Eleições e fake news

Eleições e fake news

Cristina Godoy Bernardo de Oliveira, professora da Faculdade de Direito de Ribeirão Preto, explica como o uso de notícias falsas interfere no processo eleitoral

O uso de notícias falsas durante o período eleitoral é uma prática antiga. A novidade é a forma de disseminação e a velocidade de propagação, especialmente com o uso das redes sociais. Nesta entrevista, a professora Cristina Godoy Bernardo de Oliveira, docente da Faculdade de Direito de Ribeirão Preto (FDRP) da USP explica o impacto das notícias falsas nas eleições e de que forma a inteligência artificial pode ser uma aliada da democracia no combate à desinformação. Cristina é chefe do Departamento de Filosofia do Direito e Disciplinas Básicas e principal investigator (PI) do Centro Para Inteligência Artificial da USP-IBM-Fapesp, é especialista nas áreas de Direito e Tecnologia, Ética e Inteligência Artificial, Regulação de Novas Tecnologias e Blockchain. 

 

Como podemos definir o que são fake news e por que são tão usadas em período eleitoral?

 

Para definir o que são as fake news, gosto da classificação dada pelo Conselho Europeu, que dividiu as fake news em três categorias: desinformação (notícias falsas criadas e disseminadas com o intuito de prejudicar terceiros, ou um grupo social, ou uma organização, ou um país); notícia falsa (compartilhamento falso por um indivíduo que não possui o objetivo específico de prejudicar alguém); e má-informação (notícias verdadeiras que são editadas e disseminadas com o escopo de causar danos a terceiros). Todas as categorias são utilizadas em período eleitoral, sendo que as mais danosas são as correspondentes à desinformação e a má-informação, já que o escopo principal delas é ocasionar danos a terceiros. Atualmente, em razão da velocidade de disseminação das fake news, o impacto no processo eleitoral é elevado, sendo esse o motivo de se utilizar cada vez mais deste instrumento para atingir determinados candidatos, por exemplo. Por fim, é importante ressaltarmos que, de acordo com o Relatório Europeu de 2018 sobre Desinformação, foi apontado que as fake news e os bots (automatização para execução de tarefas),  estavam sendo mais usados por democracias do que por regimes autoritários, uma vez que a disputa eleitoral em democracias é mais acirrada e possui mais candidatos concorrendo ao pleito eleitoral, sendo que o uso das fake news tornou-se um importante instrumento no processo eleitoral embora atinja, negativamente, as democracias.

 

As notícias falsas sempre permearam o cenário político. De que forma o avanço tecnológico mudou essa lógica?

 

As fake news não são algo novo, ou seja, a novidade no século XXI é a forma de disseminação e a velocidade de propagação. Nos séculos XVII e XVIII, com os panfletos das publicações impressas, por exemplo, os Canards (gazeta com notícias falsas difundidas em Paris a partir do século XVII), verificava-se a divulgação das fake news de forma intensa e os autores ficavam no anonimato; porém, nada se compara com a rapidez de disseminação atual. Além disso, um dos fatores determinantes para que a propagação de uma fake news seja rápida é o seu conteúdo emocionante, ou seja, independentemente da falsidade da notícia, ao existir uma informação que indique um plano mirabolante de conspiração ou a morte de uma celebridade, a probabilidade será altíssima de uma disseminação elevada. Um estudo da Universidade de Columbia e do Instituto Nacional Francês, em 2016, concluiu que 59% dos links compartilhados em redes sociais não são clicados efetivamente, logo, observa-se que títulos atraentes geram uma maior predisposição a se disseminarem mais rápido. Adicionalmente, mesmo sendo clicado o link compartilhado, poucos parágrafos da notícia são lidos. Diante da pouca retenção de leitura dos links compartilhados, pode-se notar como é possível disseminar uma fake news apenas com uma manchete atrativa.

 

Como a inteligência artificial pode ser uma aliada da democracia no combate à desinformação?

 

A inteligência artificial possui um papel relevante na circulação das fake news por meio do emprego de bots que são responsáveis pela publicação, compartilhamento e rápida circulação de desinformação, sendo que fazem com que as pessoas acreditem que aquela notícia é verdadeira, já que existem tantos comentários, compartilhamentos etc. No entanto, a inteligência artificial está apresentando um papel fundamental para o combate das fake news, como, por exemplo o bot sentinela que por meio do uso de aprendizado de máquina, é projetado para detectar contas, por exemplo. Também temos o NILC-USP – Detecção Automática de Notícias Falsas para o Português: trata- se de um projeto desenvolvido pelos pesquisadores do núcleo Interinstitucional de Linguística Computacional, da USP e da Universidade Federal de São Carlos, sendo que é realizada a análise textual, por meio do emprego da inteligência artificial, para facilitar ao usuário da internet identificar as notícias falsas, possuindo 90% de precisão. Dessa maneira, a IA apresenta-se como uma grande aliada para o combate das fake news, quer pela identificação de perfis não humanos, quer pela checagem do conteúdo por meio do processamento de linguagem natural.

 

Uma vez disseminada pelas redes sociais, uma fake news passa a fazer parte do imaginário popular. Existe alguma maneira eficaz de desmentir falsas informações?  

 

A forma mais eficaz de combater as fake news é evitar que elas circulem e educar a população para que busque a informação em fontes confiáveis. Após a disseminação das fake news, torna-se difícil de desmenti-las, mesmo se forem circuladas as informações verdadeiras, já que existe a carga emocional conectada à desinformação. A proposta apresentada por um grupo de especialistas designados pela Comissão Europeia para enfrentar o problema concernente à desordem informacional recomenda a adoção das seguintes medidas: 1) aumento da transparência em relação à divulgação de notícias e ao uso de dados pessoais para direcionar informações aos usuários; 2) fomentar a educação voltada para mídia; 3) criar ferramentas de combate à desinformação para os jornalistas; 4) fortalecer a diversidade dos meios de comunicação e 5) incentivar estudos científicos de determinação do impacto causado pela desordem informacional. 

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