Guia Jurídico: Judiciário em movimento
Justiça trabalha com produtividade crescente dos magistgrados

Guia Jurídico: Judiciário em movimento

Enquanto a tecnologia contribui para aumento da produtividade do Poder Judiciário, seus profissionais driblam gargalos pontuais para aplicar o Direito com eficiência e justiça

Virou lugar comum classificar a Justiça brasileira como lenta. Dados do último “Justiça em Números”, porém, sugerem que tal fama começa a ficar ultrapassada. De acordo com o levantamento, mesmo ante um incremento de 10% no volume de novos processos – foram 31,5 milhões em 2022, um recorde da série histórica – e da alta demanda representada pelos 84 milhões em trâmite em outubro de 2023, a produtividade dos magistrados também aumentou 10% no período. Equivale à solução de uma média de 79 mil processos por dia. Por magistrado, no período de análise, foram baixados 1.787 processos – uma média de 7,1 casos solucionados por dia útil. Além disso, comparativamente, o Poder Judiciário brasileiro julga quatro vezes mais processos do que instituições semelhantes de países europeus. Enquanto no Brasil, o número de casos novos na primeira instância, por cem habitantes, chega a 14,68 processos, na Europa alcança 3,57/100 habitantes; o de casos solucionados na primeira instância, por aqui, é de 11,89/100 e, por lá, de 3,26/100.

Por fim, o “Justiça em Números” informa que em quase metade das ações ocorre a gratuidade pelos serviços prestados à população. Tal indicador justifica o protocolo de intenções de cooperação acadêmica firmado, em novembro passado, entre o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e a Organização dos Estados Americanos (OEA), visando à transferência da experiência brasileira para outros países das Américas para difundir o acesso aos serviços judiciários. O acordo vale como reconhecimento, por uma organização internacional, da grande acessibilidade dos serviços prestados à população pelo Judiciário e seus atuais 18.117 magistrados, 272.060 servidores e 145.406 trabalhadores auxiliares.

Mas a máquina da Justiça não depende apenas de seus contratados diretos para funcionar. Não haveria esses milhões de processos não fossem os milhares de profissionais autônomos do Direito atuando, acompanhando o ritmo e as mudanças desse organismo em constante movimento que é o Judiciário brasileiro. Só na microrregião da 12ª Subseção da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), com sede em Ribeirão Preto e subsedes em Serrana, Cravinhos, Jardinópolis, São Simão e Santa Rosa de Viterbo, eles são quase 9 mil, segundo Alexandre Meneghin Nuti [na foto à direita], presidente da OAB-RP.

Alguns deles destacamos nesta edição da Revide, em formato de Guia Jurídico, que detalha as atuações e princípios a nortearem o trabalho desses renomados profissionais, responsáveis por projetarem o nome de Ribeirão Preto no cenário da Justiça brasileira.

Representatividade

A qualidade dos profissionais do Direito ribeirão-pretanos é notória, reconhece Nuti, da OAB. “A advocacia de Ribeirão Preto é muito bem-conceituada em todo Brasil, pela inserção entre as cidades que contemplam cursos jurídicos, pesquisas na área e tradição desde 1932”, diz. Contribuem para isso, segundo ele, a qualidade dos cursos criados por aqui nos últimos anos. “Ribeirão Preto é polo de atração educacional nacional. Até o final dos anos 1990, houve a criação do segundo curso de Direito em Ribeirão Preto. Seguiram-se a criação de ao menos mais cinco, um público (USP) e quatro particulares”, observa.

A OAB é importante neste cenário, não só por ser a entidade responsável por habilitar os bacharéis em Direito para o exercício profissional, via aprovação do seu exame, aplicado periódica e simultaneamente em todo o território nacional. Como explica Nuti, a atuação da entidade implica também a observância das prerrogativas profissionais da advocacia e a proteção da cidadania. “Atuamos junto a todo o sistema de Justiça em que se exerce a advocacia (magistratura, Ministério Público, polícias, Secretaria da Administração Carcerária, órgãos públicos em geral, etc). Essa atuação é permanente e contínua”, afirma o presidente.

Os profissionais formados em Ribeirão Preto que permanecem atuando na cidade também contam com a Associação dos Advogados de Ribeirão Preto (AARP), atualmente presidida por Maria Conceição do Nascimento [foto à esquerda], advogada graduada pela Unaerp, com especialização em Gestão Pública pela Unicamp. Ela explica que, além de atuar na defesa das prerrogativas da classe, a AARP oferece aos associados uma estrutura de suporte às suas atuações, que inclui sala de coworking, espaço equipado com conexões junto aos fóruns estadual e trabalhista, além de espaço de confraternização, auditório, estacionamento e benefícios como convênio médico, por exemplo.

Para Maria Conceição, a união de advogados em uma entidade de classe possibilita o fortalecimento do grupo, fazendo com que suas vozes tenham um peso muito maior e possam repercutir não só nas instâncias locais como também nos tribunais, possibilitando que as reinvindicações sejam atendidas e que se tenha uma melhora nas atividades profissionais.

 

Gargalos

Se os números auspiciosos do último “Justiça em Números” refletem uma melhoria real na celeridade e acessibilidade à Justiça brasileira, também escondem “gargalos” só percebidos quando se olha mais de perto, e de forma setorizada, para a máquina do Judiciário, segundo profissionais locais.

Maria Conceição, da AARP, ainda enxerga morosidade do sistema na entrega de resultados aos jurisdicionados. Na advocacia há mais de 30 anos e na diretoria da entidade desde 2004, a advogada e militante de classe testemunhou diversas mudanças no Poder Judiciário, desde as máquinas de escrever aos processos digitais, e enxerga nelas ônus e bônus. O bônus do processo digital, por exemplo, é ter facilitado a rotina dos advogados. O ônus: tê-los distanciado dos juízes. “Sinto falta na atualidade, com os processos digitais, do contato direto que advogados tinham com os juízes, o que chamávamos de despacho de orelha. Precisamos encontrar um meio termo para facilitar o acesso à justiça”, afirma.

Para ela, o anacronismo das leis, a falta de magistrados, a falta de servidores e dos reduzidos investimentos no Poder Judiciário ocasionam a ineficiência da Justiça. “Não tem como diferenciar Ribeirão Preto das demais estruturas do Judiciário, principalmente no que diz respeito à lentidão na entrega de respostas a população, que busca o amparo do Judiciário e é quem mais sofre e sai perdendo”, afirma.

Já o juiz José Duarte Neto [na foto à direita], atual diretor do Fórum de Ribeirão Preto, vê mais avanços que retrocessos. De sua perspectiva, os dados do “Justiça em Números” provam que o Poder Judiciário brasileiro vem “positivamente cumprindo a função que lhe foi confiada a partir de 1988 pela Constituição Federal”, mesmo permanecendo alguns gargalos. No Judiciário de Ribeirão Preto, o maior, segundo ele, é o número de feitos em trâmite, o que considera consequência da importância da região. “Importância de ordem humana, econômica, política e social. A complexidade dessa tessitura tem um reflexo na qualidade e na quantidade dos litígios. São muitos e complexos. A quantidade e a qualidade, por óbvio, têm um impacto no nível de congestionamento. A saída de processos se torna mais lenta. O tamanho da burocracia não é suficiente para atender à demanda em prazo razoável. Quem mais perde é o jurisdicionado”, avalia Duarte Neto, ressalvando logo em seguida que esse quadro vem melhorando no correr dos anos.

O juiz lembra que, quando chegou à Comarca de Ribeirão Preto, há 20 anos, era um entre 21 juízes titulares, e hoje já são 27, além de 14 juízes auxiliares – ganho médio de um novo juiz a cada ano. “Houve também uma progressiva especialização nas varas e ofícios jurisdicionais, com destaque para a criação, nos últimos três anos, da Vara da Violência Doméstica e da Vara Empresarial da Comarca”, comenta. Acrescenta que, ainda este ano, será colocado em concurso uma vaga de juiz auxiliar destinado a atuar junto às varas criminais da Comarca, e futuramente será implantado um novo modelo de gestão administrativa, com padronização de ritos, procedimentos e rotinas de trabalho.

Segundo Duarte Neto, no caso da Comarca de Ribeirão Preto, o novo modelo implicará a instalação de quatro UPJs (Unidades de Processamento Judicial) – forma de planejamento estratégico com o objetivo de trazer eficiência à prestação jurisdicional –, três varas cíveis e uma de família. Serão 16 magistrados titulares, gabinetes, distribuídos por quatro unidades de processamento. “Os anos demonstram que o Judiciário Estadual de Ribeirão Preto não está parado. Além do esforço diuturno de seus juízes e de seus servidores, atestado por números, a estrutura se aprimora, melhora e ganha em acessibilidade”, afirma.

 

Requisitos de eficiência

Ante tantas mudanças da máquina, torna-se essencial aos profissionais do Direito desenvolverem atributos que garantam o cumprimento de suas funções de forma eficiente. Para Nuti, da OAB-RP, incluem manter-se atualizado, estudar profundamente cada caso, esclarecer o cliente sobre as perspectivas e riscos, bem como dos possíveis caminhos jurídicos para o melhor encaminhamento da questão, objetivando a solução.

Duarte Neto destaca os requisitos necessários àqueles que estão mergulhados na engrenagem interna do Judiciário. Para ele, o aplicador do Direito que trabalha nesta burocracia deve ter, em primeiro lugar, noção de “instrumentalidade”, não só do processo, mas da própria jurisdição. “A jurisdição não é um fim em si mesmo, mas um meio (instrumento) para alcançar a pacificação social”, observa. Em segundo lugar, deve sempre ser lembrado que, por trás de qualquer demanda, da capa dos autos, há um ser humano incomodado ou sofrendo. “A condição humana deve ser o norte daquele que se propõe a prestar a jurisdição”, afirma. Em terceiro, acha que cabe ao profissional – no caso, o magistrado – ser sensível às novas demandas que ocorrem neste quadrante do terceiro milênio, em especial os litígios envolvendo uma maior inclusão, que são indissociáveis da democracia.

“Por fim, essas balizas só se cumprem, realizam-se otimamente, caso exista um humilde e inflexível respeito à Constituição e às leis de nossa República. O magistrado que se afasta da Constituição e da lei para exprimir a própria vontade, não é um magistrado, mas um tirano. Pode parecer uma obviedade uma afirmação dessa natureza, mas são conhecidas as tragédias causadas por aqueles que, ao se dizerem inspirados por um clamor de justiça, afastaram-se das normas para tão somente fazerem valer a sua vontade e o seu ego”, conclui.

 

Cresce uso de IA no Judiciário

A engrenagem da Justiça tende a depender cada vez mais da tecnologia daqui para frente, a julgar por outro levantamento anual do CNJ, que aponta expressivo aumento do número de projetos de Inteligência Artificial (IA) no Poder Judiciário em 2023. O estudo, que envolveu 94 órgãos, identificou 140 projetos de IA desenvolvidos ou em desenvolvimento nos tribunais e conselhos de Justiça – 26% acima do apurado em 2022.

No último ano, houve um aumento de 17% no número de tribunais com algum projeto de IA, totalizando 62 órgãos contra 53 no levantamento de 2022. No entanto, 33 tribunais ainda não reportaram iniciativas. Dos 140 modelos mapeados, apenas 37 estão em conformidade e hospedados no Sinapses, plataforma do CNJ para impulsionar a IA no Judiciário. Os dados completos da pesquisa estão disponíveis no Painel de Projetos de IA no Poder Judiciário.

Das 140 soluções tecnológicas mapeadas, 63 já estão em uso ou aptas a serem utilizadas, 46 estão em fase final de desenvolvimento, 17 em fase inicial e três ainda não foram iniciadas. Outros 11 projetos foram finalizados, mas ainda não implementados.

Entre os principais benefícios mencionados no levantamento sobre o uso da IA no Judiciário estão a otimização de recursos, a redução de custos e o aumento da eficiência dos serviços. Já os desafios encontrados incluem, por exemplo, a integração com sistemas existentes e a resistência interna. O maior empecilho relatado para essa implementação é a falta de equipes qualificadas para trabalhar com isso.

A pesquisa foi realizada no âmbito do Programa Justiça 4.0, iniciativa que objetiva acelerar a transformação digital do Poder Judiciário. Outras ações do programa envolvem a criação de uma plataforma em nuvem que integra os sistemas judiciários para unificar a tramitação processual e compartilhar soluções tecnológicas entre tribunais brasileiros, incluindo modelos de IA e um repositório unificado de dados dos processos em tramitação no país.

 

Sobre radicalização e críticas ao judiciário

Em tempos de polarização política radical como o que vivemos hoje, em que os polos divergentes perdem a capacidade de dialogar e tentam impor à força suas visões de mundo, ocorre muito de o Judiciário ser provocado a arbitrar embates nos outros dois poderes – Executivo e Legislativo – a comporem com ele o sustentáculo da democracia. Por ter sido provocado mais vezes que o saudável em tal regime, o Judiciário brasileiro tem sido alvo frequente de acusações de “abuso de poder”, quando, nas palavras do juiz José Duarte Neto, está tão somente cumprindo sua atribuição de solucionar controvérsias.

Ele lembra que desde Montesquieu (filósofo e teórico político do Iluminismo) a existência de três poderes pressupõe a convivência de órgãos independentes e harmônicos de forma que um limite o exercício do outro, em um mecanismo de freios e contrapesos. “Nenhum poder da República pode tudo e é tarefa do Poder Judiciário aplicar o Direito e controlar a constitucionalidade das leis elaboradas pelo Poder Legislativo e dos atos do Poder Executivo”, declara.

Frisa, ainda, que não deve-se à polarização – existente desde sempre nas sociedades –, mas à radicalização dela a extinção do diálogo entre os polos opostos, que passam a se tratar como inimigos, quando deveriam respeitar-se apenas como divergentes. “Ora, como existem divergências, como há polos diferentes buscando fazer valer sua visão de mundo, por certo que a disputa deságua no Poder Judiciário”, observa Duarte Neto. A partir disso, nenhum problema, já que a Constituição conferiu tal atribuição. “Ocorre que, após decidir, a solução não é aceita pelo polo vencido, que o critica pela decisão tomada. Essa atitude não tem nada a ver com polarização, mas muito com radicalização”, reforça o juiz, acrescentando que não existe cabimento em “polarizar” com um dos poderes da República, pois são expressão da soberania popular, não seus antagonistas.


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