
Harmonia e evolução musical
Ao assumir a OSRP, o maestro Gian Luigi Zampieri pretende buscar um desenvolvimento natural e contínuo da música apresentada pela Sinfônica
Natural de Roma, Gian Luigi Zampieri não vem de uma família tradicionalmente ligada às artes, mas iniciou a aprendizagem musical ainda na escola. Ouvir uma apresentação de Fernando Germani, grande organista italiano, aos oito anos, despertou o interesse do atual maestro da Orquestra Sinfônica de Ribeirão Preto (OSRP) pela música. O segundo e, de acordo com Luigi, definitivo passo foi o encontro com o maestro Franco Ferrara, em 1978, antes dos 13 anos. “‘Meu’ maestro pertenceu à antiga geração de músicos, herdeiros de Toscanini e Guarnieri, entre outros regentes do fim do século XIX. Este encontro me fez aprender a história através de uma pessoa que a viu com os próprios olhos”, afirma o maestro. Mesmo 27 anos depois da morte do mestre, Zampieri faz questão de destacar a gratidão e a reverência que nutre por Ferrara. “Pela bagagem do ‘meu maestro’, construí minha trajetória”, avalia.
Para Zampieri, assim a música evolui no tempo. “Cada músico tem uma bagagem, adquirida através de seus antepassados. Por isso, para se tornar um bom musicista é importante, antes de tudo, conhecer a história dessa arte”, argumenta. O maestro, que tem forte atuação como professor, busca ensinar que a função das realizações no presente é manter viva a história nesse processo de evolução. “É como pintar uma parede. Mesmo trocando sua cor, a tinta que estava ali permanece”, exemplifica o maestro. Esta ideia norteia seu trabalho junto à OSRP. “Sou o sucessor de um músico brasileiro conhecido no país e no exterior. Cláudio Cruz fez um bom trabalho e, neste momento, é importante dar sequência a ele”, afirma Zampieri.
O maestro teve seu primeiro contato com a Orquestra em dezembro de 2011, quando foi convidado a reger um programa especial de Natal e um ensaio aberto em Ribeirão Preto, um programa de grande repertório. “Aquela experiência serviu como um teste para ambas as partes. Para mim, o encontro foi muito positivo. Lembro de alguns olhares desconfiados no princípio, mas a impressão mudou em poucos dias”, recorda Zampieri, que, no início de 2012, começou as conversas sobre a estrutura desse novo trabalho.
Na mudança da regência titular, nada será mudado abruptamente. “Isso não é necessário. Além disso, o último a chegar não pode querer transformar nada de um dia para o outro”, acredita o regente. Zampieri, que já se apresentou com orquestras de renome no mundo inteiro, afirma que, primeiro, é importante aprender mais sobre o equilíbrio interno do grupo, sobre as relações entre os músicos e sobre o funcionamento da nova rotina. “Obviamente, cada um possui uma identidade diferente e alguns aspectos serão modificados, mas sem nunca esquecer do trabalho desenvolvido até aqui”, garante Zampieri, que está conquistando seu espaço junto aos músicos.
Para isso, o regente conta com o auxílio do mastro assistente Reginaldo Nascimento, que comandou a Orquestra antes de sua chegada. “Para mim, a atuação do Reginaldo é fundamental no processo de integração, inclusive expondo suas impressões sobre as necessidades atuais do grupo”, acrescenta, destacando o profissionalismo que encontrou ao assumir o novo cargo. “A Orquestra não brinca, trabalha sério e escuta o regente”, elogia. Entre outras características, Zampieri destaca o envolvimento dos músicos, que fazem questão de discutir cada nota, pedindo e oferendo ajuda.
Segundo o regente, a Sinfônica de Ribeirão Preto possui uma identidade e uma estrutura que permite ordem, mas sem imposições. “Não vivemos mais no tempo dos maestros ditadores. Nosso trabalho é realizado com base na democracia. A hierarquia existe no palco e no programa, mas quando há diálogo internamente, quando o maestro fala e escuta, é possível chegar a um resultado final mais completo”, afirma Zampieri.
Na opinião do maestro, os mais de 50 músicos reunidos na Orquestra formam famílias musicais que admitem um repertório amplo e variado, multiplicando as possibilidades. “O que desejo é atingir um nível técnico capaz de formar um calendário com menos ensaios e mais concertos, tanto na cidade, quanto em outros cantos do Brasil e no exterior”, ressalta Zampieri.
Diferente do que pensam muitos brasileiros, o regente acredita que a valorização da música erudita no país já atingiu um bom nível. “O Brasil não tem apenas futebol e Carnaval. Assim como em outros países latino-americanos, há música de qualidade por aqui. Basta pensar em Heitor Villa Lobos, cuja obra ainda guarda boas surpresas. O que já conhecemos de suas composições mostra que ele conseguiu retratar tudo o que quis, especialmente os sons de seu próprio país”, argumenta Zampieri, que é um divulgador do tango do argentino Astor Piazzola, obra sobre a qual, segundo a crítica, é um dos maiores experts no campo internacional. O maestro vê na música latina melodias, tradições e padrões diferentes, mas de qualidade.
A estreia oficial do maestro em Ribeirão Preto aconteceu no dia 10 de março. O concerto que abriu o calendário de 2012 e reuniu peças de Puccini, Leoncavallo, Mozart e Verdi, surpreendeu o músico. “Fiquei maravilhado ao ver famílias inteiras lotarem o Theatro Pedro II. Isso é um fenômeno interessante, que não poderia ser visto na Europa atualmente”, garante, referindo-se à crise — segundo ele, não só financeira — no continente. A reação do público deixou o regente muito satisfeito.
A missão do maestro
Segundo Zampieri, o trabalho do maestro representa uma missão. “O regente é um mistificador que precisa encantar o público, não com gestos, mas com o som da orquestra. Assim, são os instrumentos as peças mais valiosas do trabalho, incluindo entre eles, o próprio maestro”, afirma. O objetivo final da regência é provocar emoções no público. “O som, mesmo ao descrever uma cena clara, foi criado primeiramente para emocionar”, define Zampieri. Por isso, o mais importante alvo do maestro precisa ser a boa relação com a orquestra. Se esta interação não acontece, não há resultado positivo para os profissionais e para o público.
A próxima apresentação da série Concertos Internacionais acontece no sábado que antecede a Páscoa, dia 7 de abril. O público irá conferir o poema Stabat Mater, na composição de Gioachino Rossini. A peça, que remonta às tradições do século XIII, trata da dor de Maria ao ver Jesus Cristo na cruz. A apresentação única contará, ainda, com a participação do Coro Minaz, regido por Gisele Ganade, com os solistas Adélia Issa (soprano), Gisele Ganade (mezzo-soprano), Ozório Christóvam (tenor) e Carlos Eduardo Marcos (baixo).
A valorização dos solistas da Orquestra também marca a programação deste ano. No dia 8, pela série Juventude tem Concerto, a OSRP apresenta “Concerto em mi menor para violino e orquestra op.64”, de Felix Mendelssohn, regida por Reginaldo Nascimento, com apresentação solo de Carlos Eduardo Santos. Ainda em abril, no dia 14, a Orquestra, comandada por Reginaldo Nascimento, apresenta um programa que inclui peças de Beethoven, Liszt, Puccini, Mozart e Verdi. A OSRP fechará o mês com uma apresentação em Lins, no interior de São Paulo, em comemoração ao aniversário da cidade, no dia 21 de abril.
Em maio já está confirmada mais uma apresentação da série Concertos Internacionais. No dia 19, Gian Luigi Zampieri comandará a apresentação do “Concerto para oboé e pequena orquestra em ré maior”, de Richard Strauss, e “Adiemus (Songs of Sanctuary)”, de Karls Jenkins, com participação do solista italiano Arnaldo de Felice e do Coro de Canto Coral da OSRP, regido por Snizhana Drahan. O primeiro semestre também será marcado pela apresentação, no dia 16 de junho, de obras de Astor Piazzola, entre outras surpresas.
Texto: Luiza Meirelles | Fotos: Ibraim Leão