Fazer o bem faz bem

Fazer o bem faz bem

Especialistas explicam que o trabalho voluntário, além de ajudar a quem precisa, traz melhorias para a vida e para a saúde de quem pratica a solidariedade

Quando era criança, a assistente de telemarketing Leiselie Tamires Santos da Silva, de 25 anos, frequentava a Casa de Caridade Padre Cícero, no bairro Jardim Anhanguera. Fundada em 1986, a instituição atende crianças e adolescentes em situação de vulnerabilidade social no contraturno escolar com diversas atividades.

 

Hoje em dia, grata por tudo que vivenciou no local que a acolheu na infância, faz questão de ser uma voluntária na entidade. Ela atua como assistente da educadora do espaço, ajudando as crianças nas tarefas escolares e nas atividades dentro da instituição, como corte e colagem, oficina de grafite, palestras e rodas de conversa.

 

“Decidi ser voluntária porque eu já fui quem precisou de ajuda com as lições da escola e também com alimentos, brinquedos e roupas. É uma forma de gratidão às pessoas, ao local que tanto ajudou a mim e a toda a minha família. Sou extremamente feliz e grata por fazer parte da equipe e por ajudar sempre que possível”, conta.

 

Leiselie explica que ajudar o próximo é sua maior felicidade e que não existe dinheiro no mundo que pague ver o sorriso das crianças e dos adolescentes que frequentam a entidade. “Isso me motiva a ajudar mais, a ser uma pessoa melhor não só para eles, mas para todos ao meu redor e, principalmente, para mim mesma. É um sentimento de dever cumprido e sinto que é também uma missão de vida”, resume.


O levantamento World Giving Index, feito pela Charities Aid Foundation em 2022, mostrou que o Brasil está entre os 20 países mais solidários do mundo. Em 2021, o país estava na 54ª posição, mas saltou para a 18ª no ano passado.

 

Além disso, um estudo feito na Suíça, de acordo com a farmacêutica Medley, apontou que o voluntariado pode trazer benefícios à saúde mental de quem pratica. A pesquisa demonstrou que o grupo que faz filantropia está associado a menos conflito entre trabalho e vida pessoal, menos esgotamento, estresse e melhor saúde mental.

 

Outro ponto do levantamento suíço é que ajudar o próximo faz bem à saúde, contribuindo para um senso de equilíbrio maior na força de trabalho, o que provoca uma influência positiva na saúde. No Brasil, em 2019, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) apontou que o trabalho voluntário era exercido por 6,9 milhões de pessoas.

 

Já uma nova pesquisa da instituição indicou que, em 2021, 72% dos brasileiros pesquisados tiveram alguma atitude de solidariedade durante a pandemia, sendo que 43% deles fizeram algum trabalho comunitário para entidades assistenciais e 32% praticaram trabalho voluntário individual.

 

Propósito


Segundo a neuropsicóloga e psicóloga clínica Monica Giacomelli Camacho, é comprovado cientificamente, por vários estudos, que ações altruístas ativam áreas do cérebro ligadas ao prazer e à recompensa e também melhoram o humor, reduzem o estresse e proporcionam senso de propósito.

 

“Ao ajudar o próximo, o corpo libera hormônios que ajudam a amenizar emoções negativas, gerando sensação de bem-estar e ativando o centro de recompensa do cérebro. Assim, os benefícios para a saúde mental oriundos da solidariedade são muitos e podem se estender para reduzir problemas de depressão, fobia e isolamento social”, explica.

 

Ela ressalta que dopamina, serotonina e ocitocina, também conhecidos como “hormônios da felicidade”, são neurotransmissores capazes de gerar sensações de alegria, bem-estar e recompensa. Todos são produzidos pelo organismo e liberados em situações específicas, entre elas, ajudar ao próximo, afirma.

 

“Dentre os diversos benefícios desses hormônios, podemos destacar que, para a saúde mental, a dopamina atua mais no ciclo de recompensa, estimulando o cérebro a completar tarefas. A serotonina contribui para equilibrar o humor e a ocitocina age na redução da ansiedade, além de gerar sentimentos de calma e segurança, o que faz também ser lembrada como o ‘hormônio do amor’. Desta forma, quanto mais atos de generosidade o indivíduo pratica, mais hormônios de felicidade o organismo libera”, detalha Monica.


Ainda segundo a neuropsicóloga, estudos mostram que o voluntariado ajuda quem o pratica a se sentir melhor consigo mesmo, criando uma visão mais positiva de sua própria vida, tirando o foco de pensamentos negativos. “Assim, quando se trata da importância do voluntariado, os benefícios são claros tanto para quem o recebe, como para quem o pratica, proporcionando um efeito de bem-estar psicológico geral”, conclui.


Praticar ações beneficentes traz bem-estar e sensação de prazer, de acordo com o psicólogo clínico, mestre em saúde pela Unifesp e professor de Medicina da Idomed Ribeirão Preto, Ramiz Candeloro Pedroso de Moraes. Para explicar, ele recorre a três filósofos europeus que inspiram a Psicologia atual: para o filósofo húngaro György Lukács, somos seres sociais, nascemos em uma pequena sociedade chamada família e vamos avançando em outras, como a escola e os espaços religiosos. Nestes contextos, encontramos pessoas com diversas motivações, entre estas fazer o bem e fazer o mal.

 

“Em uma peça de teatro escrita em 1945, o filósofo francês Jean-Paul Sartre empenha a frase ‘O inferno são os outros’, mostrando que a presença do outro pode acabar sendo um ‘inferno’ em nossas vidas. Neste caso, a maldade aparece nas relações sociais quase como uma vingança ao incômodo do outro”, continua.

 

Mas, vamos nos concentrar no tema fazer o bem. Segundo Moraes, o terceiro filósofo, o holandês Baruch Espinoza, dizia que nas relações sociais, somos sempre afetados e afetamos o outro, ou seja, trocamos afetos. “Sobre fazer o bem, podemos dizer que são trocados afetos positivos, como cuidado, carinho, amor, solidariedade e isso gera potência de vida, de ação e de ideias em quem recebe. Consequentemente, o feedback positivo dos afetos também volta a você, que fez o bem, se sentindo vivo, alegre, preenchido de humanidade. Portanto, fazer o bem faz bem porque é carregado de sentido e potência de vida”, especifica.


Para falar de altruísmo, ou seja, esta capacidade de se doar para o outro, é preciso compreender que somos seres contraditórios, reitera o psicólogo. “Se falo mal das pessoas e depois dou um prato de comida para alguém, pelo fato de me sentir melhor, isso não completa uma pessoa. Ser ético e altruísta requer que você queira, de fato, fazer o bem pelo outro e, a partir disso, você recebe as recompensas, sejam cerebrais ou de sentido de vida”, alega.

 

Para Moraes, os benefícios do voluntariado para quem o pratica são muitos: sentir-se em paz e espiritualizado; sentir que está contribuindo para a sociedade; autoestimular a produção e bom funcionamento dos hormônios da felicidade; ampliar sentidos de vida; conhecer histórias diferentes das nossas, ampliando nossa cultura e nos tornando pessoas melhores, com mais propósito, mais felizes e com mais longevidade.

 

Realizar sonhos


A iconógrafa Paloma Barbosa Rodrigues, de 29 anos, sonhava em estudar em uma universidade pública quando concluiu o Ensino Médio. Mas, como foi aluna de escola pública a vida toda, sabia que encontraria dificuldades para passar no vestibular e não podia pagar por um cursinho particular. Foi quando conheceu o CPM, um cursinho voltado para alunos de escola pública, onde os professores são voluntários.

 

“Esses professores, que eram alunos de Medicina da USP, fizeram uma diferença enorme ao me ajudarem a alcançar meu sonho. Eu nunca me esqueci disso, do trabalho que eles realizavam todos os dias se dedicando a ajudar os alunos”, relata.

 

E foi assim que ela passou na USP e se formou em Biblioteconomia. Apaixonada por literatura, hoje ela é professora voluntária dessa disciplina no Centro de Apoio Popular Estudantil (CAPE), um cursinho pré-vestibular voltado para alunos de escola pública de baixa renda.

 

“É muito gratificante perceber que os alunos se sentem mais próximos de alcançar o objetivo deles, de ver o interesse pela literatura despertando em alguns. Tem uma questão pessoal também, onde eu sinto que estou devolvendo ao mundo um pouco do que recebi, que foi uma ajuda importante através de um trabalho voluntário em um cursinho pré-vestibular. Mas, a melhor sensação é a de ver os alunos caminhando em direção ao objetivo deles”, resume.


Já a aposentada Eloiza Caliento de Abreu, de 64 anos, é voluntária em diversos projetos. Ela faz enxovais para recém-nascido e peças de roupas que são doadas para instituições de acolhimento de idosos em uma fraternidade feminina. Em outra, faz peças de artesanato que são vendidas e se transformam em doações e, em uma Ordem Paramaçônica, trabalha em campanhas que se transformam em doações de todas as espécies, atendendo pedidos de creches, asilos e entidades de ajuda aos desabrigados. Além disso, participa do projeto Lencinho com Carinho, onde confeccionam lenços que são doados para mulheres que perderam seus cabelos em tratamento quimioterápico.

 

“Depois que meus filhos cresceram e tomaram as rédeas de suas próprias vidas, senti que poderia ser útil e comecei a procurar um lugar para me dedicar. Foram aparecendo algumas possibilidades e me envolvi. É muito bom ser voluntária, pois você preenche seu tempo e ajuda o próximo. Mas, eu acredito que todo voluntário que assume um papel em uma entidade tem que ter uma responsabilidade e ser ativo. Voluntariado é coisa séria”, finaliza. 


Imagem: Revide

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