão muito relacionados à questão das usinas estarem produzindo mais etanol, no lugar do açúcar. A gasolina tem a ver com a questão do preço internacional do petróleo, que aumentou, mas tem caído nos últimos meses”, expressa Luciano.
Luciano Nakabashi expõe que os preços mais atrativos explicam o maior consumo de etanol na cidade
Entretanto, o pesquisador discorda de que o etanol continuará sendo o preferido dos motoristas nos próximos anos. “Não acredito que seja uma nova tendência, pois o aumento do consumo está relacionado ao preço. É claro que o etanol tem sido mais competitivo, pois tem menor imposto do que a gasolina. Se o preço do açúcar ficar mais rentável, as usinas vão produzir menos etanol e mais açúcar”, relata Nakabashi.

O pesquisador ressalta que o etanol já dispõe de condições mais favoráveis que a gasolina no país, como impostos menores. Em São Paulo, a alíquota do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) do biocombustível é de 12%, ante 25% do derivado de petróleo. Entretanto, a gasolina pode voltar a ganhar competitividade em caso de mudanças nos preços internacionais e outros fatores. “O preço é a medida de ajustes. Se a gasolina está mais atrativa, as pessoas vão comprar mais gasolina e menos etanol, forçando o preço do etanol para baixo. Como tivemos uma produção maior de etanol nas últimas duas safras, houve queda no preço, que ajustou a oferta à demanda”, afirma o economista.

Situação Delicada
Os dados do Anuário Estatístico sobre o consumo do etanol na cidade refletem uma realidade local que, por um lado, é boa para os consumidores, mas que, para produtores e distribuidores de combustíveis, é um pouco preocupante. Usinas e sindicatos envolvidos na cadeia produtiva e na distribuição do etanol destacam que o futuro dos canaviais depende de renovação, tanto nas lavouras, quanto nas políticas de incentivo ao setor. Estimativas da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) apontam que na safra 2019-2020, somente no Estado de São Paulo, devem ser perdidos 212,5 mil hectares de área de cultivo de cana-de-açúcar, o equivalente a três vezes a extensão do município de Ribeirão Preto.

De acordo com Luciano Rodrigues, economista-chefe da União da Indústria da Cana de Açúcar (Unica), apesar do direcionamento recorde da cana para a produção de etanol por parte das usinas, o lucro obtido não é suficiente para cobrir as despesas operacionais e as perdas com a venda de açúcar. “Para as usinas que têm as condições produtivas em ordem, com baixos níveis de endividamento, o preço de venda do etanol é convidativo. Ele não compensa, obviamente, as perdas que estão ocorrendo com o baixo valor do açúcar. Estamos no limite técnico da migração de cana para etanol. Por isso, acaba tendo perda na venda do açúcar, que não é compensada pelo combustível”, diz Luciano.

O economista destaca, ainda, que, hoje, muitas usinas estão em recuperação judicial, com nível de produtividade muito baixo, além da dificuldade de renovar canaviais e frotas e reformar a indústria. “A produtividade está aumentando, mas a área de colheita reduziu proporcionalmente. Nos próximos anos, o principal movimento para ampliar a moagem e a produção vai ser o reestabelecimento da idade dos canaviais”, frisa Rodrigues. O economista-chefe da Unica também destaca que novas políticas públicas, como o RenovaBio, que entra em vigor em 2020 e traz novas perspectivas de previsibilidade e desenvolvimento sustentável ao setor sucroalcooleiro, são fundamentais para a retomada do crescimento da indústria da cana-de-açúcar.

Caminhos para o Futuro
Para os especialistas, os próximos passos do setor sucroalcooleiro devem ser planejados com cuidado, antes de serem colocados em prática. Além da necessidade de expansão com sustentabilidade, novas alternativas viáveis de geração de energia elétrica renovável, como a energia solar e a eólica, estão ganhando cada vez mais popularidade no Brasil, e podem mudar a situação das matrizes energéticas nos próximos anos.
Luciano Rodrigues reafirma as necessidades de renovação no setor sucroalcooleiro
Segundo Luciano Rodrigues, o crescimento do setor sucroenergético passa, necessariamente, pela preservação do meio ambiente. “Quando olhamos o potencial do setor, primeiro precisamos avaliar se temos capacidade para expansão e isso é muito evidente que sim. É possível expandir áreas sem nenhum tipo de desmatamento e temos leis que impedem a expansão com qualquer tipo de devastação. O setor deve evoluir de maneira sustentável. Para consolidar esse potencial, precisa ter previsibilidade e a implantação dessas novas políticas públicas, como o RenovaBio”, pontua.

Luciano Nakabashi lembra que novos carros elétricos estão ganhando os mercados e, apesar da pequena participação atualmente, devem ser tendência para o futuro,  o que suscita dúvidas se o setor sucroalcooleiro será capaz de competir com a energia gerada através da cana. “Se pensarmos mais à frente, temos as energias alternativas, como solar e eólica, que tendem a ser fontes com custo de captação cada vez menor. Portanto, o etanol e a gasolina devem perder participação no mercado”, diz o pesquisador e economista da FEA.

Por isso, Nakabashi recomenda que a indústria da cana-de-açúcar realize planejamentos a longo prazo para traçar estratégias que mantenham a competitividade dos derivados da cana. “O setor sucroalcooleiro deve começar a utilizar esse capital gerado e diversificar as estratégias, em âmbitos relacionados e não relacionados às energias, como uma forma de manter as indústrias da região. As economias e demandas mudam e o setor não pode ficar para trás”, finaliza o pesquisador. 

Texto: João Pala || Fotos: Ibraim Leão

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