Formando gerações

Formando gerações

Há 35 anos se dedicando aos livros, Marylene Baracchini influenciou o universo literário ribeiraopretano

Não é exagero afirmar que a literatura permeia por completo a vida de Marylene Baracchini. Os livros foram seus grandes companheiros durante a infância e a adolescência, época em que as livrarias eram repletas de vendedores sisudos e o objeto dos sonhos infantis ficava resguardado, em prateleiras atrás dos balcões, onde criança nenhuma ousaria entrar para escolher entre um título ou outro.

Mesmo sem muito acesso e com pouca variedade à disposição, o livro sempre foi para Marylene o presente favorito. Quando se faz uma retrospectiva de sua vida, a paixão por esse universo, hoje, é mais do que justificada, pois a comercialização e a distribuição de livros, além de se constituírem sua profissão, fortalecem o elo e criam a identidade em torno da qual gravitam todos os membros de sua família.

Na juventude, o contato de Marylene com o mundo literário se estreitou: seu marido — Renato Baracchini — era diretor da Editora Abril e foi a pedido da empresa que o casal saiu de São Paulo para viver em Ribeirão Preto, onde Renato ficou responsável pela distribuição das revistas. No início, a mudança não a agradou muito: Marylene vivia em plena capital, cidade de grande efervescência cultural, e, de repente, viu-se mudando para uma cidade interiorana que, na época, não tinha sequer supermercado. “Hoje, passados todos esses anos, realmente me sinto uma ribeirãopretana. Meus filhos cresceram aqui, temos uma grande afinidade com a cidade e estamos felizes”, assegura Marylene.

A função do marido à frente da Distribuidora de Publicações de Ribeirão Preto (DIRP), que se mantém ativa até hoje, deu a Marylene a chance de abrir sua primeira livraria Paraler, conquista que partilhou com ele, em julho de 1975: uma charmosa loja, toda decorada em madeira, na rua Barão do Amazonas, que logo se transformou em referência cultural no município. Um mês depois surgia a segunda Paraler, na rua Tibiriçá e, pensando na expansão das atividades, o casal inaugurou a distribuidora Paraler. Em 1981, com a chegada do primeiro shopping center ao município — o RibeirãoShopping —, foi fundada a terceira loja da rede, que incrementa a vida literária do município há 29 anos.

Com o falecimento do primeiro marido, em maio de 1982, Marylene tomou para si a difícil tarefa de conciliar o trabalho e a família, dificuldade superada com a força e o apoio dos filhos Roberto, Eduardo, Maurício e Fernando, que decidiram diversificar os negócios, investindo em um pequeno e charmoso restaurante, o “Para Comer”.

Anos mais tarde, Marylene voltou a encontrar uma alma gêmea, e se casou com o empresário Eduardo Diniz Junqueira, outro grande aficionado à literatura e à história. Em 1998, a Paraler, seguindo as tendências, aderiu ao sistema Megastore, pioneira na região, e passou a comercializar, além de revistas, livros e artigos de papelaria, também CDs e DVDs, incorporando ao ambiente uma lan house e o espaço Café e Letras. Na sequência, foi criada a Paraler Universitária, na UNAERP. A partir de então, surgiram as editoras Tecmedd e Novo Conceito, o site Compra a Jato, a importadora de livros Tecmedd Books, a Tecctintas e, em 2009, o “Restaurante Fofo”, empreendimentos dirigidos por seus filhos e noras.

Diante desse histórico, pode-se afirmar que a trajetória da família influencia a vida literária de Ribeirão Preto: várias gerações de leitores foram formadas em função da livraria. “Recebemos clientes que são fiéis à Paraler desde sua inauguração. Temos famílias que são nossas clientes há três gerações. Isso é lindo. Quando eu digo que essa relação não se resume ao comércio de livros é a isso que me refiro: o livreiro não vende apenas livros; o livreiro vende emoção, amor, conhecimento, autoajuda e informação. Eu me sinto uma livreira, não uma vendedora de livros”, Marylene define.

Uma paixão que proporciona a ela momentos de prazer, de conhecimento, de meditação e até de autoajuda. A livreira acredita que não existe livro ruim. “Todos os livros têm uma intenção”, sugere. “O que ocorre é que há gêneros dos quais gostamos mais ou menos. Não sou muito aficionada à ficção científica, às leituras que se referem ao inverossímil, mas leio até bula de remédio”, acrescenta.

Em suas viagens pelas dimensões paralelas propostas pelo mundo das letras, Marylene já desbravou inúmeros universos, alguns mais significativos para ela, como os clássicos “O Pequeno Príncipe”, “O Menino do Dedo Verde”, “Fernão Capelo Gaivota”, e as obras de Monteiro Lobato, que marcaram sua infância e adolescência. Entre os autores brasileiros, destaca Érico Veríssimo, Raquel de Queiroz, Machado de Assis, Clarice Lispector e Guimarães Rosa.

“Gostaria de expressar minha admiração pela obra de Eça de Queiroz, cujo texto se distingue pela beleza, pela perfeição da narrativa, apesar do conteúdo bastante forte, além de muitos outros autores contemporâneos que, por serem muitos e bons, seria injusto citar alguns e esquecer de outros”, ressalva. Marylene não deixa de reconhecer o valor dos escritores locais, que faz questão de incentivar, seja abrindo espaço para lançamentos de obras, promovendo saraus literários ou mesmo reservando espaço diferenciado para destacar suas obras, em suas livrarias.

A livreira acredita que essa intimidade com a literatura requer uma aproximação gradativa. Daí a importância de incentivar a leitura e possibilitar o acesso a ela. “Está havendo um grande esforço para propagá-la, mas iniciativas com esse propósito tendem a levar um certo tempo. De uns anos para cá, estamos tendo mais facilidade de acesso à leitura, o governo, por exemplo, tem se empenhado em montar bibliotecas. Mas acho que as pessoas ainda não estão preparadas para aproveitar esse momento”, enfatiza.

O hábito é fundamental, de acordo com Marylene, que defende que as pessoas devem ler o que dá prazer a elas, já que, muitas vezes, um determinado tipo de leitura é imposto antes que estejam preparadas, o que pode desmotivar. “Depois de adquirirem o hábito, estarão preparadas para fazer uma seleção de suas leituras futuras”, argumenta. Nesse sentido, Marylene destaca que mesmo os livros de autoajuda têm seu mérito. “Às vezes, a pessoa lê um livro de autoajuda porque naquele momento é o que ela está precisando, mas depois passa a apreciar obras de conteúdo mais profundo”, aponta.

Outra ferramenta que pode facilitar o acesso à literatura, conforme a livreira, é a internet, apesar de a rede ainda não ser utilizada com muito critério, sobretudo por jovens, que recorrem aos resumos de obras, visando uma leitura mais facilitada. Até quando utilizada de forma enviesada, Marylene acredita no poder da rede de conquistar novos leitores. Ela ressalva, entretanto, que nada tira o prazer de se ter um livro na mão. “A leitura vicia, é como uma droga. Não consigo ficar sem um livro para ler, e não raro mais que um”, confessa a livreira.

O reconhecimento desse histórico permeado pela literatura e o trabalho realizado para difundi-la no município fez com que a Fundação Feira do Livro a homenageasse nessa 10ª Edição da Feira Nacional do Livro, como patronesse do evento, que se realizará de 10 a 20 de junho. “Não me acho merecedora dessa homenagem, o que eu faço é por amor, mas me sinto muito agradecida e feliz. Tenho um carinho muito especial pela Feira do Livro e muito orgulho de termos participado de nove das dez edições”, afirma.

A Feira é um evento importante, segundo ela, porque também atrai pessoas que normalmente não vão à livraria, propiciando uma aproximação com o universo literário. “O evento tem atraído muitas escolas e é possível perceber que, posteriormente, as pessoas passam a se interessar mais pela literatura. É uma divulgação bastante forte. Qualquer evento que atraia público e que o livro esteja presente é um incremento de incentivo à leitura, isso faz a diferença. Estou muito otimista em relação a esta edição, espero que seja ótima, Estamos trabalhando e torcendo para isso”, acrescenta Marylene.

Neste ano, em que a Paraler comemora 35 anos, a livreira se considera uma mulher realizada, afinal, todos os membros de sua família gravitam em torno de suas paixões. “Todos estão muito ligados à literatura e um dos meus filhos está investindo, agora, em outra paixão minha — a gastronomia. Com o nosso trabalho, hoje posso dizer que alimento o corpo e o espírito”, conclui.

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