Economia nos trilhos

Economia nos trilhos

Há 25 anos, o Plano Real entrava em cena para organizar a economia e conter a alta de preços instalada no Brasil; em Ribeirão Preto, a implantação da nova ordem monetária trouxe fôlego ao mercado

O ANTES...
Em 1994, o Brasil vivia uma das piores crises, com hiperinflação que chegou a reajustar produtos em até 50% no mês e estagnou negócios também em Ribeirão Preto. Nesse cenário, nascia o Plano Real, marco econômico e alternativa para organizar o mercado.

Instabilidade. Nenhuma palavra define melhor a situação econômica nacional no início da década de 90. Hiperinflação, demarcação diária de preços nos produtos, receio de consumidores, juros em alta, investimentos prejudicados, negócios estagnados. “Esse cenário tão complicado causou a pior das consequências para os negócios: o clima ruim dentro da empresa. Ninguém estava satisfeito: colaboradores com medo e sem vontade, não havia planejamento de investimentos. Vivíamos um verdadeiro caos”, conta o empresário Yussif Ali Mere Júnior, da área da saúde. 
“O Plano Real colocou a economia do Brasil nos trilhos. Trouxe o país para a realidade e mudou a perspectiva econômica”, diz Yussif Ali Mere
O símbolo da época foi a chamada hiperinflação — traduzida pelo aumento excessivo da média de preços de bens e serviços comercializados na economia. Segundo o Banco Central do Brasil, a inflação mensal atingiu seu recorde em junho de 1994, um mês antes da implantação do Plano Real, e chegou a 47,4%.
 Luciano Nakabashi, economista: “Inflação não foi a causa, mas sim a consequência de um governo fragilizado”
Cenário inflacionário teve origens na década de 30, com o governo Getúlio Vargas, mas foi intensificado por uma estratégia de crescimento do Brasil implantada nas décadas de 60 e 70, durante o governo militar. “Existia uma dívida externa muito grande, uma parte era das empresas e o governo tomou essa dívida, aumentando, assim, a dívida interna. O Brasil entrou, então, em moratória e havia um cenário de alta na taxa de juros. Então, a alternativa que restou ao país para o controle da economia foi a emissão de moeda, o que fez com que a inflação aumentasse cada vez mais”, contextualiza o economista Luciano Nakabashi, professor da Faculdade de Economia e Administração de Ribeirão Preto (FEA-RP), da Universidade de São Paulo (USP). 

Ainda segundo ele, a inflação não foi a causa, mas sim a consequência de um governo fragilizado. De acordo com Luciano, o país entrou em um ciclo, pois a alta de preços também prejudicou a confiança do empresariado em geral.

Vilões da inflação
As consequências de todo esse ciclo foram sentidas na pele pelo empresário do comércio Paulo Cesar Garcia Lopes, que à época já atuava nos negócios da família. “Era uma loucura. Na verdade, ninguém sabia o que estava acontecendo. Comerciantes e consumidores não tinham mais ideia do valor real que os produtos tinham, por conta da remarcação diária de preços. Era difícil ajustar estoques, ter faturamento e investir no negócio. Com isso, as vendas foram prejudicadas e o comerciante era visto como vilão da inflação pelos consumidores. As pessoas não entendiam que éramos apenas mais um elo na cadeia”, conta Paulo, que conseguiu passar pela tempestade econômica vivida no país e continua à frente da empresa familiar de tecidos, que já tem 53 anos de mercado, além de ser presidente do Sindicato do Comércio Varejista de Ribeirão Preto (Sincovarp).
Antes da implantação do Plano Real, o Brasil vivia uma loucura, ninguém sabia o que estava fazendo. Essa transição foi histórica”, afirma Paulo Cesar Garcia Lopes
Ainda segundo ele, tudo isso começou a mudar a partir de março de 1994, quando foi lançada a Unidade Real de Valor (URV), segunda fase do Plano Real, apresentado à sociedade pelo então ministro da Fazenda, Fernando Henrique Cardoso, em dezembro de 1993. Espécie de moeda “virtual”, a URV era uma referência estável de valor. A cada dia, o BC fixava uma taxa de conversão da URV em cruzeiros novos, baseada na média de três índices diários de inflação. Assim, as pessoas continuavam a usar o cruzeiro novo para as compras, mas com a URV como referência para estabilizar os preços. Segundo economistas e empresários, a URV é considerada a “parteira do Plano Real”, que mudaria o cenário nacional e tiraria a economia do colapso. “Foi uma época histórica da economia. Quem viveu essa fase teve a oportunidade de ver tudo isso. Teve uma experiência inédita”, conclui Paulo.

... E O DEPOIS
A implantação do Plano Real, no dia 1º de julho de 1994, foi um marco econômico que transformou a relação de empresários e consumidores com os negócios.

Para o empresário do setor de construção Fernando Junqueira, com a implantação do real, houve uma mudança de paradigma no país. A relação das empresas e também dos consumidores com o mercado mudou. “O Brasil nunca foi fácil para o empresário, mas passamos por um momento muito difícil. Com o Plano Real, o país começou a retomar sua força, a bagunça começou a ser arrumada e era possível pensar em investimentos e se planejar. O mercado e as pessoas começaram a entender os preços e a economia em geral”, conta Fernando, que está à frente de uma empresa com 34 anos de mercado, e que estava em sua primeira década quando o real foi implantado.
Fernando Junqueira, empresário do setor de construção civil, afirma que o real trouxe estabilidade e retomada de investimentos
Ainda segundo ele, para o setor de construção civil, a retomada em Ribeirão Preto teve foco nas obras industriais e comerciais. “Aos poucos, foram surgindo demandas por obras de centros comerciais, indústrias de álcool e o setor de bens de capital em geral. Começava uma nova era”, conta o empresário, hoje também vice-presidente da Associação de Engenharia, Arquitetura e Agronomia de Ribeirão Preto (AEAARP).
“O maior impacto do Plano Real foi o aumento de renda das classe C, D e E que aumentaram o poder de compra e assim deixaram de perder tanto com a inflação”, avalia Dorival Balbino
Para o empresário da indústria Dorival Balbino, hoje presidente da Associação Comercial e Industrial de Ribeirão Preto (ACIRP), essa expansão ocorreu porque, em um primeiro momento, o mercado interno se fortaleceu muito. “Os pequenos comércios e prestadores de serviços tiveram condições de se estruturar melhor realizando planejamento financeiro e aprimorando a gestão, além de melhorar o faturamento já que havia dinheiro mais forte na mão das pessoas. O maior impacto do Plano Real foi o crescimento da renda das classe C, D e E, que aumentaram o poder de compra e assim deixaram de perder tanto com a inflação”, afirma. Ainda segundo Dorival, para as indústrias, o aumento do consumo foi muito positivo para o ganho de escala em Ribeirão Preto. “O avanço econômico também viabilizou investimentos no parque industrial, que ampliou capacidade instalada e modernizou algumas indústrias”, explicou.
Marcelo Bosi Rodrigues, economista: “Naquele momento, havia muita insegurança quanto à efetividade do Plano Real”
O economista Marcelo Bosi Rodrigues, delegado do Conselho Regional de Economia (Corecon), lembra que, por outro lado, o Plano Real também enfrentou ceticismo do mercado. “Naquele momento, havia muita insegurança quanto à efetividade do plano, mas a iniciativa acabou sendo bem sucedida”, diz. 

Para o presidente da associação, comércio e serviços foram os setores que mais se beneficiaram com a estabilidade econômica. “Com mais pessoas comprando, muitas empresas expandiram, contrataram mais funcionários e puderam fazer a roda da economia girar. O aumento da renda da população mais pobre, logo no primeiro ano, transformou milhares de pessoas que viviam em situação de miséria em consumidores”, relembra.

Lição a ser praticada
Para os empresários, mais do que mudar a história da economia nacional, o Plano Real serve de lição para evitar novos erros econômicos. “O governo precisa ajustar as contas e controlar a inflação, caso contrário, todo esse esforço, feito há 25 anos, não terá valido para nada”, alerta o empresário Yussif Ali Mere Júnior, que hoje também é presidente do SindRibeirão (Sindicato dos Hospitais, Clínicas e Laboratórios de Ribeirão Preto). “Ainda hoje, estamos vivendo à sombra da hiperinflação. Exemplo disso é que apenas há pouco tempo a taxa Selic baixou para níveis razoáveis e ainda assim a taxa real de juros ainda é muito alta em comparação com outras economias mundiais. Infelizmente, a recessão acabou corroendo parte da renda da população mais pobre, assim impactando a economia”, destaca Dorival Balbino. 

Para o economista Luciano Nakabashi, uma das medidas mais urgentes para conter os gastos públicos e evitar um novo ciclo difícil para a economia é a reforma da Previdência, uma vez que essa área representa a maior fatia dos gastos públicos, que, por sua vez, precisa de controle. “Se a reforma não acontecer, em 10 anos, os gastos com Previdência vão aumentar mais 2% do PIB. De algum lugar, esse recurso terá que sair: ou os impostos precisarão ser elevados ou outros gastos, como com saúde e educação, terão de cair. Tudo isso representa uma ameaça ao cenário econômico”, conclui. 

Texto: Raissa Scheffer

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