Luiz Puntel: escultor de palavras

Luiz Puntel: escultor de palavras

Autor de 15 livros, o escritor e professor Luiz Puntel celebra o lançamento recente de “Cama de girassóis”

Nascido em Guaxupé, Luiz Puntel veio para Ribeirão Preto na adolescência e se tornou conhecido pelos livros que escreveu para a série Vaga-Lume. Formado em Letras, com especialização em francês, o escritor já publicou 15 livros, entre didáticos e paradidáticos. Também leciona em sua oficina literária cursos de comunicação verbal e escrita. Autor de O Grito do Hip Hop, livro indicado ao Prêmio Jabuti de Literatura Juvenil em 2005, Puntel lançou no dia 12 de dezembro seu último livro “Cama de girassóis”, sobre o qual comenta na entrevista a seguir.
 

O que dá para comentar sobre seu último livro: “Cama de girassóis”?

Cama de girassóis retrata a dificuldade de Alfredo, companheiro de Maria, a prostituta, em conseguir um sepultamento digno para ela. Na narrativa, fica claro a hipocrisia dos habitantes daquela cidadezinha qualquer, das autoridades eclesiásticas e dos que acusam Maria pelo seu proceder.

 

Qual a contribuição de “Cama de girassóis” para o mundo?

A contribuição de todo livro, como sempre digo, é que, ao ler um livro, ele me lê, ou seja, eu reflito, eu repenso, como leitor, como eu agiria naquela situação. Essa é uma das contribuições, entre muitas outras, porque uma narrativa tem sempre várias possibilidades interpretativas. 

 

Como a escrita surgiu na sua vida? Sempre desejou ser escritor? Por quê?

Eu era muito tímido e ler me fazia viajar e conhecer pessoas sem ter que me expor. A escrita surgiu com incentivo de professoras e professores que tive. Foram muitos e agradeço sempre terem me sugerido abrir páginas para abrir a vida por meio das páginas dos livros. 

 

Então, já tem outra obra em andamento?

Sim, tenho. Vai também pela mesma linha do “Cama de girassóis”, ou seja, a narrativa se passa em uma cidade pequena, onde os leitores verão o que acontece na vida da personagem feminina, solitária e reclusa em sua solidão. Isso, até chegar ao seu sítio, ele, que vem de longe e vem com o poder transformador dela. Aguardem!

 

Escrever é uma arte, um hobby, uma necessidade?

Puntel, você escreve, mas trabalha com o quê? A vida toda escutei perguntas como essa. Para mim, é arte, à medida, por exemplo, que, no “Cama de girassóis”, eu trabalho a confecção das palavras encaixadas na frase. E também, lógico, o jeito dos personagens se comunicarem, se relacionarem e como o zé-povinho vê Maria, a prostituta.  

 

O que é mais difícil para um escritor, na atualidade?

Eu costumo dizer que escrever é um ato de resistência e resiliência. Em um país, como vimos recentemente, onde só 16% da população lê romances, é um trabalho de formiguinha escrever, editar, ir à procura do público. 

 

Qual o papel da literatura, na sua opinião, como a literatura pode contribuir com o desenvolvimento do país?

O papel da literatura é trazer criticidade. Quem lê mais, tem mais o que dizer, o que escrever, o que expor em uma roda de conversa. Sempre digo aos alunos que ler é abrir a nossa mente, é possibilitar mais visão de mundo.  A literatura possibilita temos mais criticidade para analisar e ponderar o mundo à nossa volta. 

 

Qual a sua avaliação do cenário literário nacional e quais autores recomenda. Por quê?

O cenário literário nacional é muito rico, apesar de todos os entraves. Digo isso porque faço curadoria de clube de leitura e lemos, neste ano, importantes nomes da literatura, como Itamar Vieira Jr, Giovana Madalosso, Aline Bei, Stênio Gardel e Matheus Arcaro. Recomendo todos eles fortemente.  

 

Qual a sua avaliação da “convergência digital”?

Eu sou um velhinho de antes da televisão aparecer em Ribeirão Preto, lá na década de 1960. De lá até hoje, mudanças significativas aconteceram no mundo tecnológico. O digital veio para ficar e é importante usarmos esta ferramenta. O digital, como qualquer ferramenta, não é bom ou demoníaco. Depende da utilização que fazemos, será importante instrumento de comunicação.  

 

Como escritor e professor de comunicação, qual sua avaliação da mudança de comportamento na juventude com relação à leitura e ao consumo de redes sociais?


É comum pais de alunos demonizarem as redes sociais pela falta de leitura dos jovens. Quando dizem isso, eu sempre lembro se eles, os pais e mães, são leitores também. São poucos os que respondem de maneira afirmativa. Então, o problema não está nas redes sociais, mas na educação que damos a nossos filhos, tendo a leitura como valor positivo. 

 

Qual a sua opinião/percepção sobre as redes sociais?

Uma vez, eu estava diante de uma banca de jornal. Era domingo e eu oferecia a minhas filhas, ainda crianças, que escolhessem um gibi da Mônica ou assemelhado. Um jovem pai se aproximou com seu filho, olhou para as revistas penduradas na banca e, puxando o filho com rispidez, disse: “Vam´bora, que aqui só tem pornografia”. Eu olhei para a dona da banca, rimos e ela ainda comentou, filosoficamente: “Cada um vê o que a vista alcança! ” E eu completei: “ou o que a mente vê! ” Com as redes sociais, se dá o mesmo, guardadas as devidas diferenças. Tem de um tudo lá, como numa banca de jornal ou numa biblioteca. O internauta é que precisa saber o que procurar. Nas redes sociais, reencontrei leitores de há 40 anos que, surpresos, diziam “o senhor é o autor daquele livro tal? Cara, o senhor foi muito importante na minha vida. Tenho até hoje a cartinha que mandei para o senhor Olha ela aqui”. Este reencontro só foi possível por causa das redes sociais, entende? 

 

É possível “convergir” para um modelo menos ‘rede social’ e mais ‘rede intelectual’?

Olha, vou te falar uma coisa: foi pelas redes sociais que reencontrei alunos e alunos. Foi pelas redes sociais que encontrei a Ligia Rabay, preparadora dos meus dois últimos livros. Foi pelas redes que dei aulas de Oratória até para alunos do Japão, Europa e Estados Unidos. Foi pelas redes sociais que encontrei a editora Ipê Amarelo, que assumiu o Cama de girassóis. Então, volto a dizer, tudo depende de como usamos as ferramentas, sejam digitais ou não. Por estar nas redes é que vou para mais um romance que já estou datilografando. Alô, novinhos, datilografar vocês podem traduzir por digitalizar e tudo bem!


 
Com sua experiência, como avalia o futuro da escrita e da comunicação ?



O idioma, seja ele qual for, é dinâmico, é vivo. Palavras entram e saem de qualquer língua todos os dias. Se Bentinho, há 100 anos, no início de suas memórias, diz que se encontrou com um rapaz, que conhecia “de vista e de chapéu”, hoje ele diria que conhecia o rapaz por seguir seu perfil nas redes. Percebam que o suporte de há 100 anos era, ao encontrar-se com alguém, levar a mão ao chapéu, que era um cumprimento. Hoje, ao encontrar com alguém, dizemos “ah, te sigo nas redes sociais”. A comunicação continuará a mesma, embora o suporte, talvez daqui a anos, seja o de “ah, te conheço do aplicativo de teletransporte. Já estivemos juntos em uma sessão teletransportada na Lua”. 


Fotos: Luan Porto

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