Educação sexual

Educação sexual

Especialistas explicam como abordar o tema com crianças e adolescentes para ensiná-los a se proteger de abusos sexuais

A educação sexual costuma ser um tabu e os pais, geralmente, têm dificuldade para orientar seus filhos. No entanto, especialistas alertam que é importante falar sobre o assunto, até para que as crianças e os adolescentes aprendam a se proteger diante de situações potencialmente perigosas.

 

A Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP) defende que nunca é cedo demais para falar sobre isso e que não precisa ser uma conversa assustadora: é possível criar uma história, usar uma música ou até contar com o auxílio de um livro. De acordo com a SBP, o objetivo é sugerir o debate e a reflexão acerca do abuso sexual na infância e adolescência e, com isso, tentar evitar experiências traumáticas.


Segundo a professora da Unaerp e psicóloga clínica Bruna Grigolli Pérsico, é preciso compreender que a sexualidade está atrelada à condição humana. Ela explica que a educação sexual diz respeito ao direito da pessoa de receber informações sobre corpo, sexualidade e relacionamento sexual. Pensando nisso, as conversas precisam ser claras frente a curiosidade apresentada pela criança ou adolescente, respeitando a sua fase de desenvolvimento e ajustando a linguagem à idade.

 

“As curiosidades sobre o corpo estão presentes desde muito cedo nas crianças. Cada família precisa perceber qual a necessidade de esclarecimento que a situação apresentada pede. Assim, as dúvidas devem partir da criança, que precisa encontrar na família um ambiente cuidadoso para conversar”, ressalta. 


A profissional comenta que as famílias temem que a educação sexual incentive a iniciação sexual precoce. Contudo, ela lembra que os estudos demonstram exatamente o contrário: quanto menos informação, mais cedo poderá ser o início da vida sexual.

 

“Assim, as orientações devem ser claras a partir da curiosidade apresentada, sem tabu ou temor, tratando a situação de forma respeitosa. A família é o primeiro vínculo social da criança e é necessário permitir que ela se desenvolva onde a confiança seja a base da relação. Vamos lembrar que os pequenos aprendem a partir do que observam e dos modelos que convivem. Poder crescer e se desenvolver em uma família protetora, cuidadosa e amorosa favorece o senso de confiança entre pais e filhos”, explica Bruna.


A psicóloga Paula Cristina Murtha recomenda que a conversa sobre educação sexual deve fluir com a maior naturalidade possível. Tudo transcorrerá tranquilamente conforme a maturidade que os pais tratam este assunto para si mesmos em função de suas próprias vivências, de suas histórias de vida e de relacionamentos.

 

Ela aconselha que, ao iniciar a conversa sobre este assunto, o adulto deve se colocar em uma posição que viabilize o alinhamento da altura dos olhos com a criança. Pode-se utilizar de momentos de brincadeira com bonecos e desenhos para iniciar sutilmente o assunto, recorrendo a um vocabulário de fácil entendimento para a criança.

 

Paula avisa que é preciso evitar termos técnicos, pejorativos e até mesmo apelidos para as genitálias, que podem confundir a criança ou desvalorizar qualquer parte ou do corpo da criança ou do adolescente, interferindo na autoimagem e na autoestima. “Tenha empatia com a criança ou adolescente, acolhendo suas dúvidas por mais simples que pareçam, evitando repreender por erros ortográficos ou de dicção na fala ou no entendimento das palavras que venham a expressar”, destaca. 


Além disso, a psicóloga afirma que a educação sexual também é de suma importância para toda a sociedade, indo além do ambiente familiar, abrangendo o ambiente escolar, que é o segundo grupo de convivência em que eles são inseridos socialmente, sendo de extrema necessidade para seu desenvolvimento. Além disso, ela aconselha que, desde pequenas, as crianças sejam orientadas sobre a proteção e o cuidado do próprio corpo, que ele seja respeitado por todos os familiares, sejam adultos ou crianças.

 

“Esta orientação já se inicia precocemente com os cuidados de higiene pessoal, no banho e limpeza de suas genitálias após fazerem suas necessidades fisiológicas. Quanto mais simples for a explicação, a orientação será melhor entendida e assimilada”, esclarece.

 

Paula também explica que é sempre bom ensinar para os filhos que eles devem permanecer sempre próximos aos pais ou responsáveis em ambientes amplos e públicos, que devem evitar contato e não aceitar presentes de pessoas estranhas e incentivar a confiança para contarem sobre o que acontece com eles. “Também devemos estar alertas aos conteúdos virtuais acessados pelas crianças e adolescentes, a fim de evitar conteúdos obscenos e pornográficos. Estando sempre abertos para que a criança se sinta à vontade para falar sobre qualquer assunto”, reforça.

 

Números

 

O Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) aponta que o Brasil é o segundo país no mundo com mais casos de abuso sexual contra crianças e adolescentes. Dados do Anuário Brasileiro de Segurança Pública de 2022 indicam que os principais abusadores costumam ser familiares e outras pessoas muito próximas da criança ou do adolescente. Os números mostram que 95,4% são homens e 82,5% são conhecidos da vítima, sendo que 40,8% eram pais ou padrastos, 37,2% irmãos, primos ou outro parente e 8,7% avós. Outro dado alarmante é que 76,5% dos estupros acontecem dentro de casa. 

 

De acordo com Paula, em casa e na escola, é importante observar a alteração no comportamento das crianças ou adolescentes, como depressão, ansiedade, transtorno alimentar, enurese (incontinência urinária), encoprese (distúrbio da evacuação caracterizado pela eliminação repetida e involuntária das fezes), déficit de atenção, hiperatividade, conduta hipersexualizada, isolamento social, uso/abuso de substâncias psicoativas, furtos, fugas, autolesão, baixa concentração, desconfiança, inferioridade, inadequação, medo, culpa, vergonha, tristeza, pouca interação e isolamento social, considerados como sintomas, e alertar para a necessidade de avaliação mais minuciosa como prevenção ao assédio, abuso e estupro de vulnerável, bem como casos de negligência, violência e maus-tratos para proteção da criança ou adolescente.

 

“A vivência destas situações e o aparecimento destes sintomas impactarão no desenvolvimento da criança e do adolescente, podendo desencadear diversos quadros que afetam a saúde mental e a vida da criança, que futuramente poderá vir a desenvolver quadros doença mental, de psicopatias e até mesmo sociopatias”, avisa Paula.


A psicóloga ainda esclarece que os abusadores usam diversas táticas para aliciar paulatinamente a criança. “Geralmente, eles iniciam por ações sedutoras e acolhedoras, gradualmente ganham a confiança da criança e da família, são perspicazes e reconhecem o ponto frágil para acesso à vítima e, através disso, vão se inserindo pouco a pouco, interferindo na autoestima dela, fazendo se sentirem especiais, diferenciadas e, por vezes, mais valorizadas”, detalha. Por isso, Paula avisa que é necessário ensinar os filhos a não terem segredos com outras pessoas.

“O melhor modo de ensinar a criança a lidar com segredos é ser e dar exemplo vivo de que não é bom ter segredos, que qualquer segredo, em algum momento, será revelado. O relacionamento familiar deve ser pautado e exemplificado no respeito e confiança entre seus membros, principalmente entre os pais e responsáveis, sendo fator diferencial para que a criança se perceba acolhida, valorizada, respeitada e amada”, conclui Paula.

 

Crime


A advogada e presidente da Comissão de Direitos Humanos da OAB de Ribeirão Preto, Perla Müller, explica que a expressão “abuso sexual” é utilizada para abranger um rol de condutas violadoras da dignidade e liberdade sexuais.

 

“São atos forçados com teor sexual ou não consentidos, com ou sem violência física, como o estupro ou sua tentativa, carícias não desejadas, o sexo forçado, o assédio sexual, dentre outras condutas. As leis penais brasileiras protegem a dignidade e liberdade sexuais criminalizando essas práticas que chamamos, genericamente, de abuso sexual, e penalizando seus autores”, informa.

 

No caso de crianças (pessoas com até 12 anos incompletos) e adolescentes (pessoas de 12 a 18 anos), eles encontram proteção contra essas figuras criminosas tanto no Código Penal como no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). “Assim, o Código Penal estabelece a penalização para crimes como a satisfação de lascívia mediante presença de criança ou adolescente, bem como o estupro de vulnerável e a exploração sexual de vulnerável, isto é, da pessoa menor de 18 anos. O ECA, por sua vez, criminaliza a produção, a venda, a distribuição, a aquisição e a posse de pornografia envolvendo criança ou adolescente e outras formas de pedofilia na internet”, ressalta a advogada.

 


Perla informa que qualquer pessoa que suspeite que a criança ou o adolescente esteja em situação de risco deve reportar aos órgãos competentes e o anonimato de quem comunica essas violações é garantido. A orientação é buscar o Conselho Tutelar, as delegacias, principalmente aquelas especializadas no atendimento de crianças ou de mulheres, ou o Ministério Público. “A comunicação pode ser feita também para a Polícia Militar, através do telefone 190, ou para o Disque 100, que recebe denúncias de violações de Direitos Humanos. E se essa comunicação for feita aos profissionais da saúde, como médicos, enfermeiros e psicólogos, eles, obrigatoriamente, têm que encaminhar a notificação aos conselhos tutelares e polícia”, finaliza. 


Imagem: reprodução

Compartilhar: