Eleições mais seguras
Críticas às urnas eletrônicas soam como ‘cortina de fumaça’ para possíveis derrotas eleitorais, afirma Luiz Eugênio Scarpino Jr

Eleições mais seguras

Professor e advogado Luiz Eugênio Scarpino Júnior critica informações falsas sobre segurança das urnas eletrônicas e discute a confiabilidade do sistema eleitoral brasileiro

*Entrevista originalmente publicada na Revide 1127 (26/08/2022).

Mentiras criadas por diferentes setores e forças políticas da sociedade rondam as urnas eletrônicas brasileiras desde a implantação dos equipamentos, em 1996. Entretanto, os boatos se tornaram mais frequentes nos últimos anos, como o de que as urnas (que não dispõem de acesso à internet) podem ser invadidas por hackers. Em consequência disso, tais mentiras e ameaças agora estão afetando o sistema eleitoral do país e gerando desconfianças em parte da população brasileira sobre a segurança do modelo de escolha dos nossos representantes.

 

Para dissipar a onda de críticas infundadas e das fake news, a Justiça Eleitoral realizou parcerias com redes sociais para a fiscalização dos conteúdos veiculados antes, durante e depois das campanhas. As eleições de 2022 contarão com a participação de oito observadores nacionais e de missões internacionais, como a da Organização dos Estados Americanos (OEA). A seguir, o advogado e professor do Curso de Direito da Unaerp, Luiz Eugênio Scarpino Júnior, critica a disseminação de boatos e comenta os esforços das autoridades em garantir eleições limpas e justas para todos.

 

Devemos confiar nas urnas eletrônicas? Por quê?

 

As urnas eletrônicas e o sistema de votação no Brasil são exemplares. O país é referência e deve ser reverenciado por possuir um sistema confiável, rápido e que retrata o resultado do eleitor. Desde 1996, o processo de votação acontece desta forma e, em nenhuma vez, tivemos reclamações estruturais ou qualquer motivo crível para descredibilizar o resultado. É natural que haja fiscalização pelos partidos políticos, pela sociedade civil, que haja transparência nos testes feitos com especialistas e autoridades e demonstração de como o sistema funciona para ampla publicidade do eleitorado. Acompanhando as votações ao longo dos últimos anos e analisando as críticas feitas, não é razoável que ainda haja quem desconfie da integridade das urnas eletrônicas. Tais críticas soam mais como “cortina de fumaça”, como uma justificativa para amparar uma possível derrota, ou, em casos mais graves, para assentar um golpe contra a democracia.

 

Em seu ponto de vista, de onde pode ter surgido esse ambiente tão fértil para a criação desses boatos sobre o sistema eleitoral brasileiro?

 

Tal qual os defensores da terra plana, os que mentem sobre efeitos adversos de vacinas (associando-os com algumas causas de deficiências congênitas), os ataques ao sistema eleitoral brasileiro se prestam a duas finalidades: a primeira, desviar-se dos reais problemas que precisam ser debatidos (como as profundas desigualdades, a crise política etc.). A segunda, amparar movimentos populistas-antidemocratas. O TSE promove regularmente testes e dispõe de ferramentas para assegurar a integridade do processo eleitoral. Repito: o resultado das urnas reflete a expressão dos eleitores e até hoje não houve nenhuma ameaça real para justificar tanto burburinho.

 

Antigamente, os brasileiros votavam por cédulas. Há quase 30 anos, estamos com as urnas eletrônicas. Na sua visão, voltar ao voto com papel significa um retrocesso para o sistema eleitoral do Brasil?

 

Não se justificaria voto em cédulas, mesmo que para fins de “certificação” ou conferência. As chances de ocorrerem falhas e distúrbios com mecanismos impressos de voto são imensas, desde a quebra de impressoras ou manipulações propositais ou acidentais (como um eleitor errar o voto eletrônico e colocar a culpa no voto impresso), além do próprio risco ao sigilo do voto (ainda no país existem rincões coronelistas, em que o voto impresso poderia ser usado como chantagem para tolher a livre escolha do eleitor). Antigamente, os votos impressos demoravam dias a serem contados e eram facilmente rasurados, adulterados. As camadas de segurança que a urna eletrônica traz associadas à rapidez com que entrega os resultados são a chave do sucesso do sistema eleitoral brasileiro.

 

Tais boatos sobre as urnas eletrônicas e o sistema eleitoral, espalhados por candidatos e outras pessoas, representam ameaça à democracia? Como é possível parar essa onda de mentiras?

 

Atacar as urnas eletrônicas e o processo eleitoral são fortes ameaças à democracia, intoleráveis do ponto de vista do processo eleitoral - pode gerar até mesmo a cassação de candidaturas que se prestem a sustentar tais mentiras, além de multas e até processo criminal. Infelizmente, as redes sociais privilegiam o que os especialistas denominam de “efeito-bolha”, que seria a capacidade do usuário apenas ter acesso a conteúdos restritos, diretamente relacionados com aqueles que pensem do mesmo modo. Ou seja, as redes sociais, em geral, não servem para promover debates de qualidade ou permitir que as pessoas tenham acesso a conteúdos de pessoas que tenham uma visão diferente de mundo. Esta falta de diversidade e pluralidade causam a alienação e facilitam com que o usuário/eleitor fique continuamente validando suas posições pessoais - muitas vezes equivocadas ou incompletas. A saída é não ficar preso àquele universo, e procurar se informar por meios diversos (rádio, televisão, jornais, revistas), nem que seja para tentar entender a visão da pessoa que pensa muito diferente de você.

 

Como as redes sociais podem ajudar a garantir eleições democráticas e pacíficas no Brasil? A Justiça Eleitoral tem agido para fiscalizá-las?

 

Existem algumas ferramentas de denúncias de conteúdos desinformativos, vedação de disseminação de mensagens em massa, limitação de patrocínio de determinados conteúdos e alguns protocolos de colaboração com a Justiça Eleitoral. Mas tudo ainda é insuficiente e muito aquém da real capacidade. Talvez a chave seja a ‘autorregulação regulada’, mas para as grandes redes sociais, em que autoridades fiscalizariam se as empresas estão agindo para lidar com o problema. A Justiça Eleitoral tem à disposição algumas normas que facilitam derrubar conteúdos, punir (com multa e até criminalmente) quem disseminar propagandas sabidamente inverídicas, limitar disparos em massa por meios artificiais, restringir acesso a dados pessoais, conferir direito de resposta a quem for ofendido. Mas para atuar, precisa ter denúncia, depois que as irregularidades acontecem - grande parte nem chega e outras ocorrem muito tempo depois, quando o estrago já foi feito.

 

Qualquer intervenção nas eleições de poderes que não a Justiça Eleitoral, a essas alturas, configura-se crime? Vai contra a Constituição?

Não existe liberdade de expressão absoluta. A liberdade de expressão protege o direito de todos se exprimirem, com responsabilidade. Quem se exceder e, no caso, por atos inequívocos, atentar contra a ordem democrática, contra os poderes constituídos, contra a integridade do processo eleitoral poderá ser punido. A Justiça não deve ser permissiva contra quem é intolerante contra as instituições. Tentativas de ameaçar autoridades, de disseminar notícias sem fundamentos, devem ser punidas, pois trazem mortes, colapsam o futuro da nação. Quem ataca a democracia, não exerce liberdade.


Foto: Luan Porto/Revide

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