Dos shopping centers aos complexos multiuso

Dos shopping centers aos complexos multiuso

Em conversa com o publicitário José Breda, o empresário José Isaac Peres afirma ter desvendado o segredo do sucesso

Apesar dos inúmeros compromissos em sua última visita ao RibeirãoShopping, que dá andamento simultâneo a duas expansões — a sétima, primeira delas, deve ser inaugurada nos próximos meses e a oitava será concluída ainda em 2013 —, o economista e empresário, José Isaac Peres, encontrou espaço na agenda para um bate-papo com o publicitário José Breda. Na pauta, não poderia faltar a trajetória profissional desse empreendedor, que construiu, à frente da Multiplan, um verdadeiro império. Com participação média de 74%, a Multiplan possui, atualmente, 17 shoppings centers em operação. Juntos, os empreendimentos somam mais de 4.600 lojas distribuídas em 698 mil m² de Área Bruta Locável (ABL) e aproximadamente 164 milhões de consumidores por ano. Em breve, a empresa aumentará com a inauguração de um centro de compras em Maceió. Vale destacar que, em Ribeirão Preto, além do RibeirãoShopping, a Multiplan opera também o Shopping Santa Úrsula.

Na oportunidade, Dr. Peres, como é conhecido, também revelou suas crenças e superstições. 

Breda: Como começou sua trajetória profissional?
Dr. Peres: Essa é uma longa história, que tentarei resumir. Meu impulso inicial era me tornar arquiteto e cheguei até a estudar um pouco para isso. Mas achava que naquela época arquiteto não ganhava dinheiro e eu precisava ajudar minha família. Ingressei na Universidade Federal do Rio de Janeiro, que na época se chamava Universidade do Brasil, para cursar a primeira grande Faculdade de Economia do país. Achei que, como economista, seria mais fácil ter uma profissão bem remunerada. Naquele momento, imaginava que o economista é um sujeito que estuda e aprende a ganhar dinheiro. Paradoxalmente, na primeira aula de Economia Política, meu professor, que era um economista conhecido, virou-se para turma e fez um alerta: “se vocês vieram para esta faculdade pensando que ganharão dinheiro, estão redondamente enganados. Vocês vão, na verdade, ajudar os outros a ganhar dinheiro.” Assim, percebi que tinha tomado o bonde errado. 

B: De que forma descobriu o caminho certo?
Dr. Peres: Nunca tive um emprego, sempre trabalhei como autônomo. Minha primeira experiência foi como corretor de imóveis. Estudava de manhã e trabalhava à tarde. No terceiro ano da faculdade, em 1963, montei minha primeira empresa, a Veplan Incorporação Imobiliária. Desde o princípio, o “plan” esteve presente, fazendo uma referência à capacidade de planejamento que o economista deve ter. Na minha cabeça, tinha que fazer uma empresa imobiliária com um pensamento diferente do que vigorava até então, que era simplesmente vender imóveis. Assim, comecei com um novo conceito. Nós tínhamos um planejamento e promovíamos uma integração entre as áreas de arquitetura, pesquisa de mercado, engenharia, economia, departamento jurídico, entre outros. Montei uma estrutura completa para desenvolver projetos. Nossos serviços eram baratos e ainda incluíam a venda. Cobrávamos uma comissão de 6% para nos responsabilizarmos, inclusive pela publicidade, enquanto o mercado pedia 5% apenas para vender.

B: Por que essa estratégia fez tanta diferença? 
Dr. Peres: Até então, as pessoas viam um projeto e não conseguiam visualizar o resultado final. Além disso, o produto era lançado sem nenhuma avaliação de mercado e não existia marketing imobiliário. Antigamente, o anúncio de venda de imóveis era apenas um classificado, que se resumia ao desenho da fachada de um prédio. Começamos a fazer maquetes, o que ninguém fazia para vender. Elaborávamos apresentações muito modernas para a época, com uma linguagem que o comprador entendia e dava a sensação de que o empreendimento estava pronto. O que ocorre hoje, virtualmente, fazíamos há 45 anos, com as diferenças características daquela época. Começamos também a criar muitos eventos, muitas promoções. Éramos tão inovadores que chegavam a cogitar que nossa empresa seria do Juscelino Kubitschek ou que os sócios eram americanos. Mas não era nada disso. 

B: Essa característica inovadora foi mantida?
Dr. Peres: Sempre. A empresa que eu fundei em 1963, já em 1971, abriu o capital e se tornou a primeira empresa imobiliária de capital aberto. Aí, eu já não era mais um vendedor, mas um incorporador. Tornei-me um construtor e depois fundi a empresa com outra carioca, criando a maior empresa imobiliária do país, em 1972. Essa empresa chegou a ter um banco, mas eu achei que uma instituição financeira seria um risco muito grande, principalmente porque nós não conhecíamos esse negócio. Então, tomei minha primeira decisão importante: vendi a empresa que criei, mesmo sendo ela um sucesso incrível. Disse aos sócios que era o banco ou eu. Por isso, vendi minha parte. Foi nesse momento que criei a Multiplan. 

B: Foi aí que aconteceu sua primeira experiência com shopping centers?
Dr. Peres: Não, a primeira experiência com esse tipo de empreendimento aconteceu ainda na Veplan, com o Shopping Ibirapuera. Nessa época, nossa empresa era especialista em compra, venda e construção de imóveis. Quando resolvemos fazer o Ibirapuera, tivemos que mudar nosso conceito. Em princípio, projetamos o empreendimento — que era enorme, com seus 40 mil m² — para ser vendido através do financiamento em 10 anos para os lojistas. Mas achei que um condomínio comercial daquele tamanho seria totalmente incontrolável, já que os proprietários poderiam colocar lá o que quisessem no dia seguinte. O espaço poderia reunir, por exemplo, 30 farmácias ou cinco açougues. Isso não representaria a qualidade que estávamos buscando, embora imaginássemos que já seria muito bom. Depois, fiz uma conta e vi que o que eu iria receber em 10 anos vendendo eu receberia alugando. Intuí, dessa maneira, uma máxima que costumo dizer até hoje: quem vende recebe uma vez e quem aluga recebe três vezes. Foi assim que passamos ao mundo das locações e tive certeza de que a empresa seria rentável. 

B: A experiência com o Shopping Ibirapuera determinou o que faria no futuro?
Dr. Peres: Na verdade, nunca deixei de praticar a atividade imobiliária, que é a raiz da minha empresa e minha maior experiência. Em todos esses anos, passei por mais de 500 empreendimentos. Hoje, estamos focados na construção de shopping centers. Nessa trajetória, tive vários sócios, como o Banco Paribas e a Goldman Sachs, e agora meus sócios são os acionistas da Multiplan e a Ontario Teachers Pension Plan, através da Cadillac Fairview, a OTPP, que é uma fundação com uma grande empresa de shopping center com abrangência no Canadá e nos Estados Unidos,  com quem estabelecemos sociedade em 2006. Nesses anos, nossa empresa cresceu muito, especialmente depois de 2007, quando abrimos o capital. A partir daí, triplicou de tamanho, em todos os sentidos, da área aos lucros. Hoje, somos uma empresa focada em projetos multiuso, que incorporam outros empreendimentos em seu entorno, como hotel e edifícios corporativos, considerando o fato de que, cada vez mais, as cidades vão se tornando caóticas e as pessoas têm menos tempo para realizar várias atividades. Um bom shopping é aquele que consegue reunir tudo no mesmo lugar, criando facilidade. 

B: Como surgiu a oportunidade de investir em Ribeirão Preto?
Dr. Peres: Mais ou menos 40 anos atrás, visitei a cidade com o Ermelino Matarazzo, que me procurou porque tinha uma fábrica de juta numa avenida com um canal e uns coqueiros (Jerônimo Gonçalves). Olhei o lugar, mas percebi que não era um bom ponto. No entanto, gostei da cidade. Mais tarde, em negociação com o Bradesco, surgiu outra chance de fazer um shopping em Ribeirão Preto. Voltei aqui, mas o espaço disponível era o Theatro Pedro II, que provavelmente estava hipotecado ao banco. No entanto, não fazia parte da minha concepção demolir um teatro. Logo depois, apareceu a oportunidade de comprar uma parte da Fazenda Nova Aliança, da família Monteiro. Quando comecei a construir o RibeirãoShopping, minha proposta era bem aventureira: eu queria transformar aquela região. Comprei uma área grande — naquela época, o metro quadrado era muito barato. Uma questão me intrigava muito. Quando eu olhava para os lados, num giro de 360 graus, meu consumidor mais próximo era o espantalho da Fazenda. Às vezes, posava um anu naquele espantalho e eu pensava: “ai meu Deus do céu!” Sou meio místico e procurava não pensar na simbologia daquele pássaro. No final deu tudo certo.


B: Os investimentos em Ribeirão Preto continuam?
Dr. Peres: Hoje, temos um complexo multiuso completo em Ribeirão Preto. Ainda teremos mais um hotel, um apart hotel e estamos cogitando fazer um grande centro médico aqui. A ideia é que isso se torne uma microcidade com qualidade. Nesta expansão, estamos acrescentando academia de ginástica, centro de eventos e uma série de outros serviços. Apesar de ser adepto das áreas ao ar livre, aqui, optamos por fazer muitas áreas cobertas, pelo calor da cidade e pela quantidade de chuvas, garantindo conforto ao consumidor. Mas terá um lindo jardim suspenso que eu dei o nome de “Jardim da Babilônia”, inspirado no Rei Salomão, que vai ficar muito bonito. Além disso, construiremos um novo terminal de ônibus na entrada do RibeirãoShopping. Fizemos um projeto muito bonito, compatível com o nosso empreendimento, que começaremos a executar agora. Esperamos que isso tudo fique pronto até o fim do ano. No meio do ano, inauguraremos mais uma etapa das expansões. 

B: A que o senhor atribui esse bom resultado, não só em Ribeirão Preto, mas nos shoppings pelo país?
Dr. Peres: A grande lição que podemos ter na vida é que a determinação e o desejo de fazer bem feito dão certo. Lógico que o talento ajuda muito, mas eu tenho um lema na minha empresa que continuo praticando. Brinco até que descobri o segredo do sucesso e, sempre que eu o revelo, todos se surpreendem com sua obviedade: o segredo do sucesso é fazer bem feito. Tudo aquilo que você fizer bem feito dará certo. Mas existe um requisito básico: é preciso colocar o coração naquilo que executa. Quando se faz uma atividade por ideal, o sucesso é consequência. Se você colocar como meta o dinheiro, não vai ficar rico. Mas se você puser seu ideal, alcançará o sucesso e o dinheiro será consequência. 

B: Este ano, os empreendimentos seguem a todo vapor, como aconteceu em 2012?
Dr. Peres: Sim, continuaremos. Em 2013, inauguraremos um shopping em Maceió, que será a primeira experiência no Nordeste, em parceria com a Aliansce – nossa parceira na aquisição do Shopping Santa Úrsula, também dedicada a esse ramo. Teremos ainda, um grande centro empresarial em frente ao MorumbiShopping. Aqui, inauguraremos a sétima e a oitava expansões. Para se ter uma ideia, investimos nas obras de Ribeirão Preto, tanto de remodelação quanto de expansão, algo na casa de R$ 300 milhões. 

B: Além de empreendedor notório, o senhor é conhecido por seu lado místico. Por isso, escolheu um trevo como símbolo do seu negócio?
Dr. Peres: Foram vários fatores. Quando eu era garoto, sempre me diziam que trevo de quatro folhas dava muita sorte. Mas nossa logomarca nasceu em Belo Horizonte, ao lado do Trevo de Nova Lima, na antiga BR3, imortalizada na voz do Tony Tornado. O BHShopping foi o primeiro da minha empresa, o segundo da minha experiência pessoal e o terreno que eu encontrei ficava junto a um trevo. Aí tive certeza de que aquela localização traria sorte. E trouxe, mas deu um trabalho danado também, porque a sorte existe, mas é preciso correr atrás dela.

B: Ouvi uma outra explicação sua sobre a logomarca relacionando o formato do trevo e o shopping center. 
Dr. Peres: Sim, pois ele representa um ponto de encontro, para onde tudo conflui. O trevo também facilita muito o acesso. As ruas continuam as mesmas e o fluxo de carros é cada vez maior, por isso, os trevos ajudam a manter a ordem. 

B: Seu lado místico está em todas as áreas?
Dr. Peres: Tem muito a ver com meu lado espiritual. Temos que pensar que Deus realmente existe. Não posso dizer que Deus seja uma pessoa: sob o meu ponto de vista, ele é uma energia. Antes de conviver de perto com um médium, eu era uma pessoa muito cética. Creio que me sentia até um pouco onipotente, como é característico de pessoas que dão certo e alcançam sucesso muito cedo. No entanto, nunca fui arrogante. Sou a mesma pessoa que era antes de começar minha vida empresarial. Mas em um certo momento, pude viver uma experiência interessante. Vi que o que aquele médium fazia não poderia jamais ser explicado pela ciência. Convivi com ele por 15 anos até o falecimento, uns cinco anos atrás. Com ele, tive uma experiência muito bem-sucedida em relação a um problema que enfrentei. Em retribuição, achei que eu devia ajudar as pessoas também. Juntava grupos com problemas de toda ordem e até doenças incuráveis e promovia o encontro com o médium. Fora isso, essa convivência foi muito positiva, porque me aproximou ainda mais da crença de que não somos absolutamente nada além de poeira cósmica. 

B: O que mais aprendeu nesse sentido?
Dr. Peres: Aprendi que não estamos nesta vida não só para cumprir uma missão, mas acima de tudo para satisfazer aos nossos desejos e sermos humanos e solidários com os mais necessitados. Por isso é que o homem precisa de um desafio. Nossa vida não tem sentido sem isso. Para mim, a dor e o prazer são duas faces da mesma moeda. A vida é dolorosa e, por isso, buscamos o prazer. É isso que fazemos atualmente nos shoppings, criando entretenimento e diversão, dando mais prazer às pessoas. Fomos criadores, por exemplo, dos primeiros Multiplex do Brasil, em Brasília. Lembro que tinha um concorrente fechando o cinema dele porque ninguém frequentava. No mesmo momento, fiz oito salas. Ele apostou comigo que eu fecharia em um ano, mas, em vez disso, levei mais de 1,3 milhão de pessoas ao cinema. Quando busco entender porque essa empreitada deu certo, chego à conclusão de que foi pelo ineditismo. Na época, o videocassete estava começando a pegar no Brasil e muitos achavam que o cinema morreria. Isso não aconteceu. Hoje, alguns dizem que o e-commerce vai acabar com os shoppings, mas isso não acontecerá, porque tudo se reinventa. 


B: O senhor acha que a sociedade atual foi bem receptiva a esta nova cultura de ir ao shopping? 
Dr. Peres: No fundo, hoje existem duas coisas imprescindíveis pelo mesmo motivo. Todos nós temos medos, mas existe um medo que surge com a ruptura do útero da mãe para a vida. Ali, sentimos pela primeira vez a sensação de desolamento, de desamparo. Esse trauma é carregado pelo resto da vida. É por isso que acho que o maior fantasma da vida é a solidão, ou melhor, a sensação de desamparo e de estarmos sós. Hoje, temos dois instrumentos que ajudam as pessoas a se manter em contato. Um é o celular, que torna possível falar com as pessoas de qualquer lugar. O outro é o shopping que promove encontros. O shopping center é um grande palco para ver e ser visto. As pessoas se produzem para isso. Eu diria que ao mesmo tempo em que a tecnologia vai dando poder e isolamento (através do celular, do carro, da internet), criamos um sentimento de vazio. O shopping é, por isso, imprescindível, não apenas como um centro de compras e de serviços, mas como um lugar onde as pessoas se encontram para o lazer. 

B: O que o senhor faz como lazer?
Dr. Peres: Gosto de navegar e pescar. Para quem nasceu em Ipanema e se criou na praia do Leblon, tudo o que existia naquele tempo em nossa vida era a praia e o mar. Sou fascinado pelo mar, pela emoção e pelo desafio que ele impõe. Para mim, o mar sempre foi uma grande fonte de inspiração. O primeiro sócio que eu tive na vida foi através de um amigo de pesca. Era um italiano que cantava em uma boate no Beco das Garrafas, em Copacabana. Ele se casou com uma mulher rica e me pediu para vender um apartamento. Eu vendi o imóvel por um valor muito acima do que ele esperava. Depois de realizar seus planos, ele me consultou sobre o que deveria fazer com o restante, já que eu era estudante de economia e ele não entendia de investimentos e mal falava português. Então, decidimos fazer um edifício, o que eu nunca tinha feito, mas achava que podia. Compramos um terreno, ele deu a entrada e eu fiquei com a dívida. Só havia uma forma de pagar a minha dívida: vender o empreendimento. Se eu não vendesse, estaria falido aos 22 anos. De fato, fizemos, vendemos e foi um sucesso! Por isso, considero que o mar tem uma relação direta com a minha história. Até hoje, é o lugar onde me desligo. Na terra, é impossível se desligar. Acho que conseguimos nos desligar um pouco no mar ou no ar.  

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