Dores e delícias da maternidade

Dores e delícias da maternidade

Dedicar-se aos cuidados com os filhos é recompensador, mas não é fácil. Conheça as histórias reais de cinco mães que vivem em meio ao amor e também às dificuldades da maternidade

Noites mal dormidas, malabarismos para equilibrar a profissão e os cuidados com os filhos, cobranças da sociedade e o medo de falhar. Ser mãe é muito mais do que a romantização comum: tem seus perrengues, altos e baixos, dificuldades e as felicidades. Para contar um pouco dessa experiência única, em comemoração ao Dia das Mães, celebrado no próximo dia 8 de maio, a Revide conversou com cinco mães. Em formato de depoimento, cada uma contou as dores e as delícias da maternidade. A empresária Keli Gonçalves, de 44 anos, sempre sonhou em ser mãe e decidiu seguir essa vontade de forma independente. Após uma espera de mais de seis anos, ela adotou sua filha Valentina, de 5 anos, com quem tem uma relação incrível. Para a auxiliar de serviços gerais Luci Paulino da Silva, de 58 anos, criar seus filhos Victor, Tatiane e Marcos não foi uma tarefa nada fácil. Além das dificuldades da maternidade, desde sempre ela precisou enfrentar o racismo e ensinar aos três sobre o caráter humano. Já a professora universitária Zumira Aparecida Carneiro, de 45 anos, precisou encontrar um equilíbrio entre a profissão, os estudos e os cuidados com a filha Karen em sua vida como mãe solo. A advogada Lena Pimenta, de 43 anos, vive dois lados da maternidade: é mãe de gêmeas, sendo que Leticia é autista e Larissa é uma criança típica. A administradora de empresas Carla Mazzoni Ristum, de 40 anos, divide a vida materna com sua esposa, a empresária Mariana de Oliveira Barros, de 40 anos. Através de uma fertilização in vitro, Carla gerou os gêmeos Antonia e Bento e, junto com Mari, vive a montanha-russa de emoções de criar seres humanos para o mundo.

Keli

Keli Gonçalves e a filha Valentina | Foto: Luan Porto Desde que me entendo por gente, sabia que seria mãe. Como a maioria das meninas, fui criada para construir uma família tradicional. Por volta dos 30 anos, a maternidade entrou nos meus planos de vez. A essa altura, já compreendia que não ter um parceiro não significava que eu era uma mulher solitária, mas sim solo. Sempre vivi rodeada de amigos, uma família do bem e que minha filha não iria esperar eu ser conquistada por um homem ou eu conquistar alguém para me tornar mãe. A produção independente por fertilização in vitro foi uma das primeiras opções, mas descobri que tinha um mioma e senti medo de engravidar e ter problemas com a gestação. Pensei em barriga solidária, mas quando decidi adotar, foi como se recebesse um prêmio divino. Fui atrás da parte burocrática e é maravilhoso quando você abre aquela carta que está escrito em letras garrafais a palavra “habilitada”. O período de espera é longo, esperei seis anos e meio por minha filha, mas quando a olhei pela primeira vez entendi que tinha mesmo que esperar por ela. Foi um momento inexplicável, porque eu já havia conhecido minha filha em um sonho que tive pouco tempo depois que ela nasceu sem nunca ter visto a Valentina.

Tivemos uma conexão imediata. Planejei a maternidade e ela lutou para viver e chegar até mim, pois nasceu prematura, em condições precárias, superou dificuldades até chegar o dia daquela mão segurar a minha e dizer: “Nós existimos e estamos juntas até quando Deus permitir”. Hoje, aos 5 anos, o desafio é lidar com o preconceito de ser filha através da adoção. Escuto muito aquela frase: “Mãe é quem cria”. Eu discordo, porque mãe é quem quer ser mãe. Os infinitos rótulos e títulos não deveriam caber nesta condição. A via que aquele filho foi gerado é outra história. Desde que tive Valentina, fui surpreendida em ser sempre procurada para conversar com mulheres que querem ser mães solo. Quando a opção é adotar, eu falo que gerar um filho tem duração máxima de nove meses, mas maternar a vida toda.

“Gerar um filho tem duração máxima de nove meses, mas ser mãe dura a vida toda”, Keli Gonçalves, 44 anos, empresária do ramo imobiliário. Mãe da Valentina Gonçalves, de 5 anos.

Luci 

Luci Paulino da Silva com os filhos Victor, Tatiane e Marcos | Foto: Arquivo pessoal Nasci em uma época conservadora, que a cultura da mulher era crescer, casar, ter filho e ser do lar. Segui os protocolos. Casei e tive meus filhos Victor, Tati e Marcos. A maior dificuldade na maternidade ensiná-los sem que isso trouxesse traumas a eles, porque sabia que enfrentariam preconceito por questão de raça e desigualdade social, e que eles não poderiam controlar o pensamento do outro. Por isso, deveriam agir com lealdade e respeito com o próximo. Tinha o apoio da minha mãe para trabalhar. Mas ela morreu quando meus filhos eram crianças, depois me divorciei e foi muito difícil. Criei meus filhos sozinha e, muitas vezes, não tinha com quem deixá-los. Como não podia faltar, levava os três e os deixava escondidos em uma salinha enquanto trabalhava. Com a ajuda de colegas de trabalho, conseguia realizar minhas atividades.

Ser negra em uma sociedade racista é um desafio diário. Por muitas situações, fiquei triste e me senti discriminada. Mas, por meus filhos, precisei me fazer forte, espelho e exemplo de sabedoria. Vi os três passarem por situações de racismo, mas tive sabedoria para lidar com a situação e consegui explicar que, por eles serem negros e pobres, teriam que se esforçar três vezes mais do que qualquer outra pessoa, que o preconceito é um desvio de caráter dos outros e não conseguimos controlar. A maternidade é o nosso ponto fraco e, ao mesmo tempo, é o que nos torna mais fortes. Hoje, meus filhos são adultos e maravilhosos seres humanos. Meu orgulho é ver que se tornaram pessoas honestas, inseridas no mercado profissional, formadas e com diploma na mão. O Victor é formado em Direito, a Tati é psicóloga e o Marcos atua na área da Tecnologia da Informação. Meu maior orgulho é ver que hoje eles me ensinam sobre a vida e a superar as dificuldades e os desafios. O conselho que daria para uma mãe negra é trabalhar os traumas dentro de você. É necessário transmitir aos filhos coragem e força de vontade para enfrentar os desafios diários da raça e questões sociais.

“Por meus filhos, precisei me fazer forte, espelho e exemplo de sabedoria”, Luci Paulino da Silva, 58 anos, auxiliar de serviços gerais. Mãe de Victor Luiz da Silva Candido, 33 anos, Tatiane Aparecida da Silva Candido, 30 anos, e Marcos Vinícius da Silva Candido, 24 anos.

Zumira 

Zumira Aparecida Carneiro com a filha Karen | Foto: Luan Porto Quando me descobri grávida, senti uma sensação de felicidade, mas também de medo e de insegurança. Minha gestação foi muito tranquila emocionalmente e também fisicamente. Um dos principais desafios da maternidade, na minha opinião, é aprender a lidar com cada fase da vida de um filho. Atualmente, estou vivendo a fase de ver minha filha “voar”. Porém, em muitos momentos, eu me sinto insegura, como quando ela estava com apenas 3 anos e tinha que deixá-la o dia todo na escolinha para que eu pudesse trabalhar. Infelizmente, não tive rede de apoio para me ajudar nos cuidados com ela, porque minha família é do Paraná e eu vim para Ribeirão Preto fazer mestrado, doutorado e pós-doutorado assim que me separei. Ser mãe solo é um desafio dobrado, pois, além de prover o sustento, o acesso ao ensino e ao lazer, ainda temos que nos responsabilizar sozinhas pela educação de um ser humano. Ser mãe solo é se doar o tempo todo. O que aconselho para outras mães nesta mesma situação é que não abram mão de seus filhos por nada, mas que também não abram mão de seus sonhos. Podemos realizar nossos sonhos ao mesmo tempo em que vivemos a dádiva de ser mãe.

Conciliar a minha vida profissional com a maternidade foi um eterno equilibrar para atender às expectativas dos dois lados. Muitas vezes, fui me deixando para depois. Apesar da força que a maternidade me deu para crescer profissionalmente, também me senti em conflito por não estar 100% disponível em nenhuma das situações – tanto na maternidade quanto na profissão. Mesmo hoje, que a Karen já tem 19 anos, esse sentimento ainda me aflige. Já o melhor da maternidade é a evolução constante que acontece conosco. O quanto crescemos e aprendemos a perdoar e a amar. E o que eu mais sonho que a minha filha conquiste na vida é a sua independência emocional e financeira.

“Podemos realizar nossos sonhos ao mesmo tempo em que vivemos a dádiva de ser mãe”, Zumira Aparecida Carneiro, 45 anos, professora universitária, mãe da Karen Mansini, 19 anos.

Lena 
Lena Pimenta com as filhas gêmeas Letícia e Larissa | Foto: Mariana Rocha
Ser mãe é uma forma de exercer gratidão pelo que recebemos de nossos pais, família e sociedade. Recebi amor, carinho e dedicação, e a maternidade nos proporciona a oportunidade de retribuirmos. Sou mãe de gêmeas e a Leticia é autista. O diagnóstico do autismo explica a causa de comportamentos atípicos e atrasos nos marcadores de desenvolvimento infantil. É um alívio quando reconhecemos tais sintomas e busca a causa e o tratamento, mas é um luto para famílias negacionistas. A maternidade atípica nos leva a uma montanha-russa de emoções. Ora estamos bem com a evolução de um filho, ora estamos mal com as adversidades do caminho. Por exemplo, a Letícia também tem apraxia severa da fala, então tem de ser ensinada fonema por fonema, requerendo resiliência da família. Como advogada, trabalho em prol da equidade, mas sabemos que uma criança com autismo requer mais de seu tempo do que uma criança típica, e essa balança pende mais para um lado em diversos momentos. A Larissa até fala que os irmãos de autistas amadurecem mais cedo, porque as adversidades chegam mais cedo para eles também. A Leticia faz terapias e a Larissa faz cursos extracurriculares, então sem rede de apoio é difícil coordenar tudo, ainda mais tendo que correr no escritório a todo momento.

O que mais amo na maternidade são as descobertas que fazemos ao criar seres humanos com personalidades distintas da nossa, nos faz crescer muito. Amar e doar-se incondicionalmente nos transforma e nos torna pessoas melhores. Amamos passear e viajar, são tempos preciosos que conseguimos estar mais juntas. Sonho que minhas filhas tenham vida próspera, com alegria em compartilhar vivências e conquistas com família e amigos. Uma vida independente, mas dependente de Deus, na qual possam contribuir com as comunidades que vão fazer parte. O ser humano é muito mais do que suas características físicas ou mentais. O maravilhoso é ter o olhar de Deus, que vê cada um de forma especial. Portanto, descubra os talentos de seus filhos e os estimulem a buscar a independência através deles.

“Descubra os talentos de seus filhos e os estimulem a buscar a independência através deles”, Lena Pimenta, 43 anos, advogada. Mãe das gêmeas Letícia e Larissa Pimenta, de 11 anos.

Carla 

Mariana Barros e Carla Rustim com os filhos Antonia e Bento | Foto: Arquivo pessoal Sempre quis ser mãe, mas a Mari não compartilhava da mesma vontade. Meu sonho era construir família a partir de um grande encontro. O grande encontro eu tinha, mas filho precisa ser desejado pelo casal. Quando estávamos com 38 anos, despertou o interesse na Mari. Tínhamos oito anos de relação de muito amor e confiança e muita vontade de permanecer juntas, foi assim que seguimos. O processo de fertilização foi tranquilo, eu queria muito passar pela gestação, amamentar, viver essa experiência. Precisamos fazer uma série de exames, escolher doador e iniciamos nosso processo. Tive uma gestação na primeira tentativa, mas foi interrompida. Tentamos de novo e vieram a Antonia e o Bento. Pude levar a gestação até quase 38 semanas, os gêmeos nasceram enormes. Nunca sofremos preconceito por ser uma família de duas mães, pelo contrário, temos muito acolhimento. Nesse primeiro ano de vida dos gêmeos, o principal desafio para mim é lidar com o ‘luto’ da Carla, dessa liberdade no meu papel como mulher, para ser tomada pelo papel de mãe. Amamentação também é um tabu. As pessoas julgam como algo natural e maravilhoso. Pode ser, mas muitas vezes não é. Amamentei meus filhos até os 6 meses com muita luta e dedicação. 

Falamos muito sobre a importância da educação do Bento, tomamos como uma responsabilidade maior porque a referência de masculinidade é permeada de machismo e estereótipos. Assim como da mulher também. Queremos que eles sejam adultos funcionais, que o cuidar da vida não esteja apoiado em identidades de gênero, que saibam cuidar da casa, das relações e que não se limitem a isso é de homem ou isso é de mulher. Eu sempre me dediquei muito ao trabalho. Mas, quando decidi engravidar, já desconfiava que a maternidade seria uma revolução. E acho que precisava dela. Ser mãe é o trabalho mais desafiador e, ao mesmo tempo, prazeroso que já fiz. O desenvolvimento da vida de um bebê te mostra que a vida passa muito depressa. Sonhar junto é o melhor da maternidade. Olhar a vida com olhar inaugural de uma criança. Isso é absolutamente mágico! 

“Olhar a vida com o olhar inaugural de uma criança é absolutamente mágico”, Carla Mazzoni Ristum, 40 anos, administradora de empresas, e Mariana de Oliveira Barros, 40, empresária, mães dos gêmeos Antonia Ristum Barros e Bento Ristum Barros, de 1 ano. 


Foto: Arte Revide

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