Efeito cascata

Efeito cascata

Aumento de salário dos vereadores e prefeito irá gerar um “efeito cascata”, aumentando o teto do funcionalismo municipal e gerando um impacto anual de mais R$ 31 milhões aos cofres públicos

A Câmara Municipal dos Vereadores de Ribeirão Preto aprovou, no dia 23 de fevereiro, um projeto de lei proposto pela Prefeitura que reajusta os salários dos secretários, vice-prefeito, prefeito e dos próprios parlamentares em 49%. Na justificativa oficial, os parlamentares apontam que o reajuste nos subsídios resultará em gastos adicionais anuais de R$ 1,3 milhões no Executivo e R$ 1,9 milhões no Legislativo. Entretanto, a Câmara pareceu ignorar o fato de que o salário do prefeito é o teto do funcionalismo municipal. Ou seja: qualquer aumento resulta em um efeito cascata. Servidores da ativa, aposentados e pensionistas serão afetados pelo aumento. Atualmente, são 118 servidores na ativa e 260 aposentados, que são beneficiados diretamente pelo aumento no teto.

 


Segundo análise feita pela Agência Farolete, se o salário do prefeito passar para R$ 34.384, como propõem os vereadores, o efeito cascata ao ano será de R$ 9,4 milhões no Executivo e de R$ 22 milhões no IPM, órgão público que gerencia os aposentados e pensionistas. Na somatória, são, ao menos, R$ 31,4 milhões a mais ao ano, sem levar em conta demais órgãos da administração indireta, como autarquias. Esse montante também não considera os efeitos do reajuste do próprio prefeito, secretários e vice: na configuração atual, R$ 1,3 milhão a mais ao ano – o único valor contabilizado pela Câmara no projeto de lei. Assim, o impacto real no Executivo – pelo menos R$ 32,7 milhões – é 25 vezes superior ao estimado pela Câmara no projeto.

 


Caso seja sancionado pelo prefeito, o aumento passará a valer a partir de 2025. No texto, o executivo justifica que os subsídios não são reajustados desde janeiro de 2017. De lá até janeiro de 2023, a inflação foi de 36,2%, segundo o indicador IPCA do IBGE. Parte da pressão para o aumento vem dos funcionários de carreira da Prefeitura, que já atingiram o teto. Se o subsídio do chefe do Executivo fica congelado, o deles também fica. Na prática, têm perdas financeiras a cada ano, já que sequer recompõem a inflação. Considerando os dez municípios paulistas mais populosos, o salário do prefeito de Ribeirão Preto é o segundo menor. Não obstante, a Câmara não precisaria reajustar o subsídio dos vereadores, já que ele é desvinculado do Executivo. 

 

 

ANÁLISE

 


Entidades e especialistas ouvidos pela reportagem foram unânimes: apesar de legal, ou seja, respaldado pela Lei Orgânica do Município e Constituição Federal, o projeto de lei que aumenta os salários é imoral. “Nada é mais rasteiro e velhaco do que pautar um projeto que aumenta em quase 50% os próprios salários às vésperas da população viajar e votá-lo quando a sociedade ainda retorna do feriadão. O que assistimos na primeira sessão após o Carnaval foi, sem meias palavras, uma farra com dinheiro do contribuinte, uma legítima quinta-feira de cinzas”, declarou a Acirp em nota. A entidade cobra o prefeito que vete o projeto.

 


O advogado Juarez Alves De Lima Júnior corrobora com a ideia de que o projeto foi votado de maneira atipicamente célere e que, apesar de não ferir a Constituição ou a Lei Orgânica do Município, falta bom senso e moralidade. “Embora legítimo, o projeto peca pela falta de bom senso e falta de equidade e moralidade administrativa. Não há também uma observância ao momento que a cidade passa. Um momento em que o município está carente de moradia, de saúde e educação”, destaca o advogado. Juarez acrescenta: “Enquanto munícipe, acompanho a maioria da população, que é totalmente contrária a esse aumento. Primeiro porque não se vê na Câmara de Vereadores qualquer respaldo na defesa dos interesses da sociedade de Ribeirão Preto. O que mais se tem visto ao longo dessas duas últimas legislaturas, sobretudo, são atuações egocêntricas, situações fisiológicas, demagógicas, sempre sobrepondo a vontade ou o interesse particular dos vereadores e do Executivo à vontade popular, ao interesse coletivo. Estão contado com a memória curta dos eleitores como um todo”, conclui.

 


O professor e cientista político Luiz Rufino utiliza uma ideia de Michel Foucault para avaliar o aumento de salários. Para o filósofo francês, a administração pública consiste em “administrar ruídos”. Ou seja, controlar ou neutralizar as vozes discordantes que podem ameaçar o poder ou a autoridade de uma instituição. “Mas parece que a Câmara não avaliou o tamanho do ruído que ela causou aumentando o próprio salário, ainda que seja para a próxima legislatura. Um legislador que legisla para si próprio é um péssimo legislador. E foi isso que eles fizeram, desconsideraram a totalidade da população. Nem sequer tramitaram o projeto da forma correta para que fossem colhidas as opiniões dos cidadãos”, analisa Rufino. 

 

Novos salários 

 

Vereadores: de R$ 13,8 mil para R$ 20,6 mil
Secretários municipais e vice-prefeito: de R$ 11,5 mil para R$ 17,2 mil
Prefeito: de R$ 23 mil para R$ 34,4 mil

 

Nas mãos do prefeito

 

O projeto, que recebeu 19 votos favoráveis na Câmara, segue agora para sanção do prefeito Duarte Nogueira (PSDB). Ou seja, está nas mãos do prefeito aprovar o vetar. O aumento pode ser vetado em sua totalidade ou em partes, conforme análise do Executivo. Caso seja vetado integralmente ou parcialmente, o veto será votado novamente na Câmara. Nessa segunda discussão, os vereadores votariam se acatam os impedimentos propostos pelo prefeito. Se aceitos, o texto passa a valer com a nova redação. Caso o veto seja derrubado, a Prefeitura pode mover uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (Adin), judicializando a questão. Outra alternativa seria aceitar a derrubada do veto e manter o texto original.

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