História do dia

História do dia

Criadora do “História do Dia”, a jornalista Daniela Penha conta detalhes sobre o projeto, inspirações e planos futuros

A jornalista Daniela Penha, não só relata histórias, mas as vive intensamente. Há seis anos, criou o projeto "História do Dia", um portal que funde memória, jornalismo, história oral e literatura, que já ouviu a história de mais de 400 pessoas e Ribeirão Preto e região. A jornalista costuma afastar o termo “dar voz”, quando fala sobre seus entrevistados. Essas pessoas já têm voz própria. O que ela é escutá-las. Uma escuta ativa, empática e que floresce em histórias de jornalismo literário.  Seu projeto já virou livro e exposição, e o futuro reserva ainda mais histórias para compartilhar e sementes para plantar em outras cidades. Daniela Penha é a prova de que as histórias de vida podem mudar o mundo. Daniela Penha é jornalista, formada na Unesp/Bauru. Mestranda em Educação pela USP Ribeirão Preto. É pesquisadora na área de Educação como integrante do Gepalle/USP (Grupo de Estudos e Pesquisas sobre Alfabetização, Leitura e Letramento).
 

Por que escolheu o jornalismo como profissão? O que mais te encanta nessa área?

 

Eu tive dificuldade para definir uma profissão. Hoje entendo que já era meu perfil dinâmico, que sempre quis muitas coisas ao mesmo tempo. Quando criança queria ser cantora. Depois, pensei em Psicologia e, então, o Jornalismo apareceu quando eu estava fazendo cursinho para tentar “me encontrar”. “Se encontrar profissionalmente”, a meu ver, é um fardo muito pesado para jovens de 17 anos. Eu estava lendo uma revista National Geographic, parei em uma reportagem que falava sobre uma aldeia distante, em outro lugar do mundo, e pensei: “É isso! Quero descobrir o mundo!”. Saí pela casa gritando que sabia o que queria fazer. Hoje, percebo que, de fato, o Jornalismo me proporciona a descoberta de muitos mundos. Os mundos que habitam cada pessoa, cada vida, cada história. Cada um de nós, com nossas trajetórias tão singulares, carrega um mundo. 

 

Como surgiu o projeto História do Dia?

 

Eu costumo dizer que ele foi construído ao longo de toda minha formação como jornalista, que começa na faculdade, segue pelos jornais diários pelos quais passei e não se esgota. Eu ainda estou em construção e, então, o História do Dia também. Desde a faculdade meu maior encantamento já era a história das pessoas. Conheci o trabalho da jornalista Eliane Brum, com suas “vidas que ninguém vê”, e fiquei completamente absorta. Depois, conheci o Museu da Pessoa e pensei que não há nada mais importante do que guardar as vidas, as memórias, as histórias. Meu trabalho de conclusão do curso foi um livro, “Memórias do Aimorés”. Eu contei a história da lepra pelo relato de sete pessoas que viveram a terrível internação compulsória e passaram pelo Asilo Colônia Aimorés, em Bauru. Misturei, já nesse primeiro trabalho de fôlego, Jornalismo Literário e História Oral. Eram relatos tão chocantes que me pareciam inventados. Casas queimadas, bebês arrancados, trajetórias interrompidas. No jornalismo local, fiz muitas coisas, como é de praxe. Mas sempre encontrava uma forma de levar as pessoas para o centro. Sugeria reportagens especiais, ficava, sempre que possível, com o material de domingo, porque era mais espaçoso, permitia que eu abordasse mais as histórias. Tive uma coluna chamada “Rua da Gente” no Diário da Região, na qual publicava as histórias das ruas de São José do Rio Preto pelas narrativas de seus moradores. Encontrava brechas no factual para fazer aquilo que eu já amava. Quando essas brechas foram ficando apertadas, pelo achatamento das redações e a diminuição do jornal, eu decidi que precisava seguir com meu sonho e minhas pernas. Pedi demissão e lancei o História do Dia em 2017. 

 

Poderia compartilhar conosco uma das histórias mais marcantes que você divulgou?

 

Olha, são muitas! É difícil selecionar. Então, eu vou para as histórias que mais marcaram meu público. E, sendo assim, não posso deixar de citar o Dr. Niltão, médico do Hospital das Clínicas de Ribeirão Preto que perdeu a visão em um acidente quando estava começando a exercer a Medicina e decidiu continuar como médico. Ele atendeu até falecer, com mais de 80 anos. Aprendeu a “ouvir” o paciente de outra forma. Atendia sozinho em seus consultórios, sem precisar dos olhos de ninguém. É uma das histórias fantásticas das pessoas comuns. Uma história tão incrível que parece inventada! 

Como você se sente dando voz a pessoas que, talvez, sem a sua interlocução, não teriam essa oportunidade?

 

Eu já utilizei a expressão “dar voz” às pessoas. Mas fui corrigida por uma companheira do grupo de estudos que frequento, o Gepalle, na USP Ribeirão Preto. Foi uma correção muito pertinente. Ela me disse: “É pretensão sua dizer que dá voz à essas pessoas. Elas já têm voz própria. O que você faz é escutá-las”. Essa colocação me marcou profundamente. E compreendi que, de fato, todos nós temos nossas vozes, que são mais ou menos ouvidas dependendo dos lugares sociais que habitamos. Eu penso que nós, enquanto sociedade, precisamos exercitar nossa capacidade de escutar e compreender as diversas vozes. Isso nos fará melhores, mais empáticos, mais humanos. O História do Dia tem esse potencial. Quando o projeto oferece aos leitores a possibilidade de escutarem outras vozes, olharem para outros espaços, que não só o seu próprio, nós temos a possibilidade de transformar o mundo pelas histórias de vidas. É muito bonito perceber a potência de transformação que uma história de vida tem. Já recebi diversas mensagens de leitores dizendo: “Li essa história e mudei minha forma de ver”, “Percebi que estava sendo preconceituoso conhecendo essa pessoa”. Isso me faz imensamente feliz. Me dá energia para seguir! 

 

Quais são os planos para o futuro?

Tenho um grande desejo de levar o História do Dia para outras cidades, plantar essa semente. E, para isso, as propostas são muitas! Precisamos cuidar da nossa memória, criar espaços para que isso seja possível. Tenho me envolvido muito na formação, criar leitores, instigar e capacitar as pessoas a escreverem suas próprias histórias de vida. Também me encanto pela ideia de levar as histórias reais para o público infantil. Ou seja: vem muita coisa por aí! Aquela menina que queria tudo ao mesmo tempo continua pulsando por aqui. Ainda bem! 

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