Diversidade e inclusão no trabalho
Lohan, Jonas e Yasmin trabalham no Centro Universitário Estácio de Ribeirão Preto

Diversidade e inclusão no trabalho

Para trazer equidade de oportunidades e combater a discriminação, empresas têm se dedicado a contratar funcionários de grupos historicamente excluídos

Para promover ambientes de trabalho mais diversos e inclusivos, muitas empresas buscam abrir vagas afirmativas, baseadas em programas que combatem a discriminação e trazem equidade de oportunidades através da inclusão de grupos considerados historicamente minorizados. Entre esses profissionais estão mulheres, negros, pessoas com deficiência e a comunidade LGBTQIA+.

 

De acordo com a pesquisa “Diversity Matters: America Latina”, realizada em 2020 pela consultoria McKinsey, companhias que adotam a diversidade na contratação de seus colaboradores são mais saudáveis, felizes e rentáveis. Além disso, os trabalhadores relatam níveis muito mais altos de inovação e colaboração do que seus pares de outras empresas. O estudo recomenda que as organizações se concentrem em garantir a representação de talentos diversificados, viabilizar a igualdade e a equidade de oportunidades e promover um senso de pertencimento em relação ao trabalho.


A advogada, diretora adjunta e presidente da Comissão da Igualdade Racial da 12ª Subseção da OAB/SP Ribeirão Preto, Marina dos Santos Martins Camargo, explica que inclusão e diversidade no mercado de trabalho significam atender, compreender, respeitar e conviver diretamente com a pluralidade e desigualdades sociais que temos no país.

 

“O Brasil é extremamente diverso, seja em questões culturais, raciais, de gênero e sexualidade, econômicas, etárias, de crença, sociais, entre muitas outras. Mas, para além disso, neste cenário deve haver igualdade e dignidade. Não basta simplesmente inserir pessoas pertencentes a grupos de vulnerabilidade social em uma empresa, se ela, por exemplo, não está pronta para recepcionar pessoas com deficiência através da acessibilidade e adaptação, ou se não tem toda a estrutura de sua equipe preparada para lidar com diversidade racial, econômica, sexual, de gênero, entre outras”, ressalta.

 

A advogada Marina Camargo explica que a Constituição Federal considera os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa um princípio fundamental

 

Ela esclarece que é uma somatória de fatores que devem ser observados para, de fato, incluir e manter as populações dentro do mercado de trabalho.


Marina afirma que a Constituição Federal, em seu artigo 1º, considera os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa um princípio fundamental, tendo como objetivo promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação, repudiando o racismo.

 

“Em seu artigo 5º, evidencia que todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza. Assim como seu artigo 7º considera o trabalho um Direito Social, lecionando que são direitos dos trabalhadores urbanos e rurais a proteção do mercado de trabalho da mulher e proibindo a diferença de salários, de exercício de funções e de critério de admissão por motivo de sexo, idade, cor ou estado civil”, destaca.

 

A partir daí, ensina a advogada, diversas legislações foram sancionadas, como a Lei do Racismo, o Estatuto da Igualdade Racial, Lei de Cotas para PCDs e Programa Emprega + Mulheres. “De modo geral, a Constituição Federal veda qualquer tipo de discriminação no mercado de trabalho para que a contratação para trabalhar em uma empresa seja realmente inclusiva e diversa”, conclui.


O psicólogo clínico e professor no Centro Universitário Estácio de Ribeirão Preto, Renato Cezar Silvério Júnior, informa que a inclusão começa com a entrada de todos os tipos de pessoas em um ambiente de trabalho: várias etnias, várias orientações sexuais e expressões de gênero, várias estéticas e classes sociais, assim como pessoas com as mais variadas deficiências.

 

“Não basta apenas que estas pessoas lá estejam, é preciso que sejam vistas em pé de igualdade e que tenham voz ativa como todos os outros. Além de ser um direito humano básico, quanto mais inclusão real nos espaços de trabalho, mais sadia se torna uma sociedade”, detalha.

 

 

O psicólogo Renato Cezar Silvério Júnior informa que, para sobreviver com significância, as empresas precisam dos mais variados pontos de vista em seu cotidiano

 

Ele ainda defende que é preciso sempre lembrar que o ser humano é infinito em suas possibilidades e que os mercados se tornam cada vez mais complexos. Para sobreviver com significância, as empresas precisam dos mais variados pontos de vista em seu cotidiano.

 

“A diversidade sempre vai gerar inovação dentro dos ambientes de trabalho. O modelo hegemônico do homem branco, heterossexual, funcional de classe média é visto apenas como uma boa possibilidade dentre tantas outras, não mais como o único ideal. Os clientes são muito mais diversos do que um único modelo e anseiam por ambientes onde a diversidade possa se expressar com naturalidade”, justifica Renato.

 

Capital humano


Para o reitor da Estácio Ribeirão Preto, Jonas dos Santos Colvara, apostar na diversidade vai além da busca por justiça social ou igualdade, embora esse seja o principal propósito. Contribui para elevar o capital humano, promovendo diferentes pontos de vista para construir soluções inovadoras.

 

“Quando apostamos na diversidade, alguns resultados positivos ficam evidentes. Na Estácio, realizamos, com frequência, pesquisas com nossos colaboradores e as ações de inclusão e diversidade aparecem como um dos principais motivos de engajamento e fidelização. Além disso, a equipe fica mais preparada para resolução de conflitos, promove a empatia, entre muitos outros benefícios”, comenta.

 

Ele conta que se considera privilegiado por ocupar uma posição tão relevante em uma grande instituição de ensino, principalmente porque a empresa faz parte de um grupo educacional que promove a inclusão de fato.

 

“Como homem gay, nunca encontrei qualquer tipo de discriminação na empresa, pelo contrário. Eu me sinto incluído pelo movimento de promoção à diversidade. Porém, sei que essa não é a realidade de todos LGBTQIA+ nas empresas que atuam e espero poder inspirar outras pessoas mostrando que é possível um homem gay ser respeitado e ocupar posições de destaque no mercado de trabalho”, afirma.

 

O reitor avisa que, na Estácio Ribeirão Preto, a diversidade vai além de colaboradores LGBTQIA+, pois também tem funcionários com dificuldades de locomoção, pessoas com deficiência visual, deficiência auditiva, além de evoluções em relação à igualdade de gênero, com um quadro de gestores formado, majoritariamente, por mulheres.


Os auxiliares administrativos Lohan Silva e Yasmin Cristina de Carvalho são pessoas trans que trabalham no centro universitário. Segundo Yasmin, foi muito difícil conseguir uma colocação no mercado de trabalho.

 

“Desde que comecei minha transição, foi difícil conseguir um emprego. Fiquei nove meses desempregada até conseguir uma vaga na Estácio. Sempre enfrentei preconceito nas entrevistas, tem sempre aquele olhar de desprezo ou confusão, principalmente porque estou no processo para retificar meu nome nos documentos. A Estácio é a primeira empresa que trabalho com uma boa política de inclusão e diversidade, que realmente seja acolhedora”, explica.

 

Ela ressalta que um trabalho formal é a garantia do mínimo de dignidade para uma pessoa trans ou travesti, pois a maioria sobrevive da prostituição ou em empregos informais e mal remunerados. Já Lohan destaca que a capacidade profissional não interfere na orientação sexual e de gênero ao qual pertencem. “Eu me sinto acolhido e incentivado para demonstrar meu trabalho e minhas opiniões sem nenhum tipo de rejeição na Estácio. Mas sei que tive a oportunidade e a sorte em trabalhar em uma empresa inclusiva, o que nem sempre podemos esperar de outras organizações”, relata.

 

Ele finaliza com uma frase da atriz norte-americana Laverne Cox:  “É revolucionário para qualquer pessoa trans escolher ser visto e visível em um mundo que nos diz que não deveríamos existir”.

 

Reconhecimento


Com mais de 40 anos no mercado, a empresa SMAR APD consolidou sua trajetória com o desenvolvimento de tecnologias e sistemas de gestão integrado em esfera municipal. Entre suas colaboradoras está a technical lead Olívia Dalchiavon. Ela explica como é para ela ser uma mulher negra em uma posição de liderança em uma das principais companhias do país em seu segmento.

 

“Como todo e qualquer cargo, é algo que vem com esforço, dedicação e que tem como ponto positivo o reconhecimento. E não me refiro à posição ou a um possível status, mas sim em atitudes. Todo o conhecimento adquirido e alinhado com a experiência de vida me direcionou a esse cargo”, comenta. Ela diz que os desafios das lideranças estão ligados à disponibilidade em ajudar, à atenção em fazer bem feito e com responsabilidade e à observação, que é ver o que seus liderados precisam para se desenvolver profissional e pessoalmente.

 

“Ser mulher negra em um cargo de liderança na SMAR APD é algo gratificante e de reconhecimento. Sempre que precisei me posicionar ou que levei ideias, elas foram ouvidas e analisadas, aceitas ou não, por uma questão de necessidade e momento da empresa e dos colaboradores envolvidos. Portanto, nunca enfrentei barreiras por ser quem sou”, garante. Para Olívia, outra situação que o cargo lhe proporciona, alinhado ao momento que a SMAR APD se encontra, que é o de enraizar a cultura da diversidade, é a visibilidade que isso traz, já que é através dela que pode incentivar e mostrar que é possível buscar melhores oportunidades.

 

“Mulheres chegaram até mim e me parabenizaram pelo cargo, e aí temos mais uma palavra-chave: a representatividade, que faz com as pessoas se sintam acolhidas e tenham coragem em arriscar e buscar o melhor sempre”, constata.  A líder de Recursos Humanos da SMAR APD, Marcelle Nascimento, esclarece que, na empresa, eles têm refletido sobre a diversidade e a inclusão.

 

“Nos últimos dois anos, iniciamos uma abordagem mais estruturada, olhando para grupos minoritários como mulheres na área da tecnologia, pessoas LGBTQIA+, entre outros. Além disso, temos como ponto central fazer com que nossos times sejam compostos por diferentes perfis, pensamentos e culturas, com o intuito de promover um ambiente que respeita e acolhe as diferenças. Recentemente, iniciamos uma ação de abertura de vagas afirmativas para determinados perfis, de diferentes setores da empresa. As ações afirmativas em nosso mercado de trabalho garantem mais oportunidades para um grupo de pessoas historicamente desfavorecido”, fundamenta.

 


Marcelle e Olívia são funcionárias da SMAR APD: reconhecimento e oportunidades
 


Outra companhia comprometida com a inclusão e a diversidade em seu ambiente de trabalho é a Credicitrus. Segundo o gerente de Recursos Humanos da cooperativa, Douglas Yoshihara, a Credicitrus analisa os candidatos e candidatas em todos os seus processos seletivos por seu conhecimento técnico e habilidades comportamentais e específicas inerentes ao cargo e à função apresentada, pois acredita que são as habilidades acrescidas de comprometimento que refletem na conquista dos objetivos.

 

“Assim, vemos que a diversidade, equidade e inclusão ajudam no desenvolvimento das áreas e beneficia o clima e a cultura organizacional. E a empresa aproveita todos esses benefícios por ser inclusiva e, além da atração, também se preocupa com a retenção de talentos e a colaboração entre as equipes no dia a dia, pois quanto maior a diversidade em uma organização, maior é o seu alcance, porque consegue oferecer produtos e serviços personalizados para todo o tipo de pessoa. Isso aumenta o desempenho e ainda faz com que a cooperativa se destaque perante a concorrência”, defende. 

 


Segundo Douglas Yoshihara, do RH da Credicitrus, diversidade, equidade e inclusão beneficiam o clima e a cultura organizacional


Para a diretora de Governança, Riscos e Compliance da Credicitrus, Denise Tereza da Silva de Almeida, ocupar um cargo de liderança estabelece a responsabilidade de abrir caminhos para que outras líderes assumam responsabilidades similares.

 

“Porém, essa questão deve ser avaliada de forma mais ampla. De um lado, é importante que as empresas deem oportunidades às mulheres para que exerçam funções de chefia e direção. Desse modo, respeitarão a igualdade de gênero, que é um dos 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável estabelecidos pela ONU para 2030. Por outro lado, cabe às mulheres investir em sua formação em seu aperfeiçoamento profissional, para que estejam plenamente capacitadas ao exercício desses cargos”, acredita.

 

Ela ainda afirma que o mundo vem passando por uma grande transformação cultural nas últimas décadas. Tradicionalmente, o homem trabalhava fora e a mulher cuidava do lar. “Estamos vivendo um período de transição para uma nova realidade e é natural que a mudança ocorra de forma gradual, com algumas organizações avançando com mais rapidez, como a nossa, outras permanecendo apegadas a valores ultrapassados. No entanto, a própria mulher tem protagonizado essa mudança, acredito que muito do progresso que temos testemunhado se deve às próprias mulheres. Na Credicitrus, o olhar feminino tem forte influência em nossa estratégia e em nossas decisões, orientadas pelo propósito de somar forças para gerar prosperidade, transformar vidas e desenvolver as comunidades em que estamos presentes”, relata Denise.

 


Para Denise Almeida, ocupar um cargo de liderança estabelece a responsabilidade de abrir caminhos para que outras líderes assumam responsabilidades similares


Sistema capacitista


A assistente social, estudante de Jornalismo e assessora da deputada federal Sâmia Bomfim, Mayra Ribeiro de Oliveira, tem deficiência visual e conta que é muito difícil sobreviver em um sistema capacitista (que discrimina pessoas com deficiência).

 

“Por ser uma mulher com deficiência, foi difícil a minha colocação na universidade e no mercado de trabalho. É importante destacar que meninas e mulheres com deficiência têm o acesso à educação negado e muitas delas nem chegam a completar o Ensino Médio. Então, eu ter ido para a faculdade é um ganho não só para mim, mas para milhares de meninas e mulheres”, ressalta.

 

Ela explica que, quando se colocou no mercado de trabalho, várias questões dificultaram. Uma delas é a descrença das pessoas em relação às suas capacidades. “As pessoas viviam perguntando ‘Você tem certeza que consegue fazer isso, que vai dar conta?’. Por termos uma deficiência, as pessoas nos subjugam o tempo todo”, revela. Ela alega que as organizações ganham muito ao ter pessoas com deficiência em seus espaços de trabalho e é muito importante para valorizar a diversidade, mas é necessário que esses funcionários tenham planos de carreira e acesso às mesmas oportunidades que seus pares.

 

“É importante que a gente discuta a inclusão e a acessibilidade de uma maneira ampla, falando não apenas em igualdade, mas sim em equiparação de direitos. Faço palestras em empresas e sempre falo da importância de explorar as potencialidades das pessoas com deficiência”, descreve Mayra.

 

Mayra Ribeiro de Oliveira alega que as organizações ganham muito ao ter pessoas com deficiência em seus espaços de trabalho

 

A deputada Sâmia Bomfim defende que é fundamental que as portas do mercado de trabalho estejam cada vez mais abertas para que pessoas com deficiência tenham condições de acessá-lo. “Isso passa pela iniciativa dos contratadores, mas, principalmente, pela fiscalização do cumprimento da legislação que já existe hoje e que determina as políticas de inclusão. O recente desmonte da fiscalização da lei de cotas, por exemplo, foi um dos principais retrocessos pelo qual passamos. Todos ganham com a inclusão: o mercado de trabalho ganha com a maior diversidade e as pessoas com deficiência ganham melhores condições de vida e de subsistência”, pontua a parlamentar.

 


A deputada federal Sâmia Bomfim defende que é fundamental que as portas do mercado de trabalho estejam cada vez mais abertas para que pessoas com deficiência tenham condições de acessá-lo


A professora de Libras e diretora social da Associação de Surdos de Ribeirão Preto, Daniela Farineli Melo, tem deficiência auditiva e dá aula na rede municipal de ensino em Ribeirão Preto. Ela declara que escolheu a profissão porque, quando era pequena, ficava encantada com o papel do professor, especialmente na escola especial para surdos onde estudava, pois eles utilizavam a língua de sinais. Mas ela relata que teve dificuldades para passar no concurso público.

 

“Reprovei mais de dez vezes porque todos os conteúdos são mais da linguagem e sociedade dos ouvintes, que é diferente da linguagem dos surdos e dos conhecimentos sociais. E passei quatro vezes no concurso do processo seletivo como professora surda de Libras, nesse concurso tinha conteúdos próprios para os surdos”, esclarece.

 

Daniela reitera que as pessoas com deficiência têm a capacidade igualitária de exercer as funções no mercado de trabalho. “Somos seres humanos, obtemos as mesmas capacidades e direitos. Vejo que o mundo já está se adaptando dentro da inclusão e da diversidade, por mais que ainda estamos na luta para haver melhorias e reconhecimentos”, completa Daniela. 

 


A professora de Libras e diretora social da Associação de Surdos de Ribeirão Preto, Daniela Farineli Melo, dá aula na rede municipal de ensino em Ribeirão Preto

 

 


Fotos: Revide/Divulgação

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