Heróis da realidade

Heróis da realidade

Diversas são as consequências causadas pelo câncer. Sejam elas físicas ou psicológicas, pacientes travam uma luta diária para terem qualidade de vida e provam dia a dia que a superação é constante

Eles vivem como se cada dia da vida fosse o último e dão valor a pequenos detalhes, que aos olhos de pessoas consideradas saudáveis, passam despercebidos. Em comum, o desejo por qualidade de vida. As histórias de Alexandre Monteiro e Ricardo Pereira de Souza evidenciam que é possível viver bem, mesmo com os danos causados pelo câncer, palavra que vem do grego karkínos e quer dizer caranguejo. Foi utilizada pela primeira vez por Hipócrates, o pai da Medicina, que viveu entre 460 e 377 a.C. A doença, apesar de tão presente nos dias atuais, não é nova. O fato de ser sido descoberta em múmias egípcias evidencia que ele já comprometia o homem há mais de cinco mil anos. 

O câncer é caracterizado como um conjunto de mais de 100 doenças que têm em comum o crescimento desordenado de células, que tendem a invadir tecidos e órgãos vizinhos. Estima-se, para o Brasil, no biênio 2018-2019, a ocorrência de 600 mil novos casos da doença, para cada ano, segundo dados divulgados pelo Instituto Nacional de Câncer (Inca) na Estimativa 2018 de Incidência de Câncer no Brasil. No dia 8 de abril, é o Dia Mundial de Combate ao Câncer.

Convivendo com o diagnóstico
Luiz dedica parte do tempo para cuidar do filho, que hoje estuda de casa, para quem sabe, futuramente, ser aprovado novamente em um vestibular
“Pegue a pipoca, porque é um pouco longo”: esse é o título do resumo que Alexandre Monteiro, de 27 anos, decidiu enviar às pessoas que perguntavam inúmeras vezes sobre a história de superação do jovem. Ele arrumou um jeito prático de respondê-las e fazer com que conhecessem uma narrativa surpreendente que começou em 2006, quando tinha 15 anos. Como muitos jovens, praticava atividade física e adorava esportes. Tênis e Kung Fu foram duas modalidades que marcaram a adolescência de Alexandre, tanto quanto o cansaço proveniente desses dois exercícios. Ele conta que se cansava demais e que tinha a sensação de estar perdendo a coordenação da perna esquerda. “Parece que eu tinha tido um derrame, mas, descansando, eu me recuperava”, explica. 

Depois de alguns exames e uma biópsia feita em 2010, constatou-se que o jovem tinha um tumor, o astrocitoma difuso, grau 1. Astrocitomas difusos são tumores comuns derivados de astrócitos e predominam na idade adulta.  Podem afetar qualquer área do sistema nervoso, contudo, a grande maioria deles está na substância branca dos hemisférios cerebrais, com variável envolvimento do córtex.  Outras localizações são os tálamos, o tronco cerebral e a medula espinal. Quando teve o diagnóstico, Alexandre já estava bem debilitado e com a parte motora comprometida. Segundo ele, a cirurgia marcou o dia em que parou de andar pela primeira vez. No aniversário de 19 anos, a festa era quase uma despedida. “Só depois que você perde o que tem, passa a dar valor a pequenas coisas da vida. Passava tardes em casa e em Escarpas do Largo vendo o pôr do sol, os passarinhos. Comer algo e não sentir o gosto era algo agoniante e desesperador”, narra Alexandre.

Entre altos e baixos

Em 2012, o jovem apresentou uma evolução no quadro clínico, depois de ter passado pela quimioterapia. A melhora foi tanta que já andava bem e não necessitava de muletas. Fez cursinho e foi aprovado em Informática Biomédica na USP de Ribeirão Preto. Em 2013, quando iniciou o curso, piorou novamente, a ponto de ter que trancar a matrícula. Novamente, parou de andar. Com sessões de radioterapia e quimioterapia, feita por meio de comprimidos, o que para ele tirava o incômodo de hospital e das agulhas, ficou bem e retornou para a faculdade, em 2014. Porém, Alexandre entendeu que a vida acadêmica seria um fardo pesado para carregar e decidiu se dedicar inteiramente à saúde, mas agora apenas de casa.
A rotina de Alexandre atualmente é trabalhar com o mercado financeiro
Atualmente, faz alguns tratamentos alternativos e uma dieta restritiva desintoxicante, sem glúten, açúcar e lactose. “Nunca fui de pensar no futuro. Os problemas foram começando devagar e fui perdendo a capacidade de exercer algumas atividades, mas sempre levei a vida com bom humor e fazia piadas comigo mesmo. Parado, você aprende muitas coisas por bem ou por mal. Talvez por mal, aprendi muito mais que uma pessoa saudável só fosse aprender futuramente. Meu maior desafio durante esse tempo foi ver meus pais fragilizados e ter que segurar a barra”, relembra.

Engana-se quem pensa que, por estar em uma cadeira de rodas e mexendo poucas partes do corpo, ele não se exercita diariamente. Com a mão esquerda, consegue executar algumas tarefas, como operar em um mercado financeiro. O pai, que hoje dedica boa parte do tempo para cuidar do filho, ficou surpreso quando o rapaz disse que precisava ganhar dinheiro para não depender da família e, imediatamente, procurou um curso de “trader” ou, na tradução, negociador do mercado, ministrado pelo professor Luiz Hota. “Eu vi o anúncio do curso pelo Facebook e isso me trouxe esperança de produzir algo na situação atual. Era um dos primeiros a chegar e o último a sair. Imagino que por causa do contexto, o Luiz me presenteou com o curso”, conta Alexandre. 

Para o pai, o aprendizado que o filho proporciona é diário. “Cada dia, aprendo uma lição. Ele nunca reclamou da vida. Quero ter bastante saúde para cuidar dele. Meu filho tem um espírito iluminado e se supera a cada dia”, afirma o dentista Luiz Monteiro. A mensagem que Alexandre deixa é: “A palavra é força, força de vontade. Hoje, meu sonho é aproveitar a vida ao máximo e sem irresponsabilidades”, conclui.

Novos propósitos

Ele é considerado um milagre para médicos do Hospital das Clínicas de Ribeirão Preto. O advogado Ricardo Pereira de Souza, de 35 anos, descobriu um câncer de intestino em setembro de 2018. A notícia veio por meio de um nutrólogo, que detectou baixa quantidade de ferro, a ponto de Ricardo contrair uma anemia e, na sequência, veio o diagnóstico do câncer de intestino. Ele ficou 70 dias internado. A família até chegou a ouvir de médicos que poderiam se preparar, porque as chances de sobreviver eram mínimas. Isso tudo porque o advogado teve a sepse, doença potencialmente grave desencadeada por uma inflamação que se espalha pelo organismo diante de uma infecção. Ela pode levar à queda de pressão arterial, falência de órgãos, entre outros efeitos.
Ricardo diz que aprendeu muito com tudo isso, principalmente a ter amor próprio
O desespero veio quando fez a tomografia e teve que esperar o resultado por cerca de 17 dias para saber se o câncer já havia se espalhado pelo restante do corpo. Ele enfatiza que a fé, a estrutura mental e a família foram imprescindíveis nesse processo. “Você pode imaginar o que é tomar banho e ficar tonto em uma cama? Não poder tomar água? Chorei quando tomei banho em uma cadeira de rodas. Fiquei feliz de tomar sol. Aprendi, com tudo isso, a ter amor próprio.  Quando olho para cicatriz que tenho na barriga, agradeço a Deus pela vida e por ter sido forte”, detalha. 

Ao lado da mãe, companheira inseparável, o advogado explica que, a partir da descoberta, os propósitos de vida mudaram completamente. Hoje, ele convive com uma bolsa plástica adaptada à pele, que serve para coletar as fezes, e começará a quinta sessão de quimioterapia. Paralelo a isso, faz meditação, reiki e terapia. As duas últimas atividades são feitas na Associação Brasileira de Assistência às Pessoas com Câncer (Abrapec), situada no Centro de Ribeirão Preto. Trata-se de uma organização não governamental, engajada em prestar suporte socioeconômico, de reabilitação física, emocional e jurídica às pessoas adultas e idosas em tratamento de câncer, vulneráveis socialmente. O atendimento é destinado também aos familiares e cuidadores. Ricardo chegou à associação por meio da nutricionista, que o recomendou que buscasse um suplemento oferecido gratuitamente na instituição. “O conselho que sempre dou é: nunca negligenciar com os exames e não parar até saber exatamente qual é o problema. Isso faz toda diferença em um tratamento”, conclui.

Câncer e qualidade de vida 

Segundo o médico Diocésio Andrade, oncologista do InORP Grupo Oncoclínicas, é possível ter qualidade de vida após o diagnóstico de câncer. Um serviço de destaque oferecido pelo grupo são os cuidados integrativos, que representam uma abordagem de tratamento multidisciplinar. De acordo com ele, o ambulatório é composto por um geriatra que realiza o cuidado paliativo, uma nutricionista, um fisioterapeuta e um psicólogo. O intuito desse serviço é complementar, com a ajuda de profissionais especializados, o manejo de sintomas específicos. Todo o processo é executado de maneira humanizada, permitindo a autonomia do indivíduo e estimulando uma vida em equilíbrio.
Segundo Diocésio, mesmo com esse diagnóstico, é preciso buscar formas de vida saudáveis
O paciente oncológico não deve se sentir impossibilitado de realizar atividades diárias como as praticadas por pessoas saudáveis. “Uma das práticas mais encorajadas durante todo o tratamento oncológico é a da atividade física regular. Essas atividades podem minimizar possíveis efeitos colaterais do tratamento e inserir o paciente no contexto sócio-cultural a que muitas vezes ele fica alijado”, diz. 

Texto: Bruna Romão | Fotos: Júlio Sian e Ibraim Leão

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