Dias de Luta

Dias de Luta

Transformar a realidade por meio da ação é a proposta de ativistas de Ribeirão Preto, em práticas que crescem nas últimas décadas, a fim de reduzir desigualdades e melhorar o convívio social

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Texto: Paula Viana
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Transformação da realidade por meio da ação prática”. A definição de ativismo, também classificado como manifestação, protesto ou militância, especifica, de forma sucinta, a ampla função de movimentos que buscam mudar a sociedade por meio de atitudes. Na história, grandes líderes foram responsáveis por conquistas políticas e sociais, como Mahatma Gandhi, Nelson Mandela e Martin Luther King, indicando as várias causas que podem ser abraçadas por movimentos distintos.

Segundo a doutora em História Social e professora da Unaerp Sandra Rita Molina, o ativismo está alinhado ao exercício da cidadania e se tornou mais comum no Brasil com a instituição da República e da Constituição Federal de 1988. “Com o início da República, o brasileiro sente que tem direito na participação política, por meio do direito do voto. No entanto, a partir da Constituição de 88 é que começamos a ter a noção de que a participação do indivíduo na cidadania não está atrelada somente ao direito do voto, mas, também, ao exercício dos direitos mumanos”, explica.
A historiadora Sandra Molina acredita no fortalecimento do ativismo como combate ao extremismo nos próximos anos
Para a historiadora Sandra Molina, o ativismo é uma prática fundamental no exercício da cidadania e deve se tornar cada vez mais comum nas próximas décadas. “O brasileiro aprendeu que tem direitos e esse caminho não tem mais volta, ou seja, a partir de agora, a tendência é que a população lute cada vez mais”, afirma.

Em se tratando do cenário de polarização política e discurso de ódio nas redes, a professora acredita no ativismo como uma ferramenta da população contra o extremismo. “Eu acredito que o ativismo não vai ser enfraquecido, pelo contrário, ele vai amadurecer e se fortalecer ainda mais contra o radicalismo”, aponta.

Sandra ainda destaca a importância do ativismo para a cidadania, defendendo a prática para a aquisição de direitos e outras conquistas na história do país. “Na medida em que os ativistas existem, eles ensinam os indivíduos a terem consciência horizontal, respeitando e se solidarizando com o outro. Sem contar que eles foram responsáveis por grande parte dos direitos que nós temos hoje, por isso, a luta precisa continuar“, finaliza. 
O Coletivo Desconstrua luta pela visibilidade de grupos de minoria representativa na sociedade
Feminismo Interseccional  
Na Universidade de Ribeirão Preto (Unaerp), após a apresentação de um seminário relacionado à desigualdade de gênero, no curso de Psicologia, sete estudantes tiveram a ideia de criar um movimento feminista interseccional, ou seja, que lutasse pela visibilidade de grupos de minoria representativa na sociedade, relacionados não só a gênero, mas também a etnia, orientação sexual, classe social, deficiência física e religião.

Com esse objetivo, Amanda, Andressa, Camila, Carolina, Ingridy, Larissa e Vitória buscaram apoio da coordenação do curso e juntas criaram o coletivo Desconstrua. “A ideia do nome surgiu com base nos objetivos do grupo: repensar e desconstruir as aprendizagens, padrões e preconceitos que aprendemos e reproduzimos ao longo da vida”, explicam. 

Dessa forma, desde 2016, o grupo atua promovendo eventos sobre posicionamento antirracista, questões de gênero, capacitismo, LGBTQIA+fobia, desigualdades sociais e políticas públicas. Nesses eventos, o grupo aproveita para arrecadar alimentos e produtos de higiene que são doados a ONGs e projetos da mesma causa. As estudantes realizam, ainda, uma terceira atuação interna. “Nós nos reunimos em grupos de estudos e realizamos trocas de materiais físicos ou virtuais, a fim de aprender mais sobre outras pautas que não vivenciamos e estudarmos sobre o feminismo interseccional, que é a corrente com que mais nos identificamos”, ressaltam. 

Para as estudantes, a existência de coletivos como esse em Ribeirão Preto é importante para informar e conscientizar a população sobre determinados assuntos, pressionar o governo na aplicação e melhoria das políticas públicas, além de trazer a autorreflexão dentro da sociedade e dos próprios ativistas. “Para nós, integrar um grupo feminista é, além de contribuir para o avanço de lutas sociais e quebra de preconceitos, ter oportunidade para desconstruir preceitos enraizados. É, também, estar em contato com quem fortalece a luta, construindo um trabalho em rede que permite a troca de conhecimentos”, afirmam.

Segundo as integrantes, Ribeirão Preto apresentou, nos últimos anos, crescimento e difusão de movimentos sociais, no entanto, é necessário maior apoio dos órgãos públicos. “Somente com políticas públicas de qualidade e bem aplicadas haverá benefícios a longo prazo na sociedade, como a quebra de estigmas sociais e a transformação de crenças culturais violentas”, concluem. 

Diversidade
Além dos grupos feministas, as organizações LGBTs também possuem forte representatividade em Ribeirão Preto. A ONG Arco Íris é uma das mais tradicionais nesse tipo de movimento na cidade. Fundada em 2005, ela surgiu por meio do amor de uma mãe que se engajou na luta LGBT depois de ver o filho sofrer homofobia.

Fábio de Jesus Silva tinha apenas 15 anos quando foi discriminado por um professor dentro da sala de aula. A mãe, Laurita Conseição da Silva, resolveu agir. A fim de proteger a vida do filho e de outros indivíduos LGBTs discriminados na sociedade, ela se reuniu com outras mães com o mesmo propósito e criou a Arco Íris, presidida, no inicio, pela própria Laurita. Três anos depois, após completar 18 anos, Fábio assumiu a presidência e permanece até hoje na liderança.
Fábio de Jesus, presidente da ONG Arco íris, acredita que políticas públicas são fundamentais
O objetivo da ONG, segundo ele, é criar, divulgar e incentivar ações voltadas à população LGBTQ+, além de promover ações para empresas e órgãos públicos, com o objetivo de sensibilizá-los e auxiliá-los no relacionamento com o público LGBT. Fábio acredita que é essencial a existência de políticas públicas que deem suporte a esse público. “Nós estamos na luta pela criação de um Centro de Cidadania LGBT e de uma Coordenadoria de Diversidade Sexual que possam atuar em ações de discriminação do público LGBT, além de um Centro de Saúde para transexuais e travestis, como forma de garantir a saúde para essas pessoas”, afirma. 

Para 2020, a ONG luta pela criação de mais órgãos públicos para a comunidade e espera uma maior representatividade LGBT dentro da Câmara de Vereadores. “Já que estamos em um ano eleitoral, esperamos que haja, na Câmara, representantes que possam levar a bandeira LGBT aos órgãos públicos. Esperamos que o prefeito eleito se comprometa com esse tipo de pauta e incentive a inserção desse público na sociedade”, finaliza. 

Outra organização que também luta pelo movimento LGBT é a Asgattas. Fundada em 2009 pela militante Ágatha Lima, a ONG surgiu, a princípio, em favor da comunidade trans da cidade e, com o passar do tempo, foi abrangendo todo o público LGBT.
Washington  Ricardo é presidente da ONG Asgattas, que atua na promoção de cidadania e direitos à população LGBT+ em Ribeirão Preto
O presidente da ONG, Washington Ricardo, explica que a organização tem o propósito de promover cidadania e direitos à população LGBT em Ribeirão Preto, dando assistência, também, na saúde, por meio de programas de prevenção de Doenças Sexualmente Transmissíveis (DSTs) e suporte humanizado a toda essa comunidade. “O papel das ONGs é provocar e, acima de tudo, exigir dos órgãos competentes que esse trabalho seja feito, sensibilizando, também, as empresas”, ressalta. 

O presidente destaca os obstáculos enfrentados pelo grupo no ativismo, principalmente no atual cenário político, que dificulta ainda mais as lutas sociais, segundo ele. “É um trabalho difícil, principalmente nos dias de hoje, quando somos marginalizados por um discurso governista. Mesmo assim, não podemos desistir, afinal, nós buscamos construir um mundo onde não exista mais a necessidade de lutar. Pode parecer utópico, mas é o que nos motiva”, afirma.

Movimento Negro
Em Ribeirão Preto, vários coletivos atuam a fim de dar visibilidade e garantir maior inserção de negros na sociedade. O enfermeiro e mestrando em Saúde Pública Marcelo Vinicius Domingos, 27 anos, é um dos ativistas do movimento. Atualmente, ele integra os coletivos “Abayomi” e “Nenhuma Luana a Menos”, além de fazer parte do Centro de Pesquisa, Ensino e Desenvolvimento da Cultura Negra - Iségun. 
Marcelo Domingos é ativista pelo movimento negro há seis anos
Ele explica que o desejo de se tornar ativista surgiu em 2014, quando presenciou um caso de racismo explícito. “Acho que a minha decisão veio no sentido de, primeiro, me proteger do impacto de ser negro numa universidade e, em segundo lugar, pelo desejo de criar um espaço seguro, onde pudesse haver uma existência na qual a tensão racial não fosse sempre presente e tentar buscar melhores condições de vida para as pessoas negras”, afirma. A partir disso, o estudante passou a integrar o Coletivo Negro da USP, onde passou a conhecer outros movimentos, como os de que ele participa atualmente.

Marcelo explica que os três grupos atuam de formas distintas, porém com objetivos semelhantes. O Coletivo Abayomi, segundo ele, atua de forma direta com a população negra, por meio de rodas de conversa, intervenção na periferia, discussões políticas e cinedebates. Já o Iségun é uma instituição que tem em vista a difusão da cultura negra, promoção de educação e ensino para a igualdade racial. O “Nenhuma Luana A Menos” atua em prol da memória de Luana Barbosa — mulher negra e lésbica assassinada em 2016, cujo caso inspirou o surgimento de diversos grupos em favor das mulheres, negros e da comunidade LGBT em Ribeirão Preto. 
O Centro de Pesquisa, Ensino e Desenvolvimento da Cultura Negra - Iségun, atua pela promoção de cultura e educação à comunidade negra
O objetivo de todos esses grupos, de acordo com Marcelo, é promover uma melhor inserção dos negros na cidade, combater o racismo estrutural e fortalecer a articulação política, em prol da causa antirracista. O ativista também ressalta a desigualdade racial existente na cidade e a necessidade de políticas públicas a fim de reverter essa situação. “É difícil notar a presença de negros em bairros da Zona Sul e em cargos de diretoria nas empresas, por exemplo. A Prefeitura não promove nenhum programa de inclusão a essa população e as empresas também não praticam nenhuma politica de inclusão do negro no mercado de trabalho e os vereadores pouco legislam para diminuir as desigualdades”, afirma.
Há 32 anos, a Associação Pau Brasil luta pelas questões ambientais da cidade
Ativismo ecológico
Outro tema que inspira movimentos sociais em Ribeirão Preto é o meio ambiente. A Associação Cultural e Ecológica Pau Brasil atua, há mais de três décadas, promovendo ações com o objetivo de melhorar a qualidade de vida da população, tanto na área urbana quanto na rural.

A arquiteta e urbanista Claudia Perencin, atual presidente da Associação, explica que o grupo atua em conselhos municipais, fiscalização de políticas públicas da cidade e promoção de eventos e campanhas que objetivam conscientizar a população sobre a qualidade de vida.  “Nosso objetivo primordial é informar e conscientizar a população, afinal, o ativismo começa quando você tem a informação, fica indignado com aquilo e começa a agir”, ressalta. 
“Nosso objetivo primordial é informar e conscientizar a população”, diz a presidente da Pau Brasil, Claudia Perencin
Consagrando-se como o movimento mais antigo da cidade na causa ambiental, a Pau Brasil foi responsável por diversas conquistas em defesa do meio ambiente e do patrimônio cultural de Ribeirão Preto, como a reconstrução e o tombamento do Theatro Pedro II, na década de 80, entre outras ações em defesa do Aquífero Guarani.  

A arquiteta afirma que se sente no dever de lutar pelo mundo em que vive, por isso, é movida pelo ativismo. “Tem uma frase do psicanalista Carl Jung que resume bem o sentido da nossa luta: ‘Sou eu próprio uma questão colocada ao mundo e devo fornecer minha resposta, caso contrário, estarei reduzido à resposta que o mundo me der’. Acredito muito nessa frase, pois é isso: nós devemos agir em prol da nossa qualidade de vida, caso contrário, viveremos nas condições que nos forem fornecidas”, conclui. 

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