Do palco para a telinha

Sucesso de público e de crítica no teatro e no cinema, as ribeirãopretanas Débora Duboc e Simone Gutierrez compõem o elenco global de “Passione”

Com uma longa trajetória nos palcos e no cinema e o talento reconhecido pela crítica, duas ribeirãopretanas despontam no horário nobre da Globo, na novela “Passione”: Débora Duboc e Simone Gutierrez. Na trama, elas representam, respectivamente, Olga e Lurdinha, personagens que alteraram suas rotinas, possibilitaram partilhar experiências com colegas consagrados e acrescentam muito às suas carreiras que, embora sólidas, são incipientes na televisão. Apesar dos pontos em comum — o reconhecimento de profissionais do meio artístico, a origem ribeirãopretana, a paixão e a dedicação à sua arte —, essas duas atrizes tiveram trajetórias bem diferentes.

Simone começou na dança e, ao sair de Ribeirão Preto, sequer cogitava a ideia de se tornar atriz ou cantora. Devido às dificuldades do mercado, decidiu focar nos musicais que vieram da Broadway, iniciativa que deu resultados: compôs o elenco dos musicais “Les Miserables” e “A Bela e a Fera”. Depois de disputar com dois mil artistas, roubou a cena e ganhou o papel de Tracy Turnblad, protagonista do musical “Hairspray”, adaptado e dirigido por Miguel Falabella.

Essa não é a primeira vez da atriz na telinha: em setembro do ano passado, começou a participar do seriado “Malhação” como Maria João, mãe de Domingas e de Felipa e, em outubro de 2009, ganhou o papel de “Amélia”, no Zorra Total, uma senhora nervosa e preocupada com as opções do filho estilista, interpretado por Leandro Hassum. Quanto a essa guinada na carreira, que permitiu a ela frequentar os sets de gravação do Projac, Simone destaca que é resultado de muita determinação, dedicação e estudo, sem, entretanto, descartar a sorte.

Débora começou a atuar em Ribeirão Preto, incentivada pelo pai, ao lado dos companheiros da companhia de teatro Agnosart — Magno Bucci, José Maurício Cagno, Onésimo Carvalho e Dino Bernardi. Cursou Artes Cênicas na Unicamp e mudou-se para São Paulo em 1991. Seu currículo acumula prêmios: Associação Paulista dos Críticos de Arte (APCA), Associação dos Produtores de Teatro de São Paulo (APETESP), Mambembe e Shell de melhor atriz. Com o Filme “Latitude Zero”, a artista acrescentou a seu acervo mais alguns, como o 5th Brazilian Film Festival of Miami, o 36º Festival Internacional de Kiev e a indicação de melhor atriz pela Academia Brasileira de Cinema.

O fato de terem recebido o convite para compor o elenco da Globo é motivo de orgulho para ambas, afinal, foram convidadas pelos diretores devido à grande atuação no palco ou no cinema. O trabalho de Débora, Sílvio de Abreu já conhecia e ela atua justamente naquele que o próprio autor e diretor define como “o núcleo dos bambas do cinema e do teatro”. Não é para menos: contracena com Cleyde Yáconis, Fernanda Montenegro, Mariana Ximenes, Leonardo Vilar e Elias Gleiser, que a fizeram sentir-se totalmente confortável por pertencerem à mesma tribo. “São atores de gerações diferentes, mas com trajetórias semelhantes na constituição de suas carreiras, com foco no teatro e no cinema. Senti-me lisonjeada pelo convite. O Sílvio de Abreu e a Denise Saraceni têm um cuidado incrível na escolha do elenco. Eles levam em conta a vocação, o talento e não a celebridade”, ressalta.

Com Simone não foi diferente. Depois de vê-la no palco, Sílvio a convidou para representar Lurdinha. “Disso me orgulho muito. É legal saber que, por causa do seu trabalho, alguém escreve um papel pensando em você, para você, como foi o caso da novela”, ela conta.

A experiência de trocar os tablados pelos sets de gravação está sendo extremamente válida, segundo as atrizes. Débora destaca a competência dos profissionais da TV e, claro, dos colegas de cena; a “pegada” comercial da TV, que a insere em um novo universo; bem como o ritmo, que é totalmente diferente em relação ao teatro e ao cinema. “Há profissionais de extrema competência que fazem essa máquina funcionar. Eu contraceno muito com a Cleyde, com a Fernanda, com a Mariana e com o Leonardo, que têm uma dedicação incrível à obra. Estou aprendendo muito com eles”, ressalta.

No que diz respeito à diferença dos veículos, Débora compara o cinema a uma corrida de 100 metros rasos, enquanto a TV seria uma maratona, cuja energia tem que ser administrada. Depois de aparecer nos três primeiros capítulos, Olga ficou semanas fora do ar, mas conseguiu desenvolver uma cumplicidade com o público, que esperou a sua volta. “Eu tinha três capítulos para estabelecer o vínculo com a trama e com o público. Na TV não existe começo, meio e fim em uma hora e meia, como ocorre no cinema. O ator tem que ter consciência que a personagem tem significado em cada capítulo e na obra que está aberta, onde tudo poderá acontecer”, explica a atriz.

Simone também procura aproveitar ao máximo o corpo a corpo que a gravação de “Passione” proporciona com grandes feras dos palcos e da TV. Extremamente observadora, não se limita ao próprio set: acompanha as gravações de outros núcleos, em busca de aprendizado. “Tive o privilégio de estar em um núcleo de grandes nomes, como Irene Ravache, Francisco Cuoco, Gabriela Duarte, Alexandra Richter, Flávio Migliaccio, entre outros, que sempre me dão sugestões de interpretação. Sou privilegiada. Também estou adorando a linguagem, que é completamente diferente do teatro. Tenho aprendido muita coisa nova”, assegura.

Sua personagem — a Lurdinha — é um grande desafio, já que praticamente não tem direito à voz e, na velocidade da TV, tem que passar as informações para os telespectadores em gestos. “Como na TV tudo é rápido, tenho que me concentrar muito para fazer o certo”, explica. Apesar de Lurdinha não ter sido inspirada em ninguém em especial, a atriz acredita que haverá grande identificação dos telespectadores com a personagem. “Ela tem bastante coisa em comum com muitas pessoas que assistem à novela e sofrem com chefes linha dura. É uma personagem muito popular, muitas pessoas se identificarão com ela”, argumenta Simone.

Em contrapartida, a Olga de Débora foi inspirada em dois personagens: no mordomo do Batman, Alfred Pennyworth, que deixa claro a que veio só de entrar em cena, e no “O Fiel Camareiro”, interpretado por Albert Finney, que emprestou à empregada a noção de dedicação em servir e o caráter de integridade que Olga dedica à função.

Como define Débora, para a preparação de um personagem, seja no teatro, no cinema ou na TV, utiliza-se o mesmo barro, mas é preciso levar em conta a estética, a ”gramática” peculiar de cada um. A TV é para a atriz uma experiência absolutamente nova. “A Olga entra em momentos muito determinados e de forma potente. Ela imprime, é presente. Eu não sei, a princípio, o que vai acontecer com a personagem. Os capítulos vão chegando e Olga vai se revelando. Existe uma troca entre o ator e o autor. A narrativa vai se construindo e esse ‘não saber’, para mim tem sido surpreendente, pois Olga é muito humana em seus sentimentos e ações antagônicos”, ressalta.

Simone acrescenta, entretanto, que independente do veículo, a boa interpretação requer dedicação e estudo. “A única diferença é que a televisão te dá a oportunidade de refazer uma cena se achar que não ficou boa. No teatro não, o resultado tem que ser imediato, é muito mais difícil”, opina.

Se por um lado, o destino dos personagens é um enigma para os atores, a rotina das gravações não tem segredo: exige do ator completa disponibilidade. “Eu não chamaria de estressante porque quando a gente trabalha com o que gosta, o trabalho acaba se tornando uma diversão. Mas a TV é o ofício da espera. Às vezes, você fica um dia inteiro em estúdio e grava uma ou duas cenas. Nesse caso, cansa um pouquinho”, Simone acrescenta.

A rotina é tão exigente que Débora teve que abrir mão de uma nova temporada da peça de Pirandello, “O Homem, a Besta e a Virtude”, que planejava para este ano. Apesar de ter que conciliar o papel de atriz com o de mãe e de esposa, ela se diz feliz e bem adaptada às mudanças de rotina. “Quando minha rotina é modificada pela especificidade de um trabalho, olho para essa fase da vida como se estivesse vislumbrando uma aventura. De certa forma, esse movimento/rotina chacoalha a gente, que tem sempre que estar inventando esse espaço no novo cotidiano”, explica.

Outro detalhe interessante das telinhas é a possibilidade de trabalhar em uma obra por um longo tempo e ter relação diária com a câmara, segundo Débora. “Ao contrário do teatro, em que o ator escolhe o texto, o personagem, produz e tem certo domínio, no cinema e na TV, a construção do personagem é intermediada por vários fatores. Cabe ao ator construí-lo de forma a se comunicar com o público. O trabalho na TV é também muito intenso, volumoso, desgastante”, diz Débora. Para Simone, entretanto, uma das vantagens irrefutáveis da TV é a mídia espontânea. “Todos assistem à TV. Ir ao teatro, hoje, não é para qualquer um, os ingressos são caros, às vezes. Na televisão todas as classes sociais podem prestigiar meu trabalho, de alguma forma”, destaca.

Apesar da boa oportunidade proporcionada pela telinha, os planos futuros de ambas têm como endereço os palcos. Simone pretende fazer um show estilo coletânea, com músicas nacionais e internacionais e arranjos diferentes amarrados em uma história tipo stand-up, com o colega Eduardo Berton. “Adoraria poder estrear logo no segundo semestre. E, com certeza, continuar com bons trabalhos na TV e no teatro”, afirma.

Débora, em contrapartida, estará engajada no lançamento de dois filmes, “As Doze Estrelas”, do diretor Luis Alberto Pereira, e “Estamos Juntos”, de Toni Venturi. Também aposta e procura patrocínio para uma temporada do texto de Pirandello, que pretende apresentar aos alunos das redes pública e privada de ensino. “O texto levanta questões caras à sociedade, de maneira divertida. Tenho uma militância: luto para que a arte se encontre com a educação. Este é um trabalho que pretendo levar primeiro ao Estado de São Paulo, e quem sabe, posteriormente, a todo o país. Tenho muito carinho por Ribeirão Preto e acho dramático não conseguir apresentar meus espetáculos na minha cidade”, conclui.


Texto: Carla Mimessi
Foto capa: Marcos Rennar
Fotos matéria: Arquivo pessoal e Rede Globo

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