Experimentações teatrais
Inspirados na terra, no fogo, no ar, na água, na luz, no sagrado e no humano o NIT , levará à Faculdade de Artes Cênicas de Sourbonne, na França experiências
O ensaio do NIT, realizado pelo menos quatro vezes por semana no Espaço Débora Duboc, pode causar estranheza a quem o acompanha pela primeira vez. Movimentos vigorosos de corpos inspirados na natureza dão a sensação da firmeza da terra, do movimento das águas, do balanço do ar e das chamas do fogo. É exatamente isso que propõe o diretor José Maurício Cagno que, há pouco mais de três anos, criou o grupo de aprofundamento em estudos de teatro, a convite do diretor da Ong Ribeirão em Cena, Gilson Filho. “Ter um espaço para a experimentação teatral era um desejo antigo. Quando surgiu a oportunidade, não pensei duas vezes”, revela o também ator e professor de teatro. Ao lado dele no comando do grupo está o ator Renato Ferreira, responsável pela preparação corporal dos integrantes do grupo.
Dez pessoas permanecem no Núcleo, das quais oito participam desde o início. Em fevereiro de 2008, também fazia parte da Ong Ribeirão em Cena a atriz Natália Lemes Araújo, que foi uma das selecionadas para participar do NIT. Mas há dois anos, Natália mudou-se para Paris, onde ingressou na Sourbonne Nouvelle para o mestrado em Artes Cênicas. Foi por meio da ex-integrante que os franceses souberam do trabalho de experimentação feito no interior do Brasil, o que despertou a curiosidade. “Assim, fomos convidados a apresentar um workshop para um grupo de alunos da universidade”, explica Cagno.
O convite veio em fevereiro deste ano e, desde então, o Núcleo se mobiliza para arrecadar a verba necessária à viagem. “Recebemos apoio da Prefeitura de Ribeirão Preto através da Fundação Feira do Livro. Em troca, faremos inserções na 11ª edição da Feira. Também estamos vendendo pizzas: nosso objetivo é comercializar 300 unidades até o dia do embarque, 4 de abril”, relata o diretor. Além disso, as bandas Fole da Ribeira, RP3, Chavala Talhada, Família Imperial e o DJ Rogério Ceneviva fizeram uma grande festa, em março, sem cobrar nada. O objetivo foi arrecadar fundos para as despesas do NIT no exterior. O esforço está valendo a pena. A expectativa de Cagno é abrir, com essa viagem, um canal de intercâmbio cultural constante.
Vivência teatral
Além de servir como um meio de aprofundamento nas artes cênicas, o NIT surgiu como opção de continuidade para os atores formados na Ong Ribeirão em Cena. Com uma base orgânica bem definida, o trabalho busca nos elementos da natureza a principal inspiração. Além da água, do ar, da terra e do fogo, são trabalhados a luz, o sagrado — fonte da natureza — e o humano — como resultado da junção de todos os elementos anteriores. “Ou seja, para chegarmos ao elemento humano, temos que resgatar as vivências com as forças primordiais que o constitui”, esclarece.
As experimentações se fortaleceram depois que José Maurício Cagno participou, ao lado de outros atores, de um workshop do italiano Eugênio Barba, realizado em Brasília, há dois anos. Figura central do teatro mundial, esse diretor é um dos fundadores do Odin Teatret, companhia criada na Noruega e hoje sediada na Dinamarca. Barba também é o fundador da International School of Theatre Anthropology (Escola Internacional de Teatro Antropológico), escola itinerante que estuda as bases técnicas do trabalho do ator. “Vivenciar as experiências propostas por Barba, em 2009, foi definitivo para o trabalho do NIT”, garante Cagno.
Nesse workshop estava também Gracyela Gitirana, que integra o grupo desde o início. “A experiência foi uma das mais marcantes que vivi”, avalia a atriz, que é professora e coordenadora pedagógica da Ong Ribeirão em Cena há quatro anos. Gracyela conta que aprendeu a atuar em grupos de teatro e não sabe desenvolver sua arte de forma solitária. “Gosto do teatro coletivo, pois foi assim que aprendi a profissão. A Ong me proporcionou esse trabalho coletivo e o NIT se tornou o meu chão. Ao mesmo tempo em que me permitiu crescer como artista, ajudou no meu desenvolvimento pessoal”, revela Gracyela, que vai à França grávida do primeiro filho.
Também esperando um filho viaja a atriz Ester Moreira, que compõe o NIT desde o início. Em três anos, viveu situações inesquecíveis. O grupo costuma se reunir periodicamente no sítio de uma amiga em São Sebastião do Paraíso. Lá, aproveita para entrar em contato direto com os elementos da natureza. Os trabalhos, ou vivências, como preferem nomear, não têm hora nem lugar certo para acontecer. “Em uma dessas reuniões, tentando desvendar o que é ser humano de verdade, tive a certeza de que me encontrei comigo mesma, o que me despertou artisticamente”, acredita Ester, que atualmente se dedica com exclusividade ao trabalho junto à Ong.
Experimentar é o verbo que o grupo conjuga desde o primeiro dia de trabalho que, há dois anos, recebeu a psicóloga e atriz Tatiane Mitleton. “A entrada no NIT mudou a minha vida, inclusive no âmbito pessoal. Trabalhar o corpo com base nos elementos da natureza me traz um sentimento de comunhão e bem-estar extremamente gratificante. É como se alcançássemos uma transcendência”, afirma Tatiane, com a certeza de que esse trabalho contribui para a sua carreira como psicóloga, apesar de ainda não dimensionar quanto ou de que forma.
Vinícius Moraes também ingressou no NIT com o trabalho em andamento. Há dois anos, o mais novo entre os integrantes do grupo encontrou nos palcos, e no teatro experimental, aquilo que gosta de fazer e quer levar para a vida. Animado com a oportunidade de apresentar este trabalho fora do Brasil, procura controlar as expectativas. “Num primeiro momento, senti a ansiedade de estar lá. Agora, já me aquietei. O que mostraremos na França é o que fazemos todos os dias aqui”, afirma Vinicius, que passou a se conhecer melhor também como pessoa desde que entrou no Núcleo.
A atriz Michelle Biasibieti confessa que o NIT a transformoou. “Há três anos, estou me conhecendo como artista e como pessoa. A cada segundo, descubro um defeito e uma qualidade nova”, revela. Para ela, os integrantes do grupo são mais do que colegas de trabalho: eles formam uma família. “Choramos, rimos, batemos, apanhamos, caímos e levantamos juntos. O envolvimento ultrapassa os limites do teatro”, garante a atriz, que não consegue selecionar apenas uma experiência marcante junto ao grupo. “É impossível trabalhar os elementos da natureza com o corpo e não se deixar absorver”, acrescenta. Para Michelle, a visita à Sourbonne, na França, significa a primeira de várias portas que se abrirão para o Núcleo. “A possibilidade de ir, para mim, já foi o máximo. A concretização da viagem foi ainda melhor”, afirma a atriz, que espera que o workshop seja um sucesso.
Desconfiado por natureza, Rafael Felix não acreditou muito quando recebeu a notícia da visita à França. “Quando o José Maurício nos informou que havia a possibilidade de irmos para a Sourbonne, eu não acreditei muito. Agora é que me acostumei com a ideia, apesar de achar que só terei certeza quando sair do avião, em Paris”, confessa o ator, que começou a carreira em 2003 na Ong Ribeirão em Cena. Sentindo a necessidade de se aprofundar na arte, viu no NIT a oportunidade ideal. “O fato de ser um trabalho de investigação me chamou a atenção. É uma experiência muito significativa para cada um de nós”, garante Rafael, que já está se deixando envolver pela expectativa de apresentar suas vivências na França.
Joubert Oliveira, que faz parte da Ong Ribeirão em Cena há sete anos e do NIT desde o primeiro teste, não está preocupado com o feedback europeu. “Claro que quero muito que os alunos da Sourbonne gostem do nosso trabalho, que estejam abertos à nossa natureza, mas não estou tenso com a possibilidade de não ser bem aceito, apesar de achar muito difícil eles não gostarem”, brinca Joubert, que sai na frente com seu nome francês. Para ele, o teatro foi como um vírus que demorou a se manifestar, mas tomou conta de sua vida. “O NIT, especialmente, transformou a minha história, tanto pessoal quanto profissionalmente. A possibilidade de adquirir autoconhecimento é impagável”, acrescenta o ator.
A atriz Camila Deleigo, que também está no NIT desde o início, concorda com Joubert. Sua experiência no teatro, arte que pratica há sete anos, foi adquirida na Ong. “O Núcleo foi, para mim, um salto muito grande. Conheço melhor a mim mesma e ao outro também”, aponta a atriz, que destaca a criação como um diferencial desse trabalho. O workshop junto a alunos da Universidade Federal de Ouro Preto, já realizado pelo grupo, antecipa o que deve acontecer na França. “Sabemos que nossa técnica funciona. Os franceses podem até não gostar, mas que dá certo, dá”, brinca Camila.
No país europeu, 20 alunos de Artes Cênicas da Sourbonne acompanharão um workshop de nove horas de duração, experimentando na prática as propostas do NIT. Depois disso, uma demonstração-espetáculo será apresentada, essencialmente baseada nos fundamentos da natureza trabalhados no dia a dia. O espetáculo que está sendo desenvolvido foi baseado na trilogia do filósofo grego Sófocles, que viveu no século V a.C., formada pelas peças Édipo Rei, Édipo em Colono e Antígona. “A demonstração servirá como ilustração para o trabalho de mestrado da Natália e se chama ‘Dos pés feridos aos pés alados’”, informa o diretor José Maurício Cagno. O grupo embarca no dia 4 e retorna no dia 12 de abril.
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Texto: Luiza Meirelles | Fotos: Julio Sian e Adriana Amaral