
Interação em foco
Para professor da USP e especialista em Educação José Marcelino Rezende Pinto, aulas devem continuar realizadas a distância e contato direto entre alunos e professores é fundamental
Texto: Marina Aranha
O levantamento "Juventudes e a pandemia do coronavírus", encabeçado pelo Conselho Nacional de Juventude, mostrou, em junho, que 28% dos jovens brasileiros pensam em abandonar a escola após a pandemia e 49% avaliam desistir do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem). Os índices demonstram a dificuldade de adaptação ao cenário atual — ensino remoto com o uso de tecnologias que auxiliem no aprendizado. Para o professor da Universidade de São Paulo (USP) e especialista em Educação José Marcelino Rezende Pinto, a falta de interação direta entre professores e alunos, mesmo que de forma virtual, causa prejuízos aos estudantes e ao ensino.
Contudo, para ele, as aulas devem seguir a distância. “Quanto mais o tempo passa, mais minha convicção avança. Pesquisas mostram que 85% dos casos da Covid-19 são assintomáticos, muitas crianças. Você as coloca perto de professores, funcionários, que podem ser contaminados”, pontua. Ainda de acordo com o professor, a Educação é um projeto que deve ser construído a longo prazo e que, portanto, os meses de ausência das aulas presenciais não seriam os causadores de graves impactos econômicos. “Ainda não há um estudo conclusivo sobre perdas. Nós vamos conhecer, mas o que posso te garantir é que a educação se faz a longo prazo e é preciso dar suporte às famílias”, argumenta, na entrevista a seguir.
Para os alunos, quais os impactos dos mais de cinco meses sem aulas presenciais?
Os impactos são muitos, especialmente do ponto de vista do processo de conhecimento nesse período, realizado de uma forma mais complicada. Não que as crianças não estejam aprendendo, afinal a escola não é o único local de aprendizado. O conteúdo que a pandemia gera e as informações na mídia têm um efeito no aprendizado. Claro que se rompeu uma cadeia milenar, que é a escola e a educação, portanto o que vejo é impacto muito grande na interação dos alunos com os colegas e com o professor. Particularmente, gosto da sistemática remota, mas acredito que seja necessário pensar mecanismos que envolvem a interação entre professor e aluno, mesmo a distância. Que seja o celular. Você não encontra essa dinâmica de aula gravada. O que as crianças estão precisando nesse momento é interação. Quando elas interagem, não substituem, mas amenizam as dores do isolamento. É importante interagir com o professor e com os colegas. No Conselho Municipal de Educação discutimos muito isso. Não tem que ficar dando tarefa que o pai tem de ajudar. Muitas vezes, a escolaridade do pai é menor que a das crianças. Boa parte dos pais no Brasil não tem Ensino Médio. O fundamental nesse momento é muito mais esses processos de interação: ouvir a família e os alunos.
Quais têm sido as maiores dificuldades dos professores nesse período?
Eu acho que foi onde se avançou pouco. Acho que as secretarias de Educação poderiam ter utilizado esse momento para interagir mais, colocar os professores conversando com os pais. De um lado, ficou uma pressão muito grande em cima dos professores. Você ouve muito relato de professor angustiado — e muitos são pais, que também lidam com a questão dos filhos em ensino remoto. Esse tipo de situação angustia o profissional. O que sentimos é uma situação de angústia e, principalmente, os planos de secretaria, de instituições, vêm de cima para baixo. O profissional não é muito ouvido. Na rede estadual, há essa ideia de voltar de forma escalonada, com 20% dos alunos, mas o professor e o funcionário têm de ir todo dia. E como se organiza os 20%? Como organizar esse revezamento? A tendência é acentuar sintomas como a Síndrome de Burnout, pois o professor se sente espremido no processo. De um lado forças que decidem se volta ou não, e de outro, angústia. Precisamos baixar essa tensão com professores e com os pais.
“Seis meses ou sete meses na vida de uma criança que vai ter muitos anos de escola não é algo tão impactante”
Como você avalia o isolamento social e a suspensão das aulas presenciais durante a pandemia? Foi uma saída necessária?
Sou totalmente favorável. Quanto mais o tempo passa, mais minha convicção avança. Pesquisas mostram que 85% dos casos da Covid-19 são assintomáticos, muitas crianças. Você as coloca perto de professores, funcionários, que podem ser contaminados. Ribeirão Preto parece que está melhorando porque está aumentando o numero de leitos, por isso, a atitude mais sensata é ficar em casa. Seis meses ou sete meses na vida de uma criança que vai ter muitos anos de escola não é algo tão impactante. As perdas dessa pandemia vão ser recuperadas num processo a longo prazo. Não dá para pensar a curto prazo. Os Estados Unidos iniciou a volta para a escola e muitos professores foram contaminados. O voltar a curto prazo, do ponto de vista econômico, pode resultar em tragédia maior. Ribeirão Preto está no caminho certo. Temos uma base de pesquisa na área médica. Estamos indo com calma. O que nós precisamos cobrar, seja do governo local ou estadual e federal, são políticas de apoio. Quanto mais tivermos uma postura protetiva das pessoas, mais rápido a gente retorna.
A presidente do Todos pela Educação, Priscila Cruz, afirmou que o “país pagará por abrir bares antes de escola”. Qual sua visão sobre o efeito da suspensão das aulas presenciais ao futuro do Brasil?
Não existe milagre em educação. Educação é um projeto a longo prazo. E a educação é o professor. Isso é consenso, esse profissional é o elemento central. O professor na pandemia é um elemento chave de risco. O dano econômico de uma postura irresponsável nesse momento vai ter um impacto grande. Defendo atividades remotas, mas com interação. Também não vamos criar a ilusão de que as crianças estavam aprendendo tanto indo à escola. Criança não é um copo de água que você enche. Discordo integralmente de que essas perdas serão terríveis. Não serão, mas precisamos de políticas educacionais pós-pandemia. Ainda não há um estudo conclusivo sobre perdas. Nós vamos conhecer, mas o que posso te garantir é que a educação se faz a longo prazo e é preciso dar suporte às famílias.